sábado, 26 de fevereiro de 2011

Contemplar a beleza dos lírios sem querer apropriá-la (Mt. 6,24-34)


Muitas vezes o nosso espírito religioso nos leva a atribuir a Deus tudo o que ocorre na nossa realidade. Na vida cotidiana das pessoas. Ele seria, segundo essa visão, o autor do bem e do mal. Da graça que nos permite viver com esperança e paz. E da des-graça que nos angustia. Que nos faz perder o sentido e a alegria de viver. Deus seria, afinal, Aquele que dá pão aos seus filhos. Mas também Aquele que ‘permite’ que outros filhos passem fome e morram. Tudo isso não passa de uma projeção humana a respeito de Deus. Um ‘deus-ídolo’ moldado e manipulado conforme as nossas categorias e estruturas humanas. Aquele que não pode ser capturado pela mente humana é representado segundo os nossos interesses e conveniências.

Jesus, hoje, reafirma a ‘distância’ existente entre o modo de pensar/agir de Deus e o nosso. As tentativas humanas de domesticar, controlar e capturar Deus são vãs, inúteis. Também são insensatas as tentativas de adaptá-lo às nossas necessidades mesquinhas. Ou seja, querer fazer média entre as nossas conveniências e o modo soberano de agir de Deus. Jesus afirma em alto e bom som que para o discípulo que assumiu a lógica do Reino e da sua justiça é imprescindível que aja com coerência radical.

É essa lógica alicerçada e ladeada pela justiça que permite que possamos ‘contemplar os lírios do campo’, apreciar sua beleza e elegância, sem querer nos apropriar dela. Observar com fascinação os ‘pássaros do céu que não semeiam e nem colhem’, e desdenhar o desejo de ‘possuir celeiros cheios de grão’ e contas cheias de mamona. Só ‘tendo fome e sede de justiça’ poderemos inibir os nossos desejos de acumulação. E saciar a fome e sede de pão e dignidade de tantos filhos e filhas. Esses que valem mais do que os lírios e os pássaros foram despossuídos por outros filhos e filhas. Em lugar de assumir a lógica de Deus, estes se aliaram a Mamona e à sua lógica. A ele se prostram e veneram. A ele vendem a sua própria alma e liberdade.

Assassinos do cacique Marcos Veron são condenados, mas não por homicídio. Já estão em liberdade!

Após cinco dias de julgamento, um júri popular decidiu nesta sexta-feira (25) condenar três fazendeiros a 12 anos e 3 meses de prisão pelos crimes de sequestro, tortura e formação de quadrilha que resultaram na morte do líder do povo guarani-caiová, o cacique Marcos Veron, ocorrida em janeiro de 2003 em Juti (MS). Os fazendeiros, entretanto, foram absolvidos pelo crime de homicídio. O povo guarani-caiová vive em uma área de conflitos, cujos índices de violência são os mais altos entre todas as comunidades indígenas do país. Eles foram condenados a cumprir pena em regime fechado, mas, beneficiados por um habeas corpus, não foram presos após o julgamento. A juíza federal Paula Mantovani Avelino, da 1ª Vara Federal Criminal de São Paulo, leu a sentença no plenário do Fórum Jarbas Nobre, na capital paulista.

Entre os presentes, estavam parentes do indígena, que acompanharam a sessão desde o primeiro dia, vindos do Mato Grosso do Sul. O julgamento começou na segunda (21) sob protestos dos índios, que pediram justiça em frente ao fórum Jarbas Nobre. Estevão Romero, Carlos Roberto dos Santos e Jorge Cristaldo Insabralde foram recebidos com revolta no fórum pelos membros da tribo. Eles eram acusados de homicídio duplamente qualificado (por motivo torpe e meio cruel), tortura, seis tentativas qualificadas de homicídio, seis crimes de sequestro, fraude processual e formação de quadrilha. Estevão também foi condenado hoje por fraude processual. Outras 24 pessoas foram denunciadas por envolvimento no crime.

O júri foi transferido do Tribunal do Júri de Dourados (MS) para São Paulo a pedido do Ministério Público Federal, que alegou que os jurados não teriam a isenção necessária naquele Estado, devido ao preconceito na sociedade local e ao grande poder de influência do proprietário da fazenda reclamada pela tribo de Veron, Jacinto Honório da Silva Filho. Ele é acusado de coagir os índios a mudarem seus depoimentos. O caso ganhou notoriedade porque Veron já representou a comunidade em eventos internacionais. É acompanhado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e por organizações não-governamentais ligadas aos direitos humanos. 

No dia 12 de janeiro de 2003, o grupo teria perseguido um veículo e atirado contra os indígenas --duas mulheres, um adolescente de 14 anos e três crianças de 6, 7 e 11 anos. Na madrugada seguinte, os agressores atacaram o acampamento. Sete índios foram sequestrados, amarrados na carroceria de uma caminhonete e levados para local distante da fazenda, onde passaram por uma sessão de tortura. Ládio disse ter quase sido queimado vivo. A filha dele, Geisabel, grávida de sete meses, foi arrastada pelos cabelos e espancada. Marcos Veron, à época com 73 anos, foi agredido com socos, pontapés e coronhadas de espingarda na cabeça. Ele morreu por traumatismo craniano.

Taxa de homicídios entre guaranis-caiovás é 20 vezes maior do que a de SP

(Fonte: UOL)

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

VALE SEMPRE MAIS RICA!

O lucro da Vale (VALE3 e VALE5) de R$ 30,1 bilhões registrado em 2010 é o segundo maior da história do país, de acordo com a consultoria Economatica. O resultado da minerado só fica atrás do lucro da Petrobras de 2008 (R$ 32,9 bilhões). A mineradora Vale teve ganhos no quarto trimestre de R$ 10 bilhões, comparados aos R$ 2,7 bilhões registrados no mesmo período em 2009. O elevado preço do minério de ferro e a demanda da China foram os principais destaques do resultado. A empresa informou que no ano bateu recordes de receitas operacionais, lucro operacional, margem operacional, geração de caixa e lucro líquido. Em 2010, o preço médio realizado do minério de ferro foi de US$ 103,50 a tonelada contra US$ 55,99 um ano antes. O preço médio da pelota subiu de US$ 73,75 por tonelada para US$ 161,29 em um ano. (Fonte: UOL)

BREVES, MAS QUENTES

STJ demora e território dos Awá –Guajá é desmatado de 31% em um ano

Cerca de 350 Awá-Guajá vivem no Estado do Maranhão, no leste da Amazônia, em um "território indígena" de 117 mil hectares, delimitado em 2008. A situação dos Awá-Guajá é alvo de um relatório alarmante que acaba de ser publicado pela Funai – o órgão público brasileiro responsável pela proteção dos indígenas. De acordo com esse documento, elaborado a partir dos sistemas de observação por satélite, o espaço florestal dos Awá-Guajá não para de diminuir. Mais de 31% de seu território há havia sido desmatado em 2009. Os números parciais para 2010 atestam que o desflorestamento continua. A Funai joga a culpa pelo desmatamento sobre os responsáveis de sempre, totalmente ilegais: madeireiros, criadores de gado, exploradores de pequenas minas, garimpeiros. Em 2009 ela registrou no território dos Awá-Guajá dezenas de incêndios, voluntários em sua grande maioria, destinados a "limpar" os detritos da floresta para formação de pastos ou cultivo de plantações. (Fonte:IHU)

PF entra no INCRA/MA e faz devassa

A Polícia Federal do Maranhão cumpre na manhã desta sexta-feira 39 mandados de busca e apreensão de documentos para investigar irregularidades na administração do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) do Estado. O inquérito da PF apura indícios de desvio de recursos no Estado e favorecimento ilícitos, além de denúncias de superfaturamento de obras ou realização de contratos sem licitação em assentamentos de programas de reforma agrária. O esquema, pelas informações iniciais da PF, envolveria até 60 funcionários entre os anos de 2005 e 2010. Ainda pelas informações iniciais, nesse período, o Incra-MA recebeu aproximadamente R$ 500 milhões para gastos com assentamentos rurais. Pelo menos R$ 4 milhões foram desviados. Vinte e cinco assentamentos rurais foram alvo dessa investigação da PF. (Fonte IG)

UNICEF: investir nos adolescentes pode romper ciclo de pobreza

Investir na proteção e no desenvolvimento da população mundial de 1,2 bilhão de adolescentes pode romper ciclos de pobreza e iniquidade, segundo o relatório global do UNICEF Situação Mundial da Infância 2011 – Adolescência: Uma fase de oportunidades. Segundo a publicação, entre os avanços alcançados desde 1990, estão a redução de 33% na taxa global de mortalidade de menores de 5 anos e a eliminação quase total das diferenças de gênero nas matrículas na escola primária em diversas regiões em desenvolvimento. No entanto, menos avanços foram observados em áreas que afetam os adolescentes. No Brasil, as reduções na taxa de mortalidade infantil entre 1998 e 2008 significam que foi possível preservar a vida de mais de 26 mil crianças; no entanto, no mesmo período, 81 mil adolescentes brasileiros, entre 15 e 19 anos de idade, foram assassinados. (Fonte:UNICEF)

sábado, 19 de fevereiro de 2011

'Assim sempre foi dito, mas eu vos digo.....' (Mt.5, 38-48)

Há paradoxos que têm uma função didática fundamental. Ajudam a compreender o sentido profundo de determinadas realidades, e que não aparece imediatamente. Os paradoxos parecem manifestar num primeiro momento uma falta de lógica e de sentido. Mas só aparentemente. Na realidade têm o papel de revelar uma inversão radical de formas corriqueiras e práticas ordinárias de viver. Desmascaram o senso comum e apontam para algo mais ousado e desconhecido. O evangelho de hoje nos oferece um exemplo precioso do que isso significa. Jesus mesmo se apresenta como um paradoxo em ação. Um alguém que parece ofender a lógica reinante assumida e aceita por todos. O seu modo de pensar e agir se revela para os seus contemporâneos um paradoxo ‘incompreensível’ em relação ao que se tem pensado até Ele. Parece haver no texto hodierno até uma forma de exasperação no modo de conduzir o pensamento por parte de Jesus. Ele, porém, tem sua própria lógica que é profundamente coerente. Jesus radicaliza e aprofunda a diferença que deve existir entre os ‘bem-aventurados que são sal e luz do mundo’, ou seja, os que assumiram definitivamente a prática de Jesus de Nazaré, e os demais. Os primeiros, ao abraçarem a causa do reino iniciado por Jesus, não podem mais agir como anteriormente. Nem tampouco agir segundo o ‘senso comum’. Devem se distinguir de forma radical em suas práticas de todos aqueles que agem em seu cotidiano segundo os padrões clássicos de comportamento. Dessa forma apontam um novo jeito de viver e pensar. Um jeito alternativo ao comum, ao ordinário.

O próprio Jesus se coloca como o ponto de ruptura com o passado e com um conjunto de preceitos que haviam sido adotados como algo que não se podia modificar. Jesus não se preocupa tanto em modificar ou redirecionar superficialmente um ou outro preceito, mas embute em todos eles uma incomparável carga de radicalismo que faz parecer isso algo totalmente novo. Afinal, essa postura de Jesus reflete o que na vida cotidiana dos primeiros cristãos estava se tornando algo comum: uma clara e progressiva separação dos judeus cristãos dos demais judeus que ainda não aceitavam a novidade de Jesus de Nazaré. Um jeito novo de viver as relações interpessoais e sociais, alicerçadas na misericórdia sem limites, na solidariedade paradoxal, na caridade que desarma qualquer pretensão de supremacia e superioridade de uns sobre os outros. cabe se perguntar em que os cristãos de hoje se distinguem dos demais seres humanos....e para quais novas realidades apontam com o seu modo de ser e agir....!!!!!

'Fratelli d´Itália'?


Por motivo de trabalho encontro-me na Itália e, por um período de três semanas, em Roma. Aos meus leitores um grande abraço dessa....cidade!

Roma. Itália. A antiga e moderna capital de um País que parece mergulhar sempre mais nas trevas da insegurança e da indefinição econômica e política. Escrava ainda de antigas sombras de um imperialismo arcaico que só deixou monumentos de pedra e farsantes políticos com vocação a ‘césares’! Um País aparentemente unido-unificado, mas quebrado na sua estrutura axiológica. Ao brilho externo, aparente, ainda visível, não corresponde um estilo, uma qualidade de vida e relações sócio-econômicas e sociais de igual natureza. Há uma corrosão social e ética evidente e assustadora. A população majoritariamente parece não dar-se conta da gravidade do momento presente.


O primeiro ministro Silvio Berlusconi parece ser o reflexo e a expressão mais fiel desse clima social. Envolvido em numerosos escândalos de todo tipo – não somente de ordem sexual – o premier ignora as conseqüências de tudo o que se diz e se escreve a seu respeito. Parece que nada esteja acontecendo. De forma irresponsável e arrogante afirma que não está preocupado com os processos e nem com as acusações dirigidas a ele por numerosos setores da sociedade italiana. Repete ao infinito que o estão caluniando e perseguindo. Que estariam se metendo na sua vida privada e que há um exército de moralistas e piegas que o denigram. Boa parte da população o apóia obstinadamente. Os seus mais diretos colaboradores subservientes o defendem em todos os programas televisivos. São bajuladores que para não perder as mordomias e os favores que o premier concede despudoradamente aos seus fiéis que o defendem com qualquer argumentação.


É uma Itália quebrada, interrompida, parada. Num momento em que se exige mundialmente criatividade, força moral, ousadia, perspicácia para superar as poliédricas crises, setores da sociedade italiana ‘iluminados’ pelo seu ‘duce/caudilho’ segue adiando uma decisão que não quer ou não sabe tomar: re-inventar Itália não a partir das bases da imitação do imperialismo romano/cesáreo, e sim, a partir de uma nova rede de ‘comunas’, em que a preocupação com o local, a colaboração e solidariedade sejam os alicerces de uma nova sociedade. De um novo sistema.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Luz para desmascarar o poder e a falácia das trevas (Mt.5.13-16)


Há circunstâncias na nossa vida em que nos sentimos frágeis. Desejosos de sermos confirmados no que somos e fazemos. Às vezes nos sentimos quase que abandonados e não suficientemente valorizados. Temos a sensação de não termos um norte. Gostaríamos que pelo menos as pessoas que estão ao nosso lado pudessem nos apoiar e nos dar garantias de que isso faz parte da vida. E que não é preciso de apavorar. Nessas horas sentimos forte dentro de nós a necessidade de termos na nossa frente pessoas que com o seu modo de ser, com o seu testemunho, com a sua ‘segurança’, com a sua lucidez nos indiquem o caminho. Precisamos sim de....luz. Precisamos reinventar a nossa vida para que ela tenha um outro sabor ou um sabor renovado.

Essa, afinal, foi a experiência dos pobres, dos aflitos, dos perseguidos por causa da justiça, e dos que tinham fome e sede dela....da época de Jesus. É interessante observar que o trecho evangélico hodierno é a continuação do de domingo passado (as bem-aventuranças), pois nos esclarece o seu contexto. E mais: nos diz quem é sal e luz do mundo. São justamente aqueles que por terem vivido na pobreza, por terem sido perseguidos, desesperados e por terem sempre esperado por apoio, proteção e luz, o encontraram somente na proposta e na pessoa de Jesus de Nazaré. Essa experiência existencial ‘luminosa’ deu um novo sentido/sabor à sua vida. Isto não pode ficar escondido. Não mpode ser algo pessoal, íntimo. Deve, ao contrário, ser transmitida e reproduzida com outras pessoas que estão passando por aquilo que elas mesmas passaram. Encontrar a luz no desespero, encontrar/dar um sentido à própria vida no momento de maior desespero capacita a pessoa a ser mais luz e mais sabor para outros.... que se encontram na sua mesma situação, mas que não fizeram a mesma experiência de vida!

Ser luz e ser sal não é um horizonte para um caminho ascético, interior, intimista. Significa primeiramente desmascarar o poder e a falácia das trevas. Significa dar nome a estruturas e pessoas que continuam mantendo povos e pessoas sob o domínio da escravidão, da alienação, da falta de perspectivas e de esperança. Significa também desmascarar as ‘falsas luzes’, daqueles que iludem, que criam e alimentam falsas expectativas. Que se propõem como modelos luminosos para o mundo. Na realidade, não passam de impostores e ilusionistas.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

DEZ ANOS DE 'PERMANÊNCIA" DE CARLO UBBIALI


Ontem 4 de fevereiro foi dia de memória. Em Bom Jardim, Maranhão. Dez anos de ausência física entre nós de Carlo Ubbiali. Dez de vazio ainda não plenamente preenchido. Quisemos juntar o memorial da morte/vida nova de Jesus de Nazaré com a morte/vida de Carlo. Fazer memória é de alguma forma reviver momentos inesquecíveis de fraternidade. De convivência gostosa. De partilha de sentimentos e sonhos. Mas é também, reviver dor, vazio interior, tristeza e desnorteamento. Coisas que talvez só os humanos consigam sentir, embora nem sempre consigam assimilar e compreender.


É verdade: a nossa cultura ocidental não nos ajuda a compreender e a aceitar que a morte faz parte do processo da vida. Toda vida, afinal, desemboca na morte biológica. Fomos educados a viver com intensidade tudo o que a vida física, real, imediata nos apresenta. Crescemos pensando que existe uma’ permanência’ nisso tudo que ninguém pode ameaçar e tirar. Mas o natural desaparecimento de coisas e pessoas nos obriga cotidianamente a nos defrontar com os efeitos da ‘impermanência’. Mesmo assim, a sua plena aceitação não é algo natural e congênito no ser humano. Ontem, contudo, em Bom jardim, lugar onde Carlos viveu numerosos anos, de onde saía para visitar aldeias e povos indígenas sentimos que há algo permanente que ninguém pode tirar. A depender, claro, de uma decisão dos humanos. E da sua consciência de poder profundo que possuem para transmitir às futuras gerações o patrimônio humano e espiritual de pessoas que já se foram fisicamente. Nós, com efeito, temos o poder de manter vivas as 'vidas impermanentes' de muitas pessoas e de reproduzir as suas escolhas, valores, projetos de vida, sonhos, e atitudes que nos marcaram. Cabe a nós exercer esse poder. Cabe a nós 'vivos impermanentes' provar para nós mesmos que há algo ‘permanente’ que nem a morte pode expropriar. Carlos, irmão, continue presente e 'permanente' nas nossas opções de vida!