quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

... já não és escravo, mas filho .... Gal. 4,7

Proponho à nossa reflexão a carta aberta de Dom Xavier, bispo de Viana e presidente da CNBB do Maranhão e presidente nacional da CPT. Uma oportuna reflexão sobre a realidade maranhense nessa alvorada de 2009!
Viana, Quinta-feira 1 de janeiro de 2009
Caríssimas irmãs e caríssimos irmãos da Diocese de Viana,
Companheiras, companheiros militando nas Pastorais e nos Movimentos do nosso Regional Maranhão,

Celebramos o início de um novo ano com a Solenidade dedicada a Maria de Nazaré, a Santa Mãe de Deus, a Rainha da Paz, modelo das discípulas e dos discípulos do Senhor Jesus, modelo para as testemunhas da justiça e para os construtores de fraternidade. Neste momento de Vida e Graça renovadas, quero lhes roubar um pouco de tempo para oferecer-lhes algumas reflexões sobre recentes acontecimentos, que interpelam e desafiam as nossas comunidades.
1. AS ELEIÇÕES MUNICIPAIS
No ano passado, a CNBB, em parceria com o Poder Judiciário, com o Ministério Público e com a OAB, promoveu uma mobilização nacional para fiscalizar a campanha eleitoral e as votações. Também nos municípios do Maranhão, os Comitês 9840, com a participação valiosa de muitos católicos, atuaram com eficiência e eficácia neste precioso e urgente serviço à moralização da política e ao protagonismo democrático da sociedade civil. Porém, este esforço chocou-se com o aumento exponencial da prática iníqua da compra de votos e do uso da maquina administrativa e do dinheiro público a serviço da campanha eleitoral de muitos candidatos. Temos a impressão que estas eleições foram as mais corruptas destes últimos anos e isto é motivo de grande decepção e preocupação, porque os políticos que praticam ilícitos graves durante a campanha eleitoral acostumam ser administradores inconfiáveis e corruptos.
Mais uma vez, quem sofre é o nosso povo, porque os recursos que deveriam servir para a construção do bem comum e a implementação de políticas públicas,- cada vez mais urgentes frente ao empobrecimento e ao sofrimento da população-, são cínica e diabolicamente desviados para o patrimônio familiar dos administradores.
Com pesar, devemos também apontar que, em muitas Comarcas, Juízes e Promotores não se fizeram presentes no dia das eleições. Acrescentamos mais uma questão constrangedora: em muitos Municípios, até ontem ainda não sabemos quais dos candidatos foram eleitos e temos até caso de dúplice diplomação pelo Poder Judiciário. A incerteza jurídica ou a dependência política do Judiciário evidentemente não favorecem o caminho de democratização da sociedade.
Permanece, assim, o desafio de continuar a vigilância sobre as administrações municipais. Permanece o chamado evangélico em defesa da vida que se traduz também na capacidade do povo da cidade e do campo de se organizar e articular para pressionar, cobrar e exigir o respeito de seus direitos através de políticas públicas sérias e eficazes.
2. O GOVERNADOR DO ESTADO E O JULGAMENTO DO TSE
A preocupação com a missão cidadã da moralização da política nos guiou também durante as primeiras fases do julgamento do nosso Governador Jackson Lago pelo TSE. Apesar de termos consciência das questões históricas e simbólicas que atravessam a dialética entre o Governo e a Oposição, que governou - e freqüentemente desgovernou - o Estado por mais de quarenta anos, devemos defender a tese que toda denuncia que diz respeito à corrupção administrativa e a crimes eleitorais deve seguir o iter processual estabelecido pelas leis vigentes. Encarar estes fatos de uma forma meramente emocional ou cegamente partidária seria desconsiderar a necessidade de manter os princípios da ética e da legalidade republicana como pontos firmes de toda atividade política.

3. A VIOLENCIA NO ESTADO
O ano de 2008 foi também marcado por episódios de violência coletiva que nos alertam sobre a situação de ressentimento e revolta de amplos setores do nosso povo. Os linchamentos, a depredação e o incêndio de prédios públicos – muitas das vezes resultados de inescrupulosa manipulação de políticos - revelam a insatisfação e a descrença popular nas instituições. Não se trata, nestas circunstâncias, de legitimas manifestações populares para reivindicar necessidades e direitos ignorados ou não atendidos pelo poder público; ao contrario, revelam-se como eventos trágicos e inconseqüentes, sem consciência e sem projeto.
A Campanha da Fraternidade da Quaresma 2009 verterá sobre o tema da Segurança Pública. Desde já, acho necessário fazer um apelo para que as nossas comunidades sejam protagonistas de um mutirão em defesa da paz. Possa crescer em nosso meio a consciência de que a abordagem repressiva dos fenômenos criminais não somente é ineficaz, mas agrava as desigualdades e as tensões de uma sociedade que privilegia uma minoria e exclui a maioria da população.
Temos a difícil tarefa de contribuir evangélica e pacificamente para a formação ética e política das nossas comunidades e para canalizar o legitimo ressentimento do povo para objetivos fraternos: a ampliação do leque angusto das práticas democráticas e as lutas para a exigibilidade dos direitos econômicos, sócias, culturais e ambientais.

4. A VIOLENCIA INSTITUCIONAL E PRIVADA CONTRA AS COMUNIDADES CAMPONESAS
Enfim, devo comunicar-lhes informações - que a mídia estadual, a governista como a da oposição, ignora sistematicamente - sobre a gravidade das questões fundiária e agrária no Maranhão. O ano de 2008 não foi simplesmente mais um ano perdido nos descaminhos da Reforma Agrária; com efeito, se olharmos o número das áreas regularizadas e dos novos assentamentos, descobrimos que a agricultura camponesa e os povos tradicionais foram abandonados pelos Governos ao Deus dará.
Assistimos a um aumento dos conflitos em todo o interior do Estado com a volta da pistolagem e de despejos judiciais executados por Policiais Militares e milícias particulares dos latifundiários. Os dados fornecidos pela Comissão Pastoral da Terra revelam números assustadores, que nos lembram a conjuntura dos anos 80. Além disto, em muitas regiões do Estado, as famílias assentadas foram abandonadas pelos Governos Federal e Estadual.
É inevitável a nossa crítica a setores expressivos do Poder Judiciário, que expedem liminares de reintegração de posse e ordens de despejo de duvidosa legalidade e de incontestável ilegitimidade. È inevitável o nosso apelo à Secretaria de Segurança Pública e ao Governo do Estado para que retomem a prática de consultar o Ministério Público, Sindicatos, Movimentos Sociais e Pastorais, diante da iminência de despejos judiciais. Não podemos, em fim, não apontar para as responsabilidades e omissões do MDA-INCRA e do ITERMA.
É bom lembrar que todos estes conflitos fazem parte de uma conjuntura caracterizada pela expansão dos monocultivos de grãos, cana-de-açúcar e eucalipto, que agridem e destroem o nosso cerrado, as nossas águas e obrigam milhares de camponeses maranhenses a novos êxodos, para reforçar a massa dos migrantes assalariados em regime de super-exploração e de trabalho análogo ao escravo.
O que acabo de lhes escrever poderia gerar em nós sentimentos de impotência e desânimo, mas nós somos filhos e filhas de Deus, irmãos e irmãs de Jesus de Nazaré, o Ressuscitado, que venceu o medo, o pecado e a morte.
Contemos com a presença do Espírito, animador de toda profecia e Advogado dos pobres de Javé.
Um grande abraço e a minha bênção.
Feliz Ano 2009

+ Dom Xavier Gilles
Bispo de Viana
Presidente do Regional Maranhão
Presidente da CPT

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Natal: dar à luz um novo jeito de sermos humanos


Às vezes a festa do Natal é apresentada e utilizada como um momento mágico e irreal. Uma viagem sobre as asas de um sonho. Luzes e presentes parecem nos dizer que nos é possível conquistar tudo o que queremos. Entretanto, parece não passar de mais um pretexto para não encararmos os dramas e as tragédias do nosso cotidiano. E compreendermos que é ali que Jesus-esperança vai ter que nascer!

Lembrar a dureza do nosso cotidiano no período natalino parece ser uma forma para tornar indigesta a ceia natalina e quebrar o clima de aparente harmonia na hora de trocar os presentes, pelo menos daqueles que podem! Até os anjos de vestes brancas e de vozes celestiais poderiam ficar revoltados. Natal é sim festa da vida na sua totalidade, mas da vida que estamos vivendo, aqui e hoje. Aquela vida que não esconde e não usa maquiagem para disfarçar as rugas da sua dureza, embora não ignore também a que sonhamos e queremos viver.

O Natal desse ano não poderá ignorar a vida de mais de 120 pessoas arrastada junto com a lama e os detritos das enchentes em várias cidades de Santa Catarina, Minas Gerais e Rio. Nem poderá ignorar as lágrimas dos que ficaram a reconstruir um futuro sempre mais inseguro. Uma tragédia anunciada, onde a natureza duramente atacada e deturpada pela mão irracional e gananciosa dos humanos revolta-se contra eles mesmos. A palavra “desastre natural” está sendo banida, hoje, no planeta. Fica sempre mais comprovado que os humanos são sempre mais a única causa de tamanha revolta da natureza!

O Natal desse ano não poderá servir de cortina de fumaça para esconder uma crise econômica que já está afetando centenas de milhares de pais de famílias no Brasil e no mundo. Uma crise que vem deixando um rasto de insegurança e desconfiança quanto à capacidade de os humanos se organizarem e distribuírem seus bens com justiça e equidade. Uma crise, também essa, anunciada, aonde a sede de lucro sem escrúpulos vem gerando fome planetária e guerras sem fim entre os próprios humanos.

O Natal, enfim, deveria ser celebrado como momento em que queremos encarar tudo o que no mundo está ameaçando a vida dos seres vivos e a esperança dos mais frágeis e desprotegidos. Ou seja, a vida dos milhões de “meninos-Jesus” que gostariam de nascer, poder crescer, se desenvolver e realizar uma missão como humanos/cidadãos, mas que não vão ter essa possibilidade.

Nós, os cristãos, queremos ser aqueles que como Maria, sabem “parir” uma nova esperança para a humanidade. “Dar à luz” um novo jeito de sermos humanos, construindo uma nova criação liberta das ameaças de tantos Herodes desumanos e da hipocrisia de numerosos doutores da lei. Uma humanidade que acredite na força dos pequenos, como o pequeno de Belém que era tão humano que só podia ser....Deus!

sábado, 20 de dezembro de 2008

Lc.1,26-38, ou seja, a origem anti-monárquica de Jesus!

Não podia ser diferente: para seguidores apaixonados Jesus devia ter uma origem divina e...monárquica. Aliás, a maioria dos membros das famílias reais do mundo em geral se auto-atribuem origens divinas para dar mais legitimidade ao cargo que ocupam. Muito deles, inclusive, usurpando-o de outros. Além do mais, o fato de mostrar que Jesus nasceu de uma virgem – e, portanto, relacionada às práticas do templo em que sacerdotes, supostamente imaculados, podiam gerar descendentes não contaminados – complementaria a moldura divina do seu aparecimento na história.
É evidente que dentro do rigor histórico a informação de Lucas e Mateus não se sustenta. Sempre nos foi dito que o seu objetivo é meramente teológico-catequético, e de tentativa de legitimação da pessoa de Jesus com o intuito de tirá-lo de um possível anonimato ou obscura origem e pô-lo no epicentro da história da realeza judaica. Ao mesmo tempo, reflete o normal processo de divinização de Jesus que iniciou bem cedo na vida das primeiras comunidades, em que pese o fato que o Jesus histórico nunca se tenha auto-definido “filho de Deus” ou “filho de Davi”!

Nesse contexto quero levantar uma hipótese que pode ir na contra-mão das clássicas interpretações eclesiásticas e exegéticas. Lucas e Mateus, que são os dois evagelistas (excluindo os apócrifos!) que nos falam das origens de Jesus de Nazaré, queriam afirmar justamente o contrário daquilo que sempre nos ensinaram. Sempre nos foi dito que o intuito de Lucas e Mateus era o de provar que Jesus era o cumprimento das promessas antigas, dos profetas, das expectativas messiânicas do povo judeu. O messias pertenceria à cepa/dinastia de Davi. Daí a necessidade de dizer que José era da família de Davi. Daí a necessidade de Mateus em citar as gerações/descendentes de Davi até José....São artifícios utilizados inteligentemente e de forma inculturada, aparentemente, por filo-manárquicos, saudosistas do “big Israel”, o Israel expansionista, das guerras de conquista. O antigo Israel formado por 12 tribos e que à época de Jesus só contava com restos de 3 das originais, em território israelita. Mas nem tudo é o que parece ser....
Por que não ler nas narrações de Lucas e Mateus uma fina ironia anti-monárquica e anti-messiânica? È como se os dois nos dissessem: vocês israelitas esperam que o enviado/messias seja da família real porque cultivam a idéia que a salvação/redenção de Israel surja do poder real...Não seja por isso, está aí: Jesus é de origem real, legítimo descendente de Davi e, portanto, divino! Agora, olhem a prática dele que vai vir a seguir (através dos relatos evangélicos!) que comprovam que Ele nunca se identificou com a família real! Que sempre esteve ao lado de doentes, leprosos, pecadores e impuros. Longe, portanto, dos sacerdotes “não contaminados” do templo, longe da corte e palácios reais!
É, em suma, um convite aos leitores/interlocutores dos evangelistas a entrar em uma nova ótica de ler/reler a história de Israel: a redenção não vem do palácio dos que têm sangue azul, e sim daqueles que como Jesus freqüentam as favelas, os casebres, os cortiços, as casas de taipa das vítimas do palácio. Que não têm medo em se deixar contaminar e misturar. Talvez Jesus seja filho de Deus não porque nasceu de uma virgem que não “conhecia” homem, e sim porque era “tão humano, tão profundamente humano que só podia ser...Deus!” (L.B.)

domingo, 14 de dezembro de 2008

Eu sou a voz que clama:"Retirem os entulhos dos caminhos que vocês mesmos produziram!" (Jo.1,6-8.19-28)

Eu sou a voz que clama no deserto!” Essa é a auto-apresentação de João o batista na versão do evangelista João. O evangelista nos ajuda a aprofundar a nossa compreensão sobre esse “profeta apocalíptico-penitente”. Tentarei, mediante algumas pinceladas, apresentar a contribuição do evangelista João.
1. João surge no deserto. Insiste-se no antagonismo deserto-cidade. É subentendido que a cidade é o lugar da corrupção, do afastamento das pessoas de Deus. Na cidade, com seus barulhos e correrias não permite ouvir a voz de Deus. Ao mesmo tempo o deserto para João surge não só como lugar de escuta e encontro com Deus, mas como elo com o passado. O povo que andou 40 anos no deserto, ou seja, permanentemente, só pode se reencontrar como nação nova no deserto.
2. João é a voz que clama. João não se apresenta como uma das muitas vozes que havia no deserto (eram numerosos os batizadores ao longo do rio Jordão), mas como a voz. A última que havia sobrado! O que poderia ser presunção torna-se consciência de possuir autoridade moral. Havia em João coerência profunda entre o falar e o agir. Isto dá credibilidade à pessoa. João, com isso, se distancia e desautoriza os charlatões da região que vendiam fáceis promessas de salvação. Ele é reconhecido pelos seus contemporâneos e pelo próprio Jesus como o último depositário do que ficou “ da consciência moral” de Israel. Ele é o último eco ensurdecedor que, a partir do deserto, clama por mudança radical em toda a face da terrano. E são os cidadãos, os urbanos, os que detestam e se distancial do deserto que acabam ouvindo o profeta.
3. João deflagra e antecipa o conflito entre Jesus e os asseclas do templo. João se vê questionado quanto à sua identidade pessoal pelos enviados da elite religiosa de Israel. Os que haviam corrompido o templo, com seu clientelismo e ritualismo industrial, tornando-o incapaz de manifestar a presença de Deus. A simples atuação de João no deserto, longe de Jerusalém e privado de “roupa adequada” já significava a falta legitimação do papel dos sacerdotes, levitas, etc. Fica bastante claro que para João eles não passam de uma classe parasita e aproveitadora. O evangelista João quer provar que desde o início a classe sacerdotal é a que mais faz resistência à construção de uma nova era para Israel.
4. Aplainar o caminho (v.23) para enxergar aquele já está no meio do povo (v.26) A salvação não vai vir de forma mágica como ato soberano e maravilhoso de Deus. Ela deve ser construída pelas pessoas. Para João fica sempre mais claro que se Israel não recuperar o itinerário espiritual na sua história e não retirar os entulhos (de intolerância, desigualdades, falta de compaixão, etc.) dos seus caminhos e que ele mesmo produziu ao longo dos séculos, não vai escapar do julgamento de Deus (da história). Aplainar os caminhos não é outra coisa a não ser retirar todo obstáculo que impede perceber que a redenção do povo já iniciou, que o líder desse movimento já está no meio deles. Que a hora é AGORA!
No deserto da crise planetária que estamos vivendo, na desolação e no deserto de vozes que clamam com autoridade e integridade moral, clamar/denunciar/anunciar/fazer ecoar que caminhos alternativos (formas inéditas de convivência humana) podem ser iniciados sem medo e sem inibições, torna-se necessário e urgente. E percorrê-los é um imperativo moral!
Approffitto di questo spazio per salutare mio cugino Enzo, mio assiduo lettore (cosí almeno immagino) e che, suppongo, abbia letto anche questo commento. Da lui aspetto alcune manifestazioni critiche che ci aiutino a approfondire e a ampliare la conoscenza e, soprattutto, la sequela di Gesú di Nazaret. Um saluto alla cara moglie Rita, alla zia Maria, e ai figli Sabrina e Massimo.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

O ministro vip que quer...brilhar sempre!



Sempre ele, ainda ele. Estamos falando do falador e polêmico ministro do STF Marcos Aurélio de Melo, o primo de Fernando Collor de Melo. Como era previsível, ele pediu vistas no processo retomado ontem 10 de novembro que julgava a constitucionalidade da demarcação em terra contínua da terra indígena Raposa Serra do sol, RR. Oito ministros já se haviam manifestado favoráveis, embora aprovando algumas condições para as futuras demarcações de terras indígenas. Quando chegou a vez do ministro-star este pediu vistas, o que lhe é conferido pelo regimento interno. Não há como não ver na atitude do ministro o que ele nunca escondeu: pouca simpatia pela causa indígena. Com o seu pedido o processo não está definitivamente encerrado. Significa que os povos indígenas da Raposa Serra do Sol já ganharam, isso sim, mas não levaram. Pelo menos por enquanto. Ao mesmo tempo, até o encerramento definitivo do processo – provavelmente só em fevereiro – outros conflitos poderão explodir na área. Com a sentença já decretada, e diante da irreversibilidade da decisão da Corte Suprema, os arrozeiros irão “vender cara a pele”. O ministro sabe disso. Ele tinha tempo de sobra para estudar o caso, a apressar o encerramento do processo, principalmente quando outro colega dele, meses atrás, já havia pedido as vistas. Um atraso como esse dá novo fôlego àqueles que sempre se sentiram intocáveis e agora tentarão de todas as formas deixar a sua marca definitiva. Por que não responsabilizar criminalmente o ministro caso aconteça algum homicídio de indígena? Em que pese tudo isso, o STF está de parabéns. Justiça foi feita. Agora, a PF deverá ficar de olho nas retaliações contra os indígenas que com certeza não irão tardar em chegar!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Uma voz que grita no deserto que somos nós...(Mc. 1,1-8)

“Início do feliz anúncio (de) que é Jesus o ungido, filho de Deus”(Mc.1,1). Com essa rápida, mas densa pincelada teológica Marcos nos oferece, de imediato, a identidade e a missão de Jesus de Nazaré. Antes mesmo de nos dizer o que Jesus irá dizer e fazer ao longo da sua narração teológica afirma que o próprio Jesus, a sua pessoa/ser, é por si só, um alegre anúncio. A simples presença dele, o fato de ele ser/existir é motivo de alegria e esperança renovada para quantos o conheceram, e irão conhecê-lo através do seu escritos. Início genial desse evangelista!
O segundo passo é mostrar as raízes históricas e inspiradoras da prática evangelizadora do profeta Jesus: a pregação de João o Batista. Não há como negar que João deve ter exercido uma influência determinante sobre Jesus no seu processo de compreensão e aceitação da sua missão profética. Desde um ponto de vista histórico, Jesus deve ter tido contatos, embora esporádicos, com o grupo de João o Batista e deve ter ficado muito impressionado com a leitura que ele fazia da realidade de Israel. O seu estilo de profeta penitente e apocalíptico (proximidade da revelação definitiva de Javé), a sua pregação enfatizando a urgência de uma mudança social ("dar uma túnica a quem não tem e repartir comida, bem como cobrar somente o justo, sem praticar a extorsão e a violência e, finalmente, não prender ilegalmente as pessoas" - Lc.3, 9-14 -) encontram eco e aprovação em Jesus de Nazaré. A aceitação do batismo “de água” por meio de João mostra que Jesus também partilhava da sua mesma visão.
O terceiro passo é mostrar o contexto, o lugar social e teológico em que se dá a identificação com a mensagem de João e a compreensão da missão por parte de Jesus: o deserto. O deserto, antes mesmo de ser um lugar geográfico é um lugar teológico e social. De um lado é o lugar da provação (pôr á prova, testar, tentação) e do outro é o lugar em que Deus se revela na...ausência de vida, de água, de vegetação, de gente! É como se João dissesse a Israel que está vivendo num enorme e extenso deserto sócio-existencial. Um país socialmente árido, politicamente estéril, incapaz de produzir frutos de vida e de justiça, devido ás suas desigualdades e à sua incapacidade de dividir os bens com equidade. Entretanto, esse deserto pode se transformar em terra fértil e cheia de esperança se houver uma mudança de mentalidade e de postura (endireitar os caminhos). João desconfia que Israel saiba fazer isso e declara que o julgamento de Deus já foi emitido. O machado o cortará em suas bases!
Quarto passo, o evangelista Marcos, nos diz que há um profeta, maior do que João, que tem a capacidade de “batizar mediante o sopro divino (Mc.1,8)”. Jesus é o profeta escolhido/ungido por Deus e que movido pelo seu sopro está apto a mostrar que Javé (Aquele-que-está-com) nunca se afastou da humanidade, sempre esteve com ela, mesmo quando esta fazia a experiência do deserto, da impotência e da esterilidade de vida. Jesus é aquele que vai provar uma nova criação é possível, que vida pode brotar do pedregulho e da areia do deserto.
Jesus se distanciará de João. Tornar-se-á o profeta-em-ação das cidades habitadas, de quantos acreditam que o deserto está sendo vencido, motivando e mobilizando pessoas, anunciando e provando que o Reino da graça e da vida nova já iniciou. Que a salvação não vem desde fora, mas se constrói desde dentro. Que é construída por aqueles que acolhem o “feliz anúncio que é a pessoa/presença de Jesus de Nazaré, o ungido, filho de Deus!” (Mc.1,1)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Jesus de Nazaré: o itinerário de uma liderança

Proponho algumas anotações/reflexões sobre liderança, tema a mim proposto pela paróquia de São Francisco em ocasião de sua assembléia anual.

Não vamos seguir os esquemas dos cursos das empresas para ser líderes de vendas ou para melhor extrair resultados das pessoas. Vamos seguir o itinerário histórico de Jesus enquanto líder e enfatizar os aspectos que mais o definem como tal. É uma tentativa de olhá-lo pela ótica da “liderança”. Um Jesus, não tanto como ser divinizado, mas como homem, cidadão, situado no tempo, filho de uma cultura-sociedade específicas, que teve uma determinada educação.....Nessa confrontação podemos descobrir aqueles aspectos que podem nos ajudar a identificar a liderança que temos dentro de nós. Escolhemos o evangelho de Marcos, principalmente os primeiros capítulos, pois o autor como os grandes mestres da música clássica, na ouverture, deixam claro qual será o tema musical de fundo. Marcos já no início nos diz quem é Jesus. O resto é para comprová-lo.
Temos que deixar claro que ninguém é líder o tempo todo e em todos os tempos. Um verdadeiro líder não cria dependência da sua pessoa e ele sabe reconhecer e valorizar a liderança que está em cada um, mesmo que a manifeste só em determinados momentos ou circunstâncias.

1. Ninguém se auto-define líder. Ser líder é algo que é reconhecido por outros. Mesmo que uma pessoa queira sair do seu anonimato para ser líder, e fizer de tudo para se exibir, a sua capacidade de liderar é reconhecida por outros e não por sua força de vontade. Em (Mc.1.6-11), no contexto do batismo, Jesus toma consciência da liderança que está dentro dele. Mais que reconhecimento que vem de Deus e, portanto, algo inquestionável, o evangelho quer ressaltar a “a assunção da liderança por parte do líder”. Ou seja, Jesus toma consciência que tem uma missão-liderança a cumprir, que é sua e que não pode transferir a outros.
2. O líder Jesus tem a capacidade de compreender/analisar o momento presente: a plenitude dos tempos, o aqui e agora! Sabe intuir suas contradições e conflitos, vislumbrar suas saídas/soluções/horizontes e ter uma palavra adequada, coerente e inédita que rompe com o discursos/prática de sempre, com “a mesmice”. Ou seja, um líder compreende quando a maré está pra’ peixe e quando não está. Tem postura, pregação e atitudes profundamente carismáticas, que mexem com as motivações mais profundas das pessoas. (Mc. 1, 14-15).

3. O líder Jesus tem capacidade de convidar, motivar, congregar e manter coesos seguidores, ou seja, pessoas que se identificam com o seu modo de ser e atuar em torno de um projeto/horizonte. Não há lideres se não houver pessoas que seguem e se espelham na atuação-liderança do líder. Isto não significa que todos devem pensar como o líder e imitá-lo que nem macacos. Significa reconhecer que o líder sabe revelar saídas, posturas, valores, horizontes antes impensáveis pelos seus seguidores. O líder explicita esses valores e os revela de forma que a pessoa os reconhece como dela, identifica-se com eles e os acolhe sem imposição e coação. (Mc.1,16-20)

4. O líder Jesus, com humildade e sabedoria sabe valorizar e dar atenção a todos, principalmente os mais fracos e fragilizados, pois eles também são chamados a exercerem sua liderança no Reino/sociedade. Jesus não é movido pelo imediatismo dos resultados, pela eficiência e nem pela manutenção da sua imagem, e sim pela vontade de construir o projeto/horizonte maior, com seus valores. Provar que tudo isso já iniciou, que está ao alcance das pessoas, que está perto, está no meio das pessoas. Não é algo que vai vir de fora ou por parte de um iluminado, de um líder, exclusivamente. O líder age como um verdadeiro educar que sabe puxar para fora os valores, os sonhos, as aspirações das pessoas e lhe dá vida, concretude. Em todas as pessoas, até nas mais socialmente invisíveis (os mikrói-pequenos-miscroscópicos) Jesus sabe motivar e mobilizá-los para somar com ele. (Mc.1, 40...2, 1-12)

5. O líder Jesus fala e age com autoridade moral e não como chefe autoritário que se impõe em função de um cargo-poder que ocupa. (Mc.1, 21-22, 27-28). Se pudéssemos fazer um paralelismo/confrontação entre a autoridade de Jesus e a exercida pelos doutores da lei podemos destacar as características típica de um líder e as de um chefe. Sintetizando poderia ser assim:
Líder............................Chefe
motiva..................................ordena
orienta.................................controla
Livre com as normas........Legalista inflexível
visionário............................imediatista
carismático.........................Autoritário, se impõe pelo cargo que detém
Incentiva e valoriza...........Ameaça e cobra
Olha o ser da pessoa .........Dá atenção aos resultados,
Cria, subverte a ordem......Executa, reproduz...mantém a ordem
Enfrenta os conflitos..........Esconde e foge dos conflitos

6. O líder Jesus diante das necessidades do projeto/horizonte maior sabe romper com práticas que criam dependência e observância escrava (antigo projeto) e enfrenta os conflitos, - inclusive os próprios e interiores (tentações) - sem fugir ou abrir mão de suas responsabilidades. (Mc.2,18-28). O líder não se apavora e nem se escandaliza perante os conflitos. Sabe que fazem parte da vida, que é impossível serem evitados. Sabe, porém, que não é adiando, ignorando que serão resolvidos, mas enfrentando-os, encarando-os. O líder não teme perder a popularidade ou o prestígio. Ele encara!

7. O líder Jesus sabe reconhecer e valorizar a liderança que está em cada um de nós mesmo que exercida de forma diferente, temporária, limitada ou circunstancial. Jesus não é ciumento de sua própria liderança, não se sente ameaçado por isso, nem é ciumento por causa dela. Ao contrário: oxalá que todos pudessem ser líderes que servem, valorizam, acolhem, motivam. Jesus reconhece a liderança-prestígio moral de Pedro, de João, João Batista, mas também da viúva do templo, da Cananéia, do centurião....Sabe reconhecer neles(as) aqueles valores, qualidades que podem torná-lo(a) um líder. Não teme a luz alheia, mas se compraz que outros reconheçam a liderança que existe no seu íntimo e que a exerça!