sábado, 30 de outubro de 2010

Zaqueu, desça! Hoje ficarei na sua casa. (Lc. 19,1-10)


Mais um rico no caminho de Jesus. Mais que rico, ele poderoso e influente. Não um rico anônimo, mas o chefe dos cobradores de impostos de Jericó. O chefe dos ‘pecadores públicos’ locais. O seu nome: Zaqueu. Ele quer conhecer outro personagem influente e badalado: o mestre Jesus. O amigo de prostitutas e publicanos. Aquele que come e bebe com eles e elas em suas casas. Talvez seja a curiosidade, talvez o desejo escondido de um encontro ‘cara a cara’, talvez uma tentativa para ver se aquele mestre corresponde à sua fama. A sua baixa estatura lho impede. A própria multidão não facilita. O jeito é subir numa figueira. Lá de cima ele poderá ver Jesus sem ser notado. Jesus, porém, ao passar debaixo olha para cima e o chama pelo nome.

O convite é para descer. Para deixar de olhar as pessoas de cima para baixo. O pequeno Zaqueu havia subido demais na vida. O poderoso e influente chefe dos cobradores é obrigado a ‘descer’. A mergulhar na multidão, a mergulhar dentro de si. A se re-encontrar consigo mesmo e com as vítimas de suas espertezas. Jesus, afinal, naquele dia, ‘devia parar ‘ na sua casa. Materializa-se o desejo de Zaqueu de se encontrar com Jesus. Então é mesmo verdade: esse mestre não despreza os publicanos! Não é movido por preconceitos. E nem se importa com os comentários dos ‘bem-conceituados’ fariseus! O 'baixinho' Zaqueu parece re-encontrar, agora, a sua verdadeira ‘grandeza e estatura’. Quer doar metade dos seus bens aos pobres e devolver quatro vezes mais às suas vítimas defraudadas. Não porque Jesus pediu, mas por livre e soberana iniciativa pessoal. Ele encontra a sua forma pessoal de manifestar a sua gratidão a Jesus. Ele entra definitivamente na lógica e na prática de justiça do mestre. Aquele que o havia chamado pelo seu nome. E que não teve receio em ficar em sua casa. Zaqueu não se torna discípulo/seguidor de Jesus, mas incorpora as suas práticas reais.

Não anunciará o Reino, mas o explicitará com gestos de compaixão e respeito para com os pobres. E em novas atitudes de honestidade e responsabilidade social. Olhará os seus funcionários e os ‘pagadores de imposto’ com outros olhos. Não mais de cima para baixo, mas de igual para igual. Tornar-se-á o testemunho visível de que ninguém está definitivamente perdido. Todos podemos ser ‘pessoas novas’. Só encontrarmos alguém que nos olhe com amor e respeito.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Vale continua aprontando!


Trem da Vale faz mais uma vítima fatal em assentamento no Pará


Joaquim Madeira, de 74 anos, foi morto nesta manhã (29-10) na Ferrovia de Ferro Carajás, sob concessão da Vale, na altura do assentamento Palmares do MST, atropelado pelo tem da mineradora. O idoso já havia perdido o filho, Juari Madeira, na mesma circunstância e local há oito anos.Neste momento os assentados interditam a ferrovia em protesto contra mais uma morte no corredor de Carajás, que corta municípios do Estado do Pará e Maranhão, sendo o principal meio de escoamento do minério extraído da Serra dos Carajás, no Pará. Segundo a organização Justiça nos Trilhos, a Vale é responsável por uma série de atropelamentos ferroviários. Em 2007 foram contabilizados 23 mortos, em 2008, foram registradas nove mortes e nada menos do que 2860 acidentes.Essa é a segunda vez que a ferrovia é interditada pelos moradores do assentamento, a primeira ocorreu em 2007 por aproximadamente um mês para pressionar a Vale a cumprir seus deveres sociais perante a comunidade.


Vale tem lucro fantástico, mas não tem dinheiro para investir em segurança



Os reajustes no preço do minério de ferro e a recuperação da demanda mundial fizeram com que a Vale registrasse no terceiro trimestre do ano o melhor resultado de sua história. O lucro líquido de R$ 10,554 bilhões foi 253% superior ao do 3º trimestre de 2010 e 33,5% maior do que a recorde do 2° trimestre de 2008. O ganho operacional ultrapassou a do 1° semestre de 2010. Recuperação da demanda mundial por minério impulsionou os resultados da mineradora, que estabeleceu um novo recorde para o resultado trimestral, superando em 33% a marca anterior, registrada há dois anos, antes do início da crise mundial.

Obrigado Serra por ter ajudado FHC a privatizá-la!


quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Papa recebe bispos do Maranhão, fala sobre a vida, mas não cita os indefesos do Estado.

Amados Irmãos no Episcopado!
"Para vós, graça e paz da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo" (2 Cor 1, 2). Desejo antes de mais nada agradecer a Deus pelo vosso zelo e dedicação a Cristo e à sua Igreja que cresce no Regional Nordeste 5. Lendo os vossos relatórios, pude dar-me conta dos problemas de caráter religioso e pastoral, além de humano e social, com que deveis medir-vos diariamente. O quadro geral tem as suas sombras, mas tem também sinais de esperança, como Dom Xavier Gilles acaba de referir na saudação que me dirigiu, dando livre curso aos sentimentos de todos vós e do vosso povo. Como sabeis, nos sucessivos encontros com os diversos Regionais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, tenho sublinhado diferentes âmbitos e respectivos agentes do multiforme serviço evangelizador e pastoral da Igreja na vossa grande Nação.

Hoje, gostaria de falar-vos de como a Igreja, na sua missão de fecundar e fermentar a sociedade humana com o Evangelho, ensina ao homem a sua dignidade de filho de Deus e a sua vocação à união com todos os homens, das quais decorrem as exigências da justiça e da paz social, conforme à sabedoria divina. Entretanto, o dever imediato de trabalhar por uma ordem social justa é próprio dos fiéis leigos, que, como cidadãos livres e responsáveis, se empenham em contribuir para a reta configuração da vida social, no respeito da sua legítima autonomia e da ordem moral natural (cf. Deus caritas est, 29). O vosso dever como Bispos junto com o vosso clero é mediato, enquanto vos compete contribuir para a purificação da razão e o despertar das forças morais necessárias para a construção de uma sociedade justa e fraterna. Quando, porém, os direitos fundamentais da pessoa ou a salvação das almas o exigirem, os pastores têm o grave dever de emitir um juízo moral, mesmo em matérias políticas (cf. gs, 76).

Ao formular esses juízos, os pastores devem levar em conta o valor absoluto daqueles preceitos morais negativos que declaram moralmente inaceitável a escolha de uma determinada ação intrinsecamente má e incompatível com a dignidade da pessoa; tal escolha não pode ser resgatada pela bondade de qualquer fim, intenção, consequência ou circunstância. Portanto, seria totalmente falsa e ilusória qualquer defesa dos direitos humanos políticos, econômicos e sociais que não compreendesse a enérgica defesa do direito à vida desde a concepção até à morte natural (cf. Christifideles laici, 38). Além disso, no quadro do empenho pelos mais fracos e os mais indefesos, quem é mais inerme que um nascituro ou um doente em estado vegetativo ou terminal? Quando os projetos políticos contemplam, aberta ou veladamente, a descriminalização do aborto ou da eutanásia, o ideal democrático - que só é verdadeiramente tal quando reconhece e tutela a dignidade de toda a pessoa humana - é atraiçoado nas suas bases (cf. Evangelium vitæ, 74). Portanto, caros Irmãos no episcopado, ao defender a vida "não devemos temer a oposição e a impopularidade, recusando qualquer compromisso e ambiguidade que nos conformem com a mentalidade deste mundo" (ibidem, 82).

Além disso, para melhor ajudar os leigos a viverem o seu empenho cristão e sócio-político de um modo unitário e coerente, é "necessária - como vos disse em Aparecida - uma catequese social e uma adequada formação na doutrina social da Igreja, sendo muito útil para isso o "Compêndio da Doutrina Social da Igreja"" (Discurso inaugural da v Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 3). Isto significa também que em determinadas ocasiões, os pastores devem mesmo lembrar a todos os cidadãos o direito, que é também um dever, de usar livremente o próprio voto para a promoção do bem comum (cf. gs, 75).

Neste ponto, política e fé se tocam. A fé tem, sem dúvida, a sua natureza específica de encontro com o Deus vivo que abre novos horizontes muito para além do âmbito próprio da razão. "Com efeito, sem a correção oferecida pela religião até a razão pode tornar-se vítima de ambiguidades, como acontece quando ela é manipulada pela ideologia, ou então aplicada de uma maneira parcial, sem ter em consideração plenamente a dignidade da pessoa humana" (Viagem Apostólica ao Reino Unido, Encontro com as autoridades civis, 17-ix-2010).

Só respeitando, promovendo e ensinando incansavelmente a natureza transcendente da pessoa humana é que uma sociedade pode ser construída. Assim, Deus deve "encontrar lugar também na esfera pública, nomeadamente nas dimensões cultural, social, econômica e particularmente política" (Caritas in veritate, 56). Por isso, amados Irmãos, uno a minha voz à vossa num vivo apelo a favor da educação religiosa, e mais concretamente do ensino confessional e plural da religião, na escola pública do Estado. Queria ainda recordar que a presença de símbolos religiosos na vida pública é ao mesmo tempo lembrança da transcendência do homem e garantia do seu respeito. Eles têm um valor particular, no caso do Brasil, em que a religião católica é parte integral da sua história. Como não pensar neste momento na imagem de Jesus Cristo com os braços estendidos sobre a baía da Guanabara que representa a hospitalidade e o amor com que o Brasil sempre soube abrir seus braços a homens e mulheres perseguidos e necessitados provenientes de todo o mundo? Foi nessa presença de Jesus na vida brasileira, que eles se integraram harmonicamente na sociedade, contribuindo para o enriquecimento da cultura, o crescimento econômico e o espírito de solidariedade e liberdade.
Amados Irmãos, confio à Mãe de Deus e nossa, invocada no Brasil sob o título de Nossa Senhora Aparecida, estes anseios da Igreja Católica na Terra de Santa Cruz e de todos os homens de boa vontade em defesa dos valores da vida humana e da sua transcendência, junto com as alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos homens e mulheres da província eclesiástica do Maranhão. A todos coloco sob a Sua materna proteção, e a vós e ao vosso povo concedo a minha Benção Apostólica.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

BREVES

Jesuíta encerra greve de fome, e governo Venezuelano discute demarcação de terra indígena

O jesuíta de 80 anos, José Maria korta, suspendou no dia de ontem a greve de fome que iniciou há sete dias, ante a "disposição" do Governo venezuelano de dar uma resposta às suas reivindicações em favor dos direitos dos indígenas. "Em vista do diálogo que temos tido com diferentes dirigentes do governo, vimos que a razão principal da greve foi respondida", afirmou o próprio Korta. Sabino Romero, considerado um dos principais dirigentes da comunidade autóctone Yukpa, está preso desde o final do ano passado por sua presumida vinculação com um tiroteio ocorrido no dia 13 de outubro de 2009 em que morreram dois indígenas. O religioso firmou  que também exige que o executivo demarque os territórios indígenas e que a Justiça acate o preceito constitucional que faculta aos indígenas fazer justiça nas suas comunidades, com base em suas tradições ancestrais. (Agência EFE)

Brasil e Itália, irmãos na sina e na....corrupção!

Saiu mais um relatório anual da ONG Transparência Internacional divulgando a percepção da corrupção existente nos órgãos públicos de 178 países. O Brasil avançou bem pouco: de 75º ‘subiu’ para o 69º lugar. Já a Itália permaneceu em 67º lugar, bem próxima dos ‘primos’ brasileiros, e superada por países notoriamente corruptos. Mais uma prova de que há muita coisa em comum entre Itália e Brasil. Além do amor ao futebol, à convivência, à alegria do ‘bom viver’, a falta de respeito para com as normas no trânsito e a notória esperteza na vida social fazem de Brasil e Itália dois irmãos. Só faltava essa de serem parecidos também na corrupção para fortalecer os vínculos já consolidados....

Questão indígena continua tabu para candidatos

Para um leitor atento não deve ter passado despercebido que nos numerosos debates entre os presidenciáveis, seja no primeiro que no segundo turno, em momento algum houve qualquer tipo de referência, direta ou indireta, à questão indígena no País. Nem a ‘ecológica Marina’ lembrou que nas matas a serem conservadas, além do mico-leão, temos gentes com cultura diferente, mas com igual dignidade. Já entre Serra e Dilma, nem se fala. Bastava uma simples pergunta para os dois sobre o número de povos indígenas existentes no País para desmascará-los. As assessorias dos dois devem ter feito um acordo para não revelar ao País que, afinal, os dois pensam da mesma forma sobre a mesma questão. Afinal os seus antecessores e padrinhos (Lula e FHC) bem pouco fizeram nesse campo....

sábado, 23 de outubro de 2010

Legalista no templo, transgressor na rua. Hipocrisia e transparência humana. (Lc.18,9-14)


Mais uma parábola de Jesus em que ‘os transgressores arrependidos’ se saem melhor do que os ‘comportados e leais’ aos preceitos legais. Como toda parábola, esta também é, de certa forma, inverossímil. Convenhamos: não existe uma pessoa que seja totalmente uma coisa ou totalmente outra. Em cada pessoa convive a dimensão farisaica e a dimensão transgressora, embora com percentuais diferenciados. O intuito de Jesus é o de apontar para as posturas básicas de conceber a própria relação com Deus e com as pessoas.

A primeira, a farisaica. A pessoa parece mostrar abertura para com Deus, mas não se confronta com Ele. Não se deixa examinar por Ele. Perante Deus não avalia o seu modo de proceder. De Deus ele só cobra reconhecimento. O fariseu só espera ser confirmado por Deus. Afinal, ele se considera justo. Mais justo do que os demais seres humanos. A Deus só cabe reconhecer e premiar esta sua suposta justiça e lisura legal. A salvação, para o fariseu, é conquista pessoal, e não um dom de Deus. Ela é fruto do seu esforço pessoal e de sua obediência a leis e preceitos que ele mesmo criou. O próprio Deus não passa de uma sua criação. Plasmado à imagem e semelhança do fariseu Deus é utilizado por ele só para confirmá-lo, e não para questioná-lo ou ajudá-lo. Essa postura arrogante, autárquica é, afinal, o resultado de um modo de se relacionar com os demais seres humanos. O modo de proceder farisaico concebe os outros como instrumentos. Seres que podem ser usados e manipulados para fins próprios. Eles serão bons colaboradores se agirem de acordo com suas expectativas pessoais. Serão desobedientes e transgressores aos seus olhos se não aceitarem a sua vontade. Deus, nesse caso, para o fariseu, é a objetivação de relações humanas hipócritas, doentias, assimétricas que ele mesmo vive.

A segunda postura, a do ‘transgressor realista’. Ele não esconde nem de si próprio e nem de Deus as suas contradições. Tem consciência que as suas ações ferem e machucam outros seres humanos. Sabe que o Deus a quem se dirige, e que está acima dos seus princípios e leis pessoais, o questiona. E exige mudança radical de postura. Talvez não consiga operar a transformação exigida, mas sabe que precisa fazê-la. Isso permitirá que comece a olhar para os demais seres humanos não mais como objetos a serem explorados e usados, e sim como parceiros, amigos, irmãos que o ajudarão a compreender a sua própria fragilidade e a alheia. Aprenderá a não julgar, a não condenar. O seu Deus é o Deus da misericórdia. Não aquela misericórdia que tudo absolve e tudo justifica. Mas a ‘transparência e simplicidade de coração’ que tudo compreende. Que questiona, provoca, cobra, mas que também ajuda, socorre, e sempre oferece a mão amiga. Para, afinal, ‘encarar de pé’, sem receio e sem humilhação, o rosto de Deus nos demais rostos de outros ‘transgressores’ que experimentaram, porém, o que significa ser amado e compreendido por um Deus que não condena.


sábado, 16 de outubro de 2010

A justiça não é dom de juiz, é fruto de persistência e luta constante (Lc.18,1-8)


Quantas vezes suplicamos a Deus, e Ele permanece mudo. Surdo está aos nossos gritos. Imploramos, mas obtemos sofrimento, abandono e solidão. Tentamos de mil formas cooptar a sua benevolência. Ele permanece incorruptível. Temos fé na sua bondade sem limites, mas não ignoramos o seu poder de nos punir com a sua omissão e indiferença. Sentimo-nos culpados e indignos. Afinal, concluímos que Deus permanece surdo aos nossos gritos porque não temos fé verdadeira. Porque Ele tem outros projetos sobre nós e nós os ignoramos. Conformamo-nos.

A parábola da viúva que clama e luta por justiça, e do juiz que não tinha escrúpulos, reflete o nosso cotidiano. A viúva simboliza o que existe de mais frágil na sociedade. Sem defesa e proteção. Vítima de violência e aproveitamentos. Ela, porém, não se conforma. Não aceita a sua realidade social porque tem consciência que é expressão da injustiça humana, e não uma disposição divina. Ou fruto de um cruel destino. Ela não fica imobilizada ou desesperada diante da sua desgraça. Tampouco reza por justiça horas a fio na sinagoga ou no templo. Ela corre atrás do prejuízo. Corre, na escuridão da sua existência, de noite, até à casa daquele que pode lhe fazer justiça. O juiz sem escrúpulos, que não temia a Deus, é vencido pela persistência da viúva. Do mesmo jeito que Jacó que lutou insistentemente com Deus, corpo a corpo e, afinal, venceu. Conquistou justiça. A justiça não lhe foi dada de presente. Esse era o resultado que a viúva queria para si! Com essa parábola Jesus nos mostra que a oração é um meio e não fim. O fim é a conquista da justiça para com os injustiçados que clamam e lutam por ela. E a justiça se alcança mediante uma luta insistente e persistente. No corpo a corpo.

A oração, afinal, é o estado de consciência e lucidez que ‘os que têm fome e sede de justiça’ alcançam para arrancar e construir uma ‘outra justiça’. Deus, que não é juiz, fará justiça aos seus ‘escolhidos’ que clamam insistentemente e não desistem em procurá-la. O problema principal, no entanto, é saber se o peso da arrogância, da perseguição e da brutalidade deixará espaço no coração humano para a fé. Fé para continuar a construir justiça mesmo quando somos esmagados pela injustiça.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Nova cruzada em defesa da 'vida'...mas qual vida?

Em clima de histerismo político-religioso que parece estar tomando de conta de vários setores da sociedade brasilieira nesse periodo eleitoral proponho o artigo do padre Otto Dana...para refletir e usar o bom senso.

Brasileiros e brasileiras! O capeta está solto! Empunhemos nossos terços e Bíblias e até Alcorões, se os houver! Herodes brande a espada afiada contra as criancinhas do Brasil! Ergamos a fogueira! Queimemos os hereges! O aborto e os gays estão espreitando pela janela! Gente do céu! Que tiririquice! Que babaquice mais que medieval. Que onda inquisitorial graçando em pleno século XXI. A caça às bruxas. O extermínio dos veados. Cruz, credo! Xô Satanás! Estamos apenas tentando eleger um Presidente para o Brasil. Estamos discutindo propostas e projetos para uma boa administração do Brasil. Aborto, gueisismo, pílula, camisinha não é prioridade do momento. O processo eleitoral corria tranquilo, dentro dos princípios democráticos: discute-aqui- denucia-ali, promete-isso, condena-aquilo, tudo numa boa. De repente a serenidade é detonada por uma horda de aiatolás, talibãs, mulás, numa gritaria ensurdecedora contra os que ameaçam o poder do Altíssimo.


Alguns vestidos de batina (ainda!), outros de mitra e báculo, outros de terno e gravata ostentando Bíblias, todos ecumenicamente de dedo em riste acusador: "ela é a favor do aborto, ele apóia o casamento homem-com-homem, mulher-com-mulher, os dois defendem a distribuição de camisinhas até para as crianças da escola. Deus do céu! Que atraso! Que tiririquice! Pra começar, arbitrar sobre aborto e formas de casamento é da competência do Congresso Nacional e não do Presidente da República, que apenas sanciona ou veta a disposição do Congresso. Além do mais, aborto e casamento gay nem estão em pauta de discussão, hoje.


Mais importante e pertinente agora é ouvir dos candidatos suas propostas e projetos concretos quanto à saúde, educação de qualidade, distribuição de renda, segurança da população, criação de empregos, formas de apropriação ou não do Estado, relações diplomáticas e econômicas com outros países, transporte, saneamento básico, liberdade de imprensa, desenvolvimento do país, programas sociais, etc., etc. E mais: estamos num país democrático, regido por uma Constituição Civil e não pelas tábuas da lei de Moisés. É um país democrático e laico e não teocrático, apesar de supostamente religioso. Sua capital é Brasília e não o Vaticano, nem a Canção Nova, nem a sede da Assembléia de Deus, nem a CNBB. Tentar manipular a consciência do eleitor, ameaçando-o com a ira de Deus é injuriar o próprio Deus que nos criou livres. O dia em que o povo tiver que consultar um aiatolá de plantão tipo Pastor Silas Malafaia, ou um Padre José Augusto (Canção Nova) para votar, é melhor rasgar o título de eleitor e o estatuto da maioridade civil. O que vem se praticando em meios religiosos no momento, é o aborto da eleição, da democracia, da Constituição e do bom senso. Xô Satanás!

Padre Otto Dana – Pároco da Igreja Sant´Ana em Rio Claro SP - e-mail: otto.dana@gmail.com.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Padre Odelir Magri, comboniano, é nomeado bispo de Sobral. Os combonianos do Nordeste se manifestam.

A Província dos Missionários Combonianos do Brasil Nordeste (BNE) vem a público manifestar sua alegria e satisfação pela nomeação do padre Odelir José Magri, até então Vigário Geral da nossa congregação, a bispo da Diocese de Sobral, Ceará, Brasil. Alegra-nos o fato que o Santo Padre tenha encontrado nele carisma e qualidades humanas para o pastoreio de uma diocese como Sobral. Estamos jubilosos por tê-lo em nosso vasto território pastoral nordestino, fato que certamente poderá dar um renovado vigor à nossa presença evangélica e missionária nessa sofrida, mas generosa região. Acreditamos que após o falecimento do saudoso Dom Franco Masserdotti e com a renúncia de Dom Aldo Gerna, - os últimos dois bispos combonianos – a nomeação do Pe. Odelir representa um verdadeiro dom do Espírito para o episcopado e para a Igreja do Brasil. A escolha de um missionário para ser bispo de uma diocese com grande tradição de fé ajudará certamente a impulsionar a dimensão missionária ‘ad gentes’ no seio da CNBB e da diocese de Sobral tão rica em vocações sacerdotais, religiosas e leigas. Acreditamos também que a proximidade física e afetiva com o Pe. Odelir se transformará em identificação e comunhão de opções e práticas evangélicas em favor dos ‘pequenos’ de Sobral e do Nordeste. Conhecemos a sua seriedade e sensibilidade para com as dimensões da justiça, da paz e da dignidade humana, da sua valorização da participação do povo de Deus no caminhar eclesial, e dos seus cuidados para com os mais sofridos e abandonados. Com Pe. Odelir nos sentimos fortalecidos e apoiados como província Comboniana. A ele e a igreja particular de Sobral queremos expressar a nossa irrestrita disponibilidade para colaborar no que acharem conveniente e necessário. Queremos, por fim, dar as boas vindas ao pe. Odelir ao sertão nordestino e nos unir aos seus familiares, à sua comunidade natal em Campo Erê (SC), às comunidades eclesiais do Congo onde ele foi missionário, às demais comunidades eclesiais de Contagem e de São Paulo onde também atuou pastoralmente, a todos os confrades da nossa congregação comboniana e à igreja de Sobral numa grande oração comunitária por sua nova missão. Que o Espírito do Ressuscitado, a intercessão de Maria Aparecida, o testemunho profético de São Daniel Comboni e de numerosos e numerosas mártires e missionários continuem inspirando, iluminando e abençoando os passos desse novo pastor e servidor do Reino.


A Província do Brasil Nordeste,


São Luis (MA), 12 de outubro de 2010.


Festa de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Esquemas semi-feudais vigoram no Maranhão para se eleger


Talvez seja cedo para fazer uma análise apurada do resultado das urnas, aqui, no Maranhão. Uma coisa, porém, que salta aos olhos: não estão aparecendo nomes novos no cenário político-eleitoral, as abstenções ficam a cada vez maiores, e os eleitos são sempre mais o resultado de ‘esquemas’/alianças com senhores prefeitos feudais e de vultosos investimentos econômicos.

O primeiro dado poderia, a princípio, não ser totalmente correto haja vista que apareceu algum nome novo ou ‘reciclado’, seja na assembléia legislativa bem como no congresso. Não surpreende que para ocupar uma cadeira no congresso vemos ainda vários... imortais: Gastão Vieira, Sarney F. Pedro Fernandes, Cléber Verde, Nice Lobão, Valdir Maranhão, Pedro Novais, Dutra, Ribamar Alves...As poucas novidades (Luciano Moreira, Edivaldo Holanda Junior....) são frutos de ‘esquema oficial’ e de máquinas administrativas azeitadas. A assembléia legislativa parece seguir a mesma tendência: há imortais ou candidatos a tais: Cutrim, Max, Barros, Cesar Pires, Cleide Coutinho, Rigo Teles, Stênio Rezende, e outros; alguns dos eleitos foram reciclados ressuscitando após um curto período de purgatório (Ricardo Murad, Manoel Ribeiro, Luciano Leitoa, Hemetério Weba...) ou se revezando com algum membro da família. As poucas novidades - que não chegam a ser surpresa, - são por conta de pessoas ligadas a ex-deputados estaduais, ou frutos do esquema de apadrinhamento de algum deputado federal imortal ou familiares de prefeitos poderosos.

Uma coisa parece certa nesse Estado: não há mais espaço para candidaturas eufemisticamente chamadas de populares. Resultado de mobilizações e articulações de movimentos sociais como na época da ‘Nossa Luta’ nos anos 80. Isso vale também para aqueles eleitos que supostamente erguem ainda a bandeira popular. São filhotes de um esquema fixo que os iguala a todos. Uma montagem de caráter essencialmente semi-feudal onde alguns ‘senhores’ prefeitos geralmente se juntam para patrocinarem alguns candidatos. Recebem, ou já receberam destes a promessa/garantia que encaminharão emendas parlamentares ou facilitarão a liberação de recursos federais e/ou estaduais para o seu município (ou família), e em troca ‘os senhores locais’ disponibilizam a máquina administrativa municipal para elegê-los. Investem maciçamente em propaganda e doações para eleitores sempre mais famélicos de benefícios em que a justiça eleitoral não intervém e não controla. Operam aquela troca mercantilista em que a relação voto-benefício é aceita e respeitada como um princípio moral universal.

Aqueles candidatos que ainda mantém vínculos com alguma forma de resquício de movimento popular e na sua ingenuidade acreditam que há ainda espaço para o ‘voto consciente’, ou eles aceitam entrar no esquema comum ou não se elegem. Todavia poderíamos nos perguntar olho no olho: há ainda alguém que acredita em voto consciente, não barganhado e fruto de independência cidadã e liberdade interior?

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Francisco de Assis, ou seja, o perene duelo entre carisma e instituição

Levantei pela manhã com um pensamento fixo: dedicar um tempinho para uma reflexão pessoal sobre o sentido do testemunho de Francisco de Assis para mim e para a igreja. Quase passava batido. Encontro-me no momento bombardeado por mil imagens, lembranças, devaneios, escritos e especulações sobre ‘o pobre de Assis’. A tentação é reproduzir nesse espaço uma das muitas e ressabidas ‘mesmices’ que foram escritas e transmitidas sobre ele. Quero, todavia, ensaiar algo, talvez, inusitado e propor a minha reflexão. Francisco, talvez indiretamente, foi quem melhor provocou e escancarou o eterno dilema/duelo entre a dimensão carismática e a tendência compulsiva da instituição em enquadrar e controlar o ‘carisma’. É o perene confronto entre o ‘inspirado’ e a força do ‘legal’. Entre o que vem da liberdade do espírito, - sem normas e regras - e a necessidade de controlar, dominar e institucionalizar o que por natureza é incontrolável. Como, algo que vem do espírito livre de Deus, pode ser reduzido a norma jurídica, a regra, a cânon, e ter que ser reconhecido por humanos que adotam critérios ...humanos? Francisco talvez tenha sido uma das mais ilustres e famosas vítimas do que significou ser ‘movido e convertido pelo espírito do Deus dos pobres’ e ver, ainda em vida, a força das tramas humanas, do cinismo e da mesquinhez se apropriarem do ‘incontrolável espírito’ para petrificá-lo em estruturas e instituições.

Durante a viagem de Francisco para o Egito, em 1219, se consumava nos pequenos conventos que haviam aderido ao ‘espírito/carisma’ de Francisco o primeiro golpe dentro do movimento. Substituir o carisma com a instituição. A liberdade do sopro sempre renovado do espírito com as normas pétreas reconhecidas formalmente pela instituição formal. Francisco percebe o poder humano em ‘ameaçar e matar’ a força do espírito, e se retira. Renuncia a todo tipo de coordenação. Começa a viver fora da comunidade e da instituição. É justamente nesse deserto existencial que reata a sua comunicação com o espírito que outrora o havia chamado e jogado nos braços livres dos invisíveis lázaros de Assis. Ele re-encontra a sua liberdade interior ao deixar ‘seus frades’ disputando cargos e ambições. Morre como um lázaro anônimo qualquer, vítima de hanseníase e cego. Até na hora da sua morte o seu cadáver vira objeto de disputa entre grupos e frades, talvez vendo na sua apropriação uma fonte de lucro. Hoje, dia 4 de outubro, invoco o espírito que inspirou o indomável Francisco para que continue inspirando e enviando homens e mulheres livres de leis, normas e regras!

sábado, 2 de outubro de 2010

Uma 'pequena-grande fé' para produzir o impossível (Lc.17,5-10)


"Aumenta-nos a fé’! Assim suplicam os discípulos de Jesus. Não é para menos. Jesus acabava de alertar de que era preciso perdoar radicalmente (filho pródigo), que era urgente ser vivo e competente na administração do novo reino (o administrador esperto), e que o desejo doentio por riquezas impede o discípulo de enxergar os pobres que vivem à porta da sua casa (Lázaro e o rico). Para construir o reino de Deus que se contrapõe aos reinos dos concentradores de riquezas, de poder, de egoísmo e de intolerância era preciso criar novas relações humanas e sociais. O discípulo de Jesus devia apreender a preencher os enormes abismos criados pela ação egoísta e cega de alguns humanos sobre outros.

Os discípulos compreendem que Jesus não esconde as duras condições e exigências para quem quer segui-lo até o fim. É preciso, portanto, ter fé naquilo que Ele aponta. Nas suas metas e modalidades. Confiar ‘cegamente’ de que é possível produzir o que humanamente parece impossível. Uma ‘grande fé’ do tamanho de um grão de mostarda – a menor das sementes - seria suficiente para produzir o inesperado, o incalculável. E, ao conseguir o ‘impossível’, - como resultado da sua fé no Mestre e nas suas orientações e exigências, – o discípulo precisa manter a cabeça no lugar. E os pés no chão.

Muitos, com efeito, acabam atribuindo a si próprios a capacidade de produzir ‘coisas grandiosas’. Acham que, por isso, merecem destaque e reconhecimento. Essa, todavia, é a prática dos que seguem a lógica do anti-reino. Dos filhos das trevas: que acumulam riquezas, que não enxergam as necessidades alheias, que não sabem perdoar de forma radical. Ao contrário, para os seguidores de Jesus, pede-se serviço gratuito, sistemático e radical. Que não conhece descanso. Que não procura reconhecimento e gratificações. Afinal, entra-se na força-tarefa do reino de Deus para servir, para ter compaixão, para enxergar os lázaros que ninguém enxerga. Nisso o mundo vai descobrir a ‘utilidade’ desses servidores. Nisso estará a consciência do ‘dever cumprido’