quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A crise financeira e o silêncio da igreja hierárquica

Recebi este artigo e o repasso, também porque José Maria Castillo foi meu professor em Granada em 1978-79 e o considero um teólógo extremamente preparado e sério, além de amar a igreja e a humanidade! Boa leitura!
Chama a atenção o fato de que as autoridades eclesiásticas falem tanto de algumas coisas, enquanto sobre outras questões muito importantes para as pessoas, como é o caso da crise econômica, não digam nenhuma palavra.
A opinião é de José María Castillo, teólogo espanhol, publicado na página eletrônica Adista, 27-10-2008. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Naturalmente, é arriscado afirmar que o papa, os cardeais e os bispos, tantos como são, não tenham dito nada com respeito a um tema do qual o mundo inteiro fala com preocupação e angústia. Não há dúvidas de que o papa e os bispos tenham falado a respeito disso. Mas o fato é que a opinião pública sabe perfeitamente aquilo que a hierarquia pensa e diz a respeito do aborto, da eutanásia, do divórcio, da homossexualidade, do uso de contraceptivos, do ensino da educação à cidadania (matéria introduzida por Zapatero e contestada pelos bispos espanhóis) etc, enquanto as pessoas não têm nenhuma idéia do que os bispos pensam a respeito da crise do sistema financeiro, da quebra dos bancos, do aumento dos preços, do desemprego, dos empréstimos subprime, da ganância que, segundo o Comissário dos Assuntos Econômicos da União Européia, Joaquin Almunia, está na raiz dessa crise tão profunda e obscura e de tal gravidade.
É verdade as questões de ordem econômica pressupõe conhecimentos técnicos que não estão ao alcance de todos, nem dos bispos que, supõe-se, receberam a formação e a preparação necessárias para dizer, como pastores, aquilo que os fiéis devem pensar com relação aos seus problemas de vida e de consciência. Estamos de acordo sobre o fato de que são os economistas que falam de economia. Mas, se esse critério é correto, deve-se dizer com a mesma razão que devem ser os biólogos que devem falar de biologia. Por que os bispos falam com tanta certeza sobre questões como as células-tronco, o término da vida, os experimentos científicos em embriões ou a fecundação in vitro, se a maior parte dos bispos sabe menos ainda de biologia de quanto pode saber de economia?
Sinceramente, suspeito que o silêncio dos bispos sobre temas econômicos não é devido à ignorância, mas a outras motivações mais obscuras. Por que digo isso? Há poucos dias, o presidente do Parlamento Europeu, Hans-Gert Poettering, dizia sem jogos de palavras: “Não se pode dar 700 bilhões (de dólares) aos bancos e esquecer-se da fome”. Porque essa incrível quantidade de dinheiro está reservada aos ricos, para que se sintam mais seguros e tranqüilos na sua condição privilegiada, enquanto, como bem sabemos, agora mesmo existem 800 milhões de seres humanos forçados a sobreviver com menos de um dólar por dia, isto é, viver em condições desumanas, expostos a uma morte próxima e assustadora.
Bem, o escândalo é que os políticos denunciam essa atrocidade da “economia canalha” (Loretta Napoleoni), enquanto aqueles que se apresentam como os representantes oficiais de Cristo na terra não levantam a própria voz contra semelhante vergonha. Naturalmente, eu não tenho soluções para a situação crítica que estamos vivendo, nem posso ser eu quem ofereça soluções. A única coisa que posso (e devo) dizer é que na Igreja abundam os funcionários e faltam os profetas. E tenho a impressão que, neste momento, para fugir da confusão em que estamos, mais importante do que a consciência dos economistas é a audácia dos profetas capaz de dizer onde se situa exatamente a cobiça que, como já disse, está na raiz do desastre que estamos sofrendo.
Todos sabemos que a Igreja denuncia a injustiça. O problema, porém, é que ela o faz utilizando uma linguagem genérica como a do presidente Bush quando falava de “justiça infinita”. Ninguém duvida das boas intenções do papa. E nem da sua grande personalidade e do seu prestígio mundial. Mas o problema é que o papa é o chefe supremo de uma instituição presente no mundo inteiro e se esforça por manter as melhores relações possíveis com os responsáveis da economia e da política de cada país. Bem, do momento em que a Igreja escolheu funcionar assim, é impossível para ela a missão profética que deve exercitar em defesa dos pobres e das pessoas mais mal-tratadas pela vida e pelos poderes deste mundo.
Quem lê com atenção os evangelhos sabe que Jesus não se comportou, frente às autoridades e aos ricos do seu tempo, como as hierarquias eclesiásticas se comportam hoje diante dos responsáveis dessa economia canalha que está levando o mundo à ruína. É evidente que as preocupações de Jesus eram muito diversas das da Igreja de hoje. Deve-se produzir uma catástrofe econômica como aquela que estamos vivendo para nos darmos conta de aonde vão os reais interesses dos “homens de religião”. Eles utilizam a linguagem da justiça e da solidariedade, que é aquilo que serve para o nosso tempo, mas não se arriscam a levantar a voz quando temem que os interesses da religião possam ser postos em perigo.
Estando assim as coisas, a conclusão é clara: a instituição religiosa está mais preocupada em assegurar a estabilidade e o bom funcionamento da religião do que se expor (com tudo aquilo que conseguir) com relação àqueles que mais sofrem nesta vida. E se essa é a conclusão lógica, o resultado é evidente: os ricos se sentem seguros, os pobres ficam imersos na sua miséria, e a religião, com os seus templos e os seus funcionários, permanece a mesma, pelo que ela se torna cada dia mais velha e sem força.
Acréscimo do autor do blog: é bom lembrar que a única afirmação pública que o papa fez diante das primeiras manifestações da crise foi a de afirmar que "só a palavra de Deus é sólida"...!!!!!????

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