quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

FSM: ACREDITE, UM OUTRO MUNDO É POSSÍVEL....MAS PRECISA CONSTRUI-LO!

Reproduzo, abaixo, partes de um artigo interessante publicado no site IHU (Instituto Humanitas Unisinos)

As Crises e Oportunidades em Tempos de Mudanças, foco das discussões do Fórum Mundial Social Temático, que acontecerá em Salvador (BA), entre os dias 29 e 31 de janeiro, estão alinhadas em um artigo publicado na internet, assinado pelo professor Ignacy Sachs, um dos principais nomes mundiais na área da economia sustentável, por Carlos Lopes, sub-secretário geral da ONU e dirigente da Unitar, e por Ladislau Dowbor, professor titular no departamento de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.


Em uma frase, o texto resume o ponto central das preocupações que devem dominar as discussões sobre a crise atual: “Trata-se de salvar o planeta, de reduzir as desigualdades, de assegurar o acesso ao trabalho digno e de corrigir as prioridades produtivas”, e destaca a profunda desigualdade que caracteriza a humanidade: “Os 20% mais ricos se apropriam de 82,7% da renda. Como ordem de grandeza, os dois terços mais pobres têm acesso a apenas 6%. Em 1960, a renda apropriada pelos 20% mais ricos era 70 vezes o equivalente dos 20% mais pobres, em 1989 era 140 vezes”, para chegar à “conclusão bastante óbvia” de que “estamos destruindo o planeta, para o proveito de um terço da população mundial”.
Para os autores do documento, “o drama da desigualdade não constitui apenas um problema de distribuição mais justa da renda e da riqueza: envolve a inclusão produtiva digna da maioria da população desempregada, subempregada, ou encurralada nos diversos tipos de atividades informais”.
O caminho a seguir, segundo eles, é “evoluir cada vez mais para o como fazer, para os mecanismos de gestão correspondentes, para a descoberta das brechas que existem no sistema no sentido da sua transformação. O mundo não vai parar em determinado momento para passar a funcionar de outro modo. Cabe a nós introduzir, ou reforçar, as tendências de mudança. A análise dos processos decisórios e a busca de correções tornaram-se centrais”.

O novo modelo que emerge está essencialmente centrado numa visão mais democrática, com participação direta dos atores interessados, maior transparência, com forte abertura para as novas tecnologias da informação e comunicação, e soluções organizacionais para assegurar a interatividade entre governo e cidadania”, diz o documento.
Lembrando que o papel do Estado é “central, inclusive na dimensão mundial da crise, o eixo estratégico de construção dos novos sistemas de regulação passará mais pela articulação de políticas nacionais do que propriamente pela esfera global”. Mas destaca também o potencial da gestão local, que “permite a apropriação efetiva do desenvolvimento pelas comunidades”.
Outra proposta é a de evoluir na avaliação dos resultados das atividades produtivas. “em função de um desenvolvimento que não seja apenas economicamente viável, mas também socialmente justo e ambientalmente sustentável”.
O texto considera importante assegurar a renda básica para toda a população, rebatendo “a teoria tão popular de que o pobre se acomoda se receber ajuda”. Pelo contrário, assegura que a tese é desmentida pelos fatos: “sair da miséria estimula”, diz.
Outra medida importante para a mudança de rumos da atual civilização é a redução da jornada de trabalho, de acordo com os intelectuais, autores do documento. “A redução da jornada não reduzirá o bem estar ou a riqueza da população, e sim a deslocará para novos setores mais centrados no uso do tempo livre, com mais atividades de cultura e lazer. Não precisamos necessariamente de mais carros e de mais bonecas Barbie, precisamos sim de mais qualidade de vida”, observam.
Os autores consideram, no entanto, que é fundamental favorecer a mudança do comportamento individual, para o desenvolvimento de um novo modelo de civilização. “O respeito às normas ambientais, a moderação do consumo, o cuidado no endividamento, o uso inteligente dos meios de transporte, a generalização da reciclagem, a redução do desperdício – há um conjunto de formas de organização do nosso cotidiano que passa por uma mudança de valores e de atitudes frente aos desafios econômicos, sociais e ambientais”, explicam.
Mudanças profundas também são necessárias nos sistemas de intermediação financeira atuais. Para isso, sugere a taxação das transações especulativas e o desenvolvimento de uma nova lógica dos sistemas tributários, tendo como eixo central não a redução dos impostos, mas a cobrança socialmente justa e a alocação mais produtiva em termos sociais e ambientais. Sugere, por exemplo, a taxação das transações especulativas, das grandes fortunas, o imposto sobre a herança e um imposto sobre a renda com maior peso em relação aos impostos indiretos, com alíquotas que permitam efetivamente redistribuir a renda.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Lucas 4: O 'novo Jesus' rompe com a sinagoga e suas práticas!

É difícil sermos pessoas plenamente livres! Em muitas decisões ou escolhas somos profundamente condicionados pela cultura que herdamos e pela educação que recebemos. Elas estão inscritas na nossa genética. Parece algo indelével. Além disso, somos condicionados pela ‘imagem’ que nós construímos de nós mesmos, e pela ‘imagem’ que as outras pessoas possuem de nós mesmos, e da qual temos conhecimento. Ou seja, muitas vezes agimos profundamente condicionados pelo possível julgamento que as pessoas poderão fazer a nosso respeito ao decidirmos/escolhermos uma coisa ou outra. Quando, através de nossas escolhas originais, batemos frontalmente com a ‘imagem’ que as pessoas criaram de nós mesmos, podemos fazer a experiência da rejeição e do banimento social. Não somos mais ‘reconhecidos’, tornamo-nos ‘estranhos’!
A partir disso podemos imaginar o que significou para Jesus voltar para o seu povoado (Nazaré) após ter feito uma experiência profundamente iluminadora no Jordão (batismo) que mudou radicalmente o modo de ‘se entender a si mesmo’, e o modo de encarar o próprio Deus. Um jeito novo, original, que se chocava com a ‘imagem’ que os seus correligionários haviam criado dele.
O relato evangélico deixa transparecer que de um lado Jesus era fiel à rotina ritual e litúrgica da sinagoga, – ‘entrou como de costume na sinagoga....’ - aos compromissos comunitários, e que do outro lado, o Jesus pós-Jordão havia voltado ‘cheio de si’, alterando as dinâmicas litúrgicas tradicionais, e atribuindo a si próprio uma ‘missão’ que só cabia ao ’Messias’! Daí o ‘estranhamento’ da comunidade para com Jesus: ’Este, por acaso, não é o filho de José, e os irmãos dele não vivem todos aqui conosco?’ Afinal, por que Ele quer ser uma outra pessoa diferente daquela que nós sempre conhecemos ou imaginamos que fosse? O que aconteceu com ele?
Muitos comentaristas costumam afirmar que esse capítulo de Lucas é a apresentação do plano evangelizador/missionário de Jesus. Na realidade representa a síntese da missão exercida por Jesus e, principalmente, a ‘ruptura’ de Jesus com o mundo e o contexto da sinagoga. É o início do distanciamento definitivo de Jesus com as práticas, as relações e as dinâmicas da comunidade sinagogal que havia criado uma determinada ‘imagem de Jesus’ e que agora, após a revelação do Jordão, se defronta com uma ‘outra imagem’ de Jesus, e não a aceita!
Afinal, o ‘novo’ Jesus minava os alicerces daquela ‘fé’ que ele mesmo havia professado até pouco tempo antes. Isto colocava em crise a suposta segurança que a comunidade experimentava a partir dessa fé. O ‘Jesus convertido/possuído’ mostrava que a salvação não vem de um ‘messias’, mas de ‘muitos messias’, ou seja, de cada pessoa que assume o compromisso de mudar a si mesmo e a própria Palestina através de atitudes de compaixão, misericórdia e justiça!
Para Jesus a nova relação com Deus se dava no corpo-a-corpo com os ‘desesperados’ da Palestina, os cegos, os escravos, os impuros, e não entre as paredes de um templo, de uma sinagoga ‘separada’ do mundo, oferecendo sacrifícios e pronunciando mecanicamente fórmulas litúrgicas. Jesus sente-se o definitivo herdeiro dos grandes profetas reformuladores radicais da ‘re-ligação’ com Deus e com os homens e mulheres. Depois da ‘confrontação’ na sinagoga de Nazaré, Jesus se mudou para Cafarnaum, ‘terra dos impuros’ para implementar aquilo que ele acreditava ser a ‘verdadeira religião’.
Jesus não pode fazer em Nazaré ‘nenhum sinal’ pela falta de fé de seus próprios ‘irmãos’ de comunidade. Ele já era um ‘estranho’ indesejado em sua própria casa!
Bom final de semana para todos!

sábado, 16 de janeiro de 2010

Vinho-esperança nova para a festa não acabar! (Jo. 2,1-11)

Muitas vezes alimentamos sonhos e projetos que nos empolgam e que nos fazem vislumbrar antecipadamente os seus frutos. Vibramos. De repente, algo se quebra. Tudo parece ruir. Nada daquilo que esperávamos e que estávamos quase tocando com mão acontece. Sentimentos de decepção e frustração nos dominam e nos paralisam. Insinuam-se de forma diabólica desconfianças e suspeitas para com tudo e todos. Já não nos sentimos seguros de que seja possível acariciar outros sonhos. A experiência da decepção e da falência parece nos condicionar irremediavelmente.
Isto ocorre na existência de cada pessoa, mas pode ser, ao mesmo tempo, uma experiência coletiva, de povo, de nação. De fato, estes parecem ser os sentimentos vivenciados por extensos setores da sociedade palestina na época de Jesus. Muitas expectativas e esperanças haviam se esvaído. As promessas messiânicas de justiça e paz plena feitas ao longo da história nunca haviam se realizado. A aliança com o Deus protetor da nação havia sido quebrada e refeita inúmeras vezes, e o risco de uma ruptura definitiva era algo real.
O evangelho de hoje trata de tudo isso. Inúmeros sinais da narração de João apontam que a festa nupcial fruto da aliança entre Deus e a humanidade estava para findar. Estava faltando o vinho do amor/motivação, e a festa iria acabar. A aliança iria se desfazer em breve. Esse é o grande contexto para compreendermos o trecho evangélico de João.
João, de forma magistral, lança mão do universo simbólico que está ao seu alcance: Jesus aparece na história como aquele que garante a continuação da festa nupcial entre Deus e o seu povo, pois é Ele mesmo o vinho novo, a esperança que permite que a festa nunca acabe. Simultaneamente, Jesus critica de forma direta as práticas judaicas vazias e inconsistentes, representadas simbolicamente pelas 6 talhas vazias que serviam para a purificação ritual.
Essas práticas não serviram para garantir amor renovado e esperança nova para um povo cansado e desmotivado. Elas, em lugar de estar cheias de ‘vinho gostoso’ estavam vazias, inúteis. Deviam ser preenchidas urgentemente por algo integralmente novo: o vinho da alegria/esperança e da vontade de continuar a vibrar com a aliança com o novo Noivo, o próprio Jesus. João nos diz que Deus ofereceu no momento certo (a hora de Deus!) o seu próprio filho, ou seja, o melhor vinho/profeta para que iniciasse uma nova e inédita aliança com o seu povo que já estava vendo a festa/aliança acabar.
Talvez hoje mais do que nunca seja urgente romper ou preencher com conteúdos e práticas totalmente novas as antigas e obsoletas práticas sociais e litúrgicas que não garantem mais esperança, vida plena, alegria de viver e sonhar. Este poderá ser o sinal de que continuamos firmes na nossa fidelidade a um Deus que nunca deixou de ser fiel!

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

15% entre os mais pobres são indígenas

Relatório divulgado ontem pela ONU (Organização das Nações Unidas) revelou que os índios, apesar de representarem só 5% da população mundial, são 15% dos mais pobres do mundo. Nas áreas rurais, eles chegam a ser um terço dos 900 milhões de habitantes em situação de miséria extrema.A notícia é do jornal Folha de S. Paulo, 15-01-2010.
O estudo considera indígenas os descendentes das populações originárias de regiões depois colonizadas por outros povos, como os índios brasileiros e os aborígenes australianos. Estima-se que, atualmente, eles cheguem a 370 milhões de pessoas e representem 5.000 culturas distintas. Juntos, ocupam cerca de 20% do território do planeta, distribuídos por 90 países.
Segundo o diretor do Unic (Centro de Informações das Nações Unidas para o Brasil), Giancarlo Summa, a pobreza dos povos indígenas está relacionada à perda de territórios e de recursos naturais, que acaba por inviabilizar as formas tradicionais de vida das populações.
"Quando o índio passa a ter que comprar seu alimento no mercado, os níveis de pobreza aumentam automaticamente", afirma Summa.
S
egundo o relatório da ONU, a taxa de pobreza dos indígenas é bem superior à da população como um todo. No Paraguai, é 7,9 vezes maior; no Panamá, 5,9 vezes; e no Brasil, 2,5 vezes. Os dados brasileiros são do censo de 2000, o último realizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
O indígena Marco Terena, articulador dos direitos indígenas do Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena, diz que o estudo mostra que os indígenas são, em sua maioria, "pobres, analfabetos e excluídos do poder econômico e político".
Para ele, a mudança desse cenário passa pela demarcação de terras, pelo fortalecimento da autoestima e pela participação nas esferas decisórias (Fonte IHU)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Haiti: entre dor, mídia e esperança


As imagens chegam inequívocas: o desespero, o caos, a angústia e a impotência dos sobreviventes. Outras imagens mais chocantes são omitidas para não traumatizar mais ainda uma humanidade que não pode perder a serenidade e a vontade de viver...Não há uma CNN desta vez que mostra, solitária, ao mundo, o que ela achar conveniente, como à época da guerra do Golfo. Todavia, muitas emissoras já chegaram antes das representações de socorro de vários países. Elas mostram o que um terremoto de alta intensidade pode provocar, mas mostram também a corrida dos diferentes países em socorrer e doar milhões de dólares para ajudar as vítimas, - o que ninguém saberá como serão efetivamente investidos no pobre Haiti. Terremoto de números, de imagens, de doações numa sutil disputa entre ‘quem oferece mais’!
Já se passaram quase três dias e ainda não se fala numa coordenação internacional in loco que possa encaminhar, no caos, ações articuladas para resgatar pessoas ainda vivas debaixo dos escombros, e cuidar das que necessitam de ajuda médica. Deus que me perdoe: é verdade que o mundo tem direito de saber (e já sabe), precisa ver (e já vê), precisa estar ao par de tudo...(bom isso nem tanto!), mas é um fato que a mídia e os governos generosos que nunca se importaram com o falido Haiti até alguns dias atrás, já estão brilhando, graças a eles mesmos e às vitimas que expõem. A des-graça que feriu de morte Haiti deverá ser substituída rapidamente pela graça e pela vontade política de criar condições reais para a reconstrução do País: da esperança do povo, e da justiça social. Nisso poderemos avaliar a sinceridade de tanta generosidade e solidariedade que, diga-se de passagem, são sempre bem-vindas, em que pesem possíveis 'promoções e exposições'...
Este blogueiro quer aproveitar este espaço para manifestar toda a sua solidariedade para com todas aquelas pessoas que perderam familiares, amigos e conhecidos no Haiti. Ao mesmo tempo renova seu apreço, estima e admiração pela irmã ‘missionária’ brasileira Zilda Arns (e a pastoral da criança) que por anos a fio se dedicou e lutou para salvar inocentes, e solicitar de governos uma maior atenção para com as vidas de milhares de crianças. Hoje no Brasil temos milhares de ‘Zildas’ que no anonimato estão devolvendo a esperança e a vontade de viver a numerosas crianças brasileiras e de outros numerosos países.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Morre aos 95 anos Edward Schillebeeckx, um dos maiores teólogos da igreja católica

Reproduzo abaixo um artigo do teólogo espanhol Juan José Tamayo publicado no site do IHU (instituto Humanitas Unisinos) em ocasião do falecimento de Edward Schillebeeckx. A tradução é do Cepat. Foi o teólogo que ajudou a abrir os olhos e o coração sobre Jesus de Nazaré principalmente através do seu livro 'Jesus: a história de um vivente (Paulus, 2008) que recomendo a todos. A ele a nossa homenagem, respeito e admiração. Obrigado, Edward!


“Sou um teólogo feliz”. Assim se definia Edward Schillebeeckx, que faleceu aos 95 anos de idade às vésperas do Natal em Nimega (Holanda). Foi um dos teólogos católicos mais prestigiosos e uma das personalidades mais influentes na mudança de paradigma do cristianismo durante a segunda metade do século passado, além de protagonista na renovação da teologia e da Igreja católica.
Nascido em Amberes, metrópole da Bélgica flamenca, no seio de uma família de 14 irmãos, ingressou na Ordem dos Pregadores aos 19 anos atraído pela abertura dos Dominicanos ao mundo, pela dedicação ao estudo, ao trabalho de pesquisa e à teologia centrada na pregação. Ele mesmo tornou realidade com acréscimo estas quatro características em sua vida religiosa e em sua atividade intelectual.

Estudou filosofia em Gante e Teologia em Lovaina com uma orientação tomista clássica, que ele renovaria durante os primeiros anos de docência. Depois da II Guerra Mundial, foi para a França para fazer o doutorado em Le Salchoir e estudar na Sorbonne. Em Salchoir se encontrou com os teólogos Marie-Dominique Cheny, punido então pelo Santo Ofício, e Yves Marie Congar, que sofreu vários desterros por conta de seu ecumenismo. Na Sorbonne teve aulas com os filósofos Le Senne, Lavelle, Wahl e Gilson.


Em 1947, iniciou sua carreira docente em Teologia Dogmática em Lovaina para renovar o pensamento tomista, preso na neoescolástica, e abri-lo às novas correntes filosóficas. Os escritos deste período se caracterizam pelo uso do método histórico frente ao dominante dogmatismo de manual, e pelo perspectivismo gnoseológico, que buscava uma síntese entre a fenomenologia e o tomismo. Em 1958, passou a ensinar Teologia Dogmática e História dos Dogmas na Universidade Católica de Nimega até a sua aposentadoria.
Teólogo de confiança do episcopado holandês, na época progressista, foi assessor no Concílio Vaticano II e um dos principais inspiradores de não poucos dos documentos conciliares relativos à Revelação, lida desde a perspectiva do método histórico-crítico, e da Igreja em diálogo com o mundo. É proverbial a este respeito sua afirmação: “Fora do mundo não há salvação”, que contrasta com o aforismo excludente “Fora da Igreja não há salvação”. No Concílio se encontrou com Joseph Ratzinger, de quem disse: “Já então havia nele algo de que não gostava. Nas reuniões não falava nunca”.
Para manter o espírito do Concílio, criou em 1965, junto com Congar, Rahner, Metz, Küng e outros teólogos progressistas, a Revista Internacional de Teologia Concilium, editada em oito idiomas, entre eles o espanhol, que hoje chega ao número 332.

Processado três vezes

Foi processado em três ocasiões pela Congregação para a Doutrina da Fé (ex-Santo Ofício): em 1968, por sua atitude aberta para com a secularização;
em 1979, por seu livro Jesus. A história de um vivente (São Paulo: Paulus, 2008), a melhor cristologia do século XX;
em 1984, por O mistério eclesial, onde justificava a presidência da eucaristia por parte de um ministro extraordinário não ordenado. Saiu ileso dos três e inclusive bem, já que conseguiu desmontar as acusações de seus inquisidores com lucidez de argumentos, brilho de exposição e finura teológica.
A sensação que temos, as teólogas e os teólogos, após a sua morte é de orfandade, apenas superada pela leitura de suas obras, que seguirão iluminando o itinerário do cristianismo do século XXI pela senda da interpretação, do diálogo com as culturas de nosso tempo e do compromisso com a justiça.

domingo, 3 de janeiro de 2010

EPIFANIA: OS PAGÃOS REVELAM JESUS AO MUNDO E A ISRAEL

Epifania, ou seja, a memória em que povos e culturas extra-Israel manifestam a grandeza moral e espiritual de Jesus de Nazaré. É esse o sentido da festa dos ‘reis-magos’. Mateus que escreve para judeus convertidos deve curvar-se ao reconhecer que a igreja de Jesus de Nazaré, o judeu, nasce e se desenvolve fora do seu território. São os não israelitas que sabem acolher e re-criar a mensagem e o testemunho do Galileu.
Mateus, longe de reconstruir historicamente a infância de Jesus, quer mostrar para seus ouvintes judeus que já desde o nascimento de Jesus os pagãos e os ‘cachorros’ estrangeiros se demonstraram mais abertos em acolher a mensagem-luz que advinha de Jesus. Na realidade ele descreve a situação dos anos 80 em que muitas pessoas após a saída de Israel começam a dar vida à igreja de Jesus, fora de Israel (na diáspora).
Jesus veio entre os seus, mas os seus não o acolheram’. Em Nazaré, terra natal de Jesus, ‘Ele não pode fazer nenhum sinal’, pois era conhecido demais pelos seus patrícios que aguardavam uma salvação espetacular de um super-homem divino. Quem acolheu Jesus foram justamente os demonizados por Israel. A partir disso, Mateus evidencia que também na vida missionária de Jesus Ele encontrou mais fé numa Cananéia, uma ‘cachorra estrangeira’ do que em todos os seus patrícios de Israel.
Desse modo, podemos compreender que a ‘nossa igreja, nasce desde logo pluricultural e multilíngüe. Podemos acrescentar, com vocação universal e leiga. De fato, são os pastores e os representantes dos povos do Oriente que adoram primeiramente o recém-nascido, e não os sacerdotes profissionais do templo que o ignoram e o hostilizam. Nesse sentido, hoje não celebramos a ‘manifestação de Jesus aos povos’, e sim o seu contrário: são os povos que manifestam Jesus ao mundo e a Israel em particular. Este deixa de ser o único herdeiro da promessa - como ele arrogantemente atribuía para si - e os pagãos que se abrem ao projeto de Jesus de Nazaré são os quem ocupam o seu lugar.
Talvez a igreja católica ‘romana’, hoje, tenha que começar a recuperar a memória histórica desse seu início, e superar o espírito de gueto que ainda guarda, abrir mão de suas posturas monopolistas de dona da verdade, de suas inúmeras despóticas tentativas de ‘enquadrar tudo e todos’ para que todos falem uma única linguagem. Ela, na sua humildade deveria se colocar a serviço de povos e culturas para facilitar e promover o diálogo a partir daqueles eixos que Jesus de Nazaré sempre trilhou: a misericórdia, a compaixão, o serviço samaritano e o anúncio do Reinado de Deus que liberta e salva integralmente todos os seres.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

2010: Quem sabe faz a hora, faz acontecer....o surpreendente!

O ano cronológico de 2009 já se foi e o 2010 chegou. A sensação ’externa’ continua a mesma. O que convencionalmente foi estabelecido para começar no dia 1 de janeiro e terminar no dia 31 de dezembro (ano cronológico) não produz por si só percepções de mudança, de diferenças susbstantivas. Os acontecimentos não têm dias e horas marcadas de antemão para ocorrerem, e misturam seus ritmos e atores dentro ou fora de um prazo pré-estabelecido, ora começando num ano e terminando num outro, ora prolongando seus efeitos ao longo de vários anos...
Até a nossa forma de julgar o passado é fortemente condicionada (viciada) pelo ‘nosso tempo presente’ carregado de interesses e perspectivas que já são ‘outras’ com relação ao que alimentávamos num passado que hoje pretendemos julgar. O que às vezes julgamos ser um fracasso pode se revelar mais adiante no início de uma grande reviravolta, e o que julgamos sucesso e crescimento poderá se revelar no início do nosso fim. Não dominamos a história e nem conseguimos prever em todas as dimensões e níveis o que poderá surgir...Trabalhamos com hipóteses e probabilidades, com tendências e cenários, mas temos pouca clareza para onde queremos chegar, e o que construir para nós e para o mundo.
É comum no início de um novo ano escutar expressões do tipo ‘que este ano seja de paz, de saúde, etc.’ – como se não fossemos nós a construir isso! - ou outras expressões que parecem indicar uma posição diferente, mas não deixam de ser manifestamente fatalistas ‘se é para acontecer vai acontecer mesmo, mas se ainda não chegou a sua hora nada vai acontecer’... – como se alguém soubesse quando uma determinada coisa vai ou deixa de acontecer! Tudo isso parece manifestar um pensamento segundo o qual ‘as coisas’ ocorrem por uma força própria interna quase que independentemente da vontade, das decisões e dos desígnios humanos. Segundo essa visão fatalista parece existir por trás do conjunto de acontecimentos um ‘anônimo articulador’, uma espécie de ‘big brother’ que controla, determina, manda executar. Os humanos parecem ser somente meros instrumentos (marionetes) que executam o que o ‘anônimo articulador’ ou ‘um ‘destino desconhecido’ já determinaram de antemão. É-lhes tirada, aos humanos, aquela autonomia relativa que possuem para ‘fazerem as coisas acontecer’!
Se é verdade que vivemos em uma realidade sempre mais interdependente e mutuamente condicionante e, portanto, todos sofremos –quem mais quem menos – os efeitos de decisões e escolhas que outros externos a nós fizeram e fazem, também não podemos negar que cada um de nós, a partir do próprio sistema de valores, interesses, sonhos, projetos de vida, podemos ‘fazer acontecer’ o novo e o inédito que mais nos agrada. Este só vai vir mediante a nossa capacidade de interferir, articular, pressionar, organizar, canalizar forças sociais e simbólicas muito mais do que as...econômicas! É, numa linguagem ‘demodée’(fora de moda), ‘construir a própria história’ sem sermos eternos padecedores das decisões e dos acontecimentos promovidos por outros atores que são movidos por interesses e sonhos antagônicos aos nossos e os impõem a todos.
Enfim, ‘quem sabe faz hora não espera acontecer....’ mas faz acontecer! Que cada um de nós não perca a capacidade de sonhar, que não se conforme com a mesmice, com a des-graça, com as crises econômicas e existenciais, com a violência e a insegurança, com a cínica indiferença, mas sonhe de forma ousada. Não sonhemos pequeno, com medo de nos sentir frustrados caso não consigamos realizar os nossos sonhos. Que não sejamos acusados de não termos acreditado que esse mundo podia ser....OUTRO se tivéssemos sonhado de forma ousada e lutado para realizar o que sonhamos!
FELIZ 2010, FELIZ ....SEMPRE!