sábado, 28 de novembro de 2009

ADVENTO:vencer os novos medos e angústias vislumbrando as novas esperanças e formas de libertação (Lc.21,25-28.34-36)

Freqüentemente, diante de uma realidade que produz desencantos e frustrações, sofrimentos e decepções se torna quase que natural assumir duas posturas. A primeira é a de fugir dela tentando ignorá-la ou contorná-la. A segunda é encarar e enfrentar a fonte das nossas angústias imaginando e construindo uma realidade que seja antagônica àquela que, de fato, vivemos. Ou seja, procurar construir, no dia-a-dia, sentidos, ações e relações que possam eliminar de um lado o sofrimento presente e garantir, do outro, uma permanente felicidade, paz, e a superação definitiva das fontes da nossa dor.
Sabemos, também, que não nos é fácil no dia a dia descobrir o verdadeiro sentido dos acontecimentos que marcam a vida da sociedade e a nossa vida. Compreender os seus rumos e desdobramentos. Não nos é fácil sequer perceber que atrás de todo acontecimento existe um conjunto de sentidos! A busca desses sentidos é, afinal, sempre algo subjetivo. É fruto da capacidade de cada um em investigar, confrontar, projetar. Ao mesmo tempo, essa busca é fruto de um conjunto de valores e princípios adquiridos e cultivados e, principalmente, o resultado de expectativas, sonhos, esperanças que cada um guarda e alimenta dentro de si. Afinal, é um permanente esforço em “tirar o véu” dos acontecimentos (re-velar) ou ‘desvendar’ para encontrar o sentido do nosso viver, sofrer, chorar, lutar, amar.
Esta era a preocupação daqueles que adotavam a visão ‘apocalíptica’ (apo-kaleo), ou seja, 'tirar o véu' que encobre e oculta o real sentido das coisas. Os adeptos desse ‘gênero literário’ – que revelava também uma determinada visão da realidade - procuravam alimentar sua esperança e vontade de superação das angústias e preocupações que o presente produzia, imaginando e acreditando num futuro próximo carregado de consolo, de mudança, de justiça, de reviravolta radical. Eram, no fundo, construtores de novos sentidos e alimentadores de esperanças.
O evangelho hodierno que abre o período litúrgico do advento é um excelente exemplo disso! Com realismo analítico, Lucas descreve os sinais da proximidade da reviravolta, da inversão dos acontecimentos... Estes, em lugar de apontarem destruição e morte tornam-se garantia de real chegada do início do fim do sofrimento, da dor e da angústia. O início da libertação de tudo o que oprime o ser humano e a própria criação.
Primeiro sinal: haverá mudanças visíveis (genericamente, sinais) no comportamento, nas relações, no poder dos ‘astros’, ou seja, naqueles que sempre tentaram brilhar como ‘luzes’ inacessíveis e únicas, que vinham deixando na sombra os demais seres humanos.
Segundo sinal: a aflição e a angústia, expressões da força do mal (bramido do mar) - que parece predominar na terra, - se apoderam da vida de todos os povos. As pessoas fragilizadas e paralisadas pelo medo de outros futuros males e desgraças parecem morrer aos poucos, incapazes de reagir e de se opor a tamanha força destruidora.
Terceiro sinal: o próprio universo e a natureza (forças do céu), atacados e feridos pelas forças destruidoras ficam abalados e ameaçados, incapazes de garantir vida e bem-estar.
Quarto sinal: o 'filho do homem' (não o filho do sol ou da lua!) começa ocupar o lugar que era ocupado pelos ‘supostos astros’. Jesus, o humano, aquele que havia sempre vivido na sombra, no esquecimento e ocultamento social, aparece com glória e majestade. Ele começa a reinar no lugar ‘dos astros’ e inicia uma nova época de verdadeira libertação.
Quando as pessoas perceberem o sentido desses acontecimentos significa que iniciou o fim do sofrimento, do medo, da angústia. Começa a época em que as vítimas da injustiça cometida por aqueles se consideravam ‘astros: sol, lua e estrelas’ começam a viver definitivamente na liberdade e na paz porque percebem que 'elas podem mudar a realidade que as oprime'.
É preciso, no entanto, estar atentos a todos esses sinais/acontecimentos e compreender o seu sentido e mensagem, pois em lugar de desesperar, de fugir e de contornar os problemas da vida (medo, angústia, terror, dominação...) chegou a hora de ‘levantar a cabeça’, encarando e enfrentando... construindo novas formas de libertação.
Levantar a cabeça significa em outras palavras não se deixar vencer pelo fechamento em si mesmos, pelo medo de olhar para cima e para longe e sim, olhar os novos sinais de esperança, de vida nova, de futuro inédito que o ‘filho do homem’ com seus seguidores está construindo.

sábado, 21 de novembro de 2009

Não o César, mas os filhos da Realeza de Deus são Reis! (Jo.18, 33-37)

Soa certamente fora de moda falar em “reis, reinos e realeza” na realidade sociopolítica atual. Também o era para Jesus. Era-lhe tão estranho que sempre quis fugir de qualquer tentativa popular para torná-lo tal. Era-lhe tão paradoxal falar em “reinos” segundo a concepção e a prática corriqueira que Jesus reconhecia como único rei o próprio Deus. A Este lhe atribuía o poder de reinar definitivamente em Israel. Jesus mesmo se tornou pregador incansável da iminência da Realeza de Deus.
Deus mesmo, segundo Jesus, em breve, começaria a ‘governar’ de forma inédita fazendo justiça àqueles que nunca foram reconhecidos pelos ‘reis’ históricos. Para Jesus a idéia de alguém ser rei era tão descabida – por Ele achar que só Deus podia sê-lo – que deslegitimou publicamente, com críticas ferozes, todos esses sistemas de governo. Jesus, de fato, chegou à conclusão que todos os governantes, sejam eles reis, governadores, primeiros ministros, presidentes, ‘vivem dominando as nações oprimindo-as’. Deixou claro que se ‘alguém aspirasse ou lhe fosse conferida alguma função de responsabilidade social que este se tornasse servidor de todos’. Ou seja, que renunciasse a ser rei, governador, presidente...porque esses cargos são por sua natureza dominadores e opressores.
A liturgia, entretanto, nos propõe hoje a festa de Jesus rei do universo. Oferece-nos, ademais, o texto de João em que o próprio Jesus, diante de Pilatos, afirma que Ele ‘é rei!’ A aparente contradição, porém, encontra a sua coerente explicação. Jesus, ao assumir para si o título de ‘rei’ – pelo menos segundo a teologia de João – está afirmando que não o César, mas todos ‘os filhos de Deus são reis’. Significa, em outras palavras, que não os dominadores e déspotas (reis) são os que vão governar, e sim os que entraram na lógica do ‘serviço’, os que se tornam ‘últimos’ para servir a todos.
Dessa forma, Jesus não somente desmonta a arrogância dos que acham que detêm poder e prestígio, mas banaliza seus cargos e sistemas políticos arcaicos. Jesus, ao afirmar que Ele ‘é rei’ perante um ‘governador’ quer reconhecer que todos os que entram na lógica da ‘Realeza de Deus’ - que é serviço gratuito e desinteressado, - são ‘reis’, pois sabem se colocar a serviço de seus ‘súditos’. Para isso não precisa ter coroa, palácio, castelo, consagração formal, trono, segurança pessoal, salários e mordomias, e uma corte de subservientes e bajuladores!
Um bom domingo a todos!

terça-feira, 17 de novembro de 2009

E se alguém calculasse o IDHI (Índice de Desenvolvimento Humano Indígena) no Maranhão?

Foram suficientes poucas horas de permanência em 5 aldeias Guajajara da Terra Bacurizinho (Grajaú) para ficar estarrecido com a situação de abandono e descaso em que vivem aqueles indígenas.
Um tempo mais que razoável para perceber, ao mesmo tempo, como os eventuais “investimentos” em infraestruturas realizados pela União ou por outras instituições públicas são executados com o intuito de não funcionar ou de lucrar em cima disso. Tudo isso manifesta, também, por parte dos órgãos públicos má vontade e desconhecimento da realidade local, ou seja, a posse daquelas informações primárias antes de planejar qualquer tipo de ação ou benfeitoria.
Senão, vejamos:
1. Aldeia São José, dos índios Guajajara. Fica a uns 40 Km de Grajaú: a aldeia não existe mais. Os seus moradores se dispersaram há mais de 3 anos por falta de água potável. Hoje existe um poço artesiano devidamente equipado, com gerador, caixa de água, tubulação, etc. A casinha em que se encontra o gerador vive trancada. A água, dessa forma, vive...trancada! A um quilômetro e meio dessa aldeia fantasma existe uma nova aldeia (Pau d´arco) recém criada. Não há água, mas há gente, muita pessoas, e aumentando significativamente. Há muitos plantios de mandioca, possibilidade de verdadeira fartura. Algo que foge da permanente afirmação de que "índio é preguiçoso"! Até hoje, os índios procuram um diálogo com a FUNASA/MA para que ocorra o encontro entre a água e as...pessoas! O sofrimento continua grande!

2. Aldeia Nova, na mesma terra. Fica a mais de 60 Km de Grajaú. Talvez não haja 10 casas ao todo. Existem dois colégios: um recém construído com dinheiro da União (R$ 170.000) e que nunca foi utilizado e não há perspectiva de sê-lo porque há um outro. É este que efetivamente funciona. Está em boas condições e tem capacidade suficiente para acolher os poucos alunos que acolá estão. Ninguém entendeu o porquê de dois colégios “grandes” e subutilizados naquela aldeia!

3. Aldeia Buritirana, alguns quilômetros mais adiante dessa última aldeia. Mais um colégio recém terminado com dinheiro federal, segundo a mesma estrutura arquitetônica do anterior (veja foto - planta padronizada, supostamente coerente com a arquitetura indígena....!). O mesmo valor que o anterior (R$170.000). Não está sendo utilizado, pois há um real perigo que caia na cabeça das pessoas. A madeira do enorme telhado cedeu, envergou em várias partes e a estrutura está seriamente prejudicada. Os responsáveis foram alertados, foi elaborado relatório técnico, etc. mas nada foi feito até agora! As aulas se dão debaixo de mangueiras ou os alunos indígenas atravessam o Igarapé Enjeitado para freqüentar a escola municipal dos não indígenas, em Matos Além. Aqui há energia e merenda escolar!
Nessas últimas duas aldeias não há água potável. A água utilizada é a do Igarapé Enjeitado que está definhando! Não há casas de farinha equipadas para quebrar mandioca e produzir alimentos para matar a fome. Em Buritirana e na aldeia Papagaio e outras aldeias menores a mandioca é ralada num pedaço de lata velha furada com pregos. Não são as únicas aldeias nessas condições. Infelizmente, essas carências parecem normais por aqui. Ninguém mais se indigna, pois sempre foi assim!

domingo, 15 de novembro de 2009

Está próximo o fim dos astros que sempre quiseram "brilhar":Mc. 13,24-32

Ao longo da nossa vida podemos passar por situações de verdadeira tribulação. Experimentamo-la quando nos sentimos perseguidos, caluniados, não enxergados, não valorizados. Quando fazemos a experiência da dor, da decepção, da perda, da solidão. A tribulação se torna mais evidente e dolorosa quando tentamos viver a vida de forma coerente e autêntica e constatamos que “outros“, - os expertinhos e aproveitadores que não possuem essa preocupação - parecem se sair mais favorecidos e “abençoados” do que nós. Eles “brilham” e as suas “vítimas” parecem mergulhar numa perene escuridão. Onde está a justiça de Deus? Será que tudo está acabado ou haverá reconhecimento para quem procurou se manter fiel ao Deus da vida?

Marcos, no evangelho de hoje, procura responder a essas dúvidas e tenta fortalecer a caminhada de quantos se sentem esquecidos e abandonados em suas vidas, apesar de tentar viver os valores do Reino. Marcos, com certeza, tem debaixo de seus olhos a vida real, sofrida e turbulenta de suas comunidades. Ao mesmo tempo possui a memória de Jesus que se alimentava do sonho-perspectiva segundo a qual o “filho do homem” seria reconhecido como aquele que pode fazer justiça aos justos, aos que se mantêm fieis.
Resgata de forma poderosa a promessa/profecia de Jesus em que deixa claro que os que até agora “brilharam como o sol”, perante os homens e resplandeceram como “a lua e as estrelas”, - ou seja, todos os grandes e poderosos dominadores que exigiam reconhecimento e submissão pública dos homens – estão prestes a cair numa grande escuridão, numa decadência sem fim. Ao contrário, os que se mantiverem fieis ao “filho do homem” começarão a “reinar-brilhar” em seu lugar. Isto, porém, depois da grande tribulação. Ou seja, depois de passar por momentos de extrema provação e dor.
Marcos nos ensina e compreender esse momento: quando estivermos nessas situações de crise extrema em lugar de pensarmos na proximidade da destruição total e final, somos convidados a termos mais coragem, pois a salvação para quem se manteve fiel está às portas, está próxima. Como nos diz Daniel e toda a produção apocalíptica os “sábios e fieis brilharão como astros”. Para eles, após a grande tribulação, não haverá lugar para a perdição, a morte e a destruição, - algo reservado aos que quiseram brilhar como astros procurando deixar na sombra-escuridão da vida os demais – mas o reconhecimento histórico e definitivo de sua fidelidade e de sua autenticidade.
Ninguém sabe com certeza quando isto irá acontecer, mas definitivamente essas coisas já começaram com a prática e o anúncio de Jesus de Nazaré, o Filho do homem!

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Awá-Guajá:mais uma estação no duro calvário!

Apresento a seguir um artigo de César Teixeira sobre a decisão do presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) de suspender a sentença proferida pelo juiz da 5ª Vara da Justiça Federal que obrigava os invasores da Terra Indígena Awá-Guajá a deixarem definitivamente o território indígena. Aguarda-se, agora, a palavra final do Supremo Tribunal Federal. Tensão, revolta e indignação fazem desse novo capítulo uma mistura altamente explosiva.
O presidente do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, Jirair Aram Meguerian suspendeu a decisão judicial emitida pelo do juiz José Carlos Madeira, da 5ª Vara Cível da Justiça Federal no Maranhão, que obriga a empresa Agropecuária Alto Turiaçu Ltda, do Grupo Schahin – assim como todos os ocupantes não-índios –, a retirar-se da Terra Indígena Awá-Guajá.
A suspensão, ocorrida em 23 de outubro, atendeu pedido da Prefeitura Municipal de Zé Doca, alegando que a retirada iria prejudicar economicamente a região. Porém, o caso não termina assim, pois o Supremo Tribunal Federal ainda vai julgar os recursos sobre a decisão da Justiça Federal, e a partir daí os invasores terão um prazo de seis meses para sair da área.
Para Madeira, dificilmente o STF invalidará a sentença. “Diante das evidências apresentadas nos autos e do contundente laudo antropológico, não acredito que o Supremo irá se pronunciar voltando atrás na nossa decisão”, ressalta o juiz maranhense. Em 30 de junho deste ano, o juiz federal José Carlos Madeira, acolhendo pedido formulado pelo Ministério Público, emitiu sentença judicial contra a União e outros, condenando os réus a demarcarem a Área Indígena Awá-Guajá, seguindo-se os atos de homologação e registro imobiliário. Também declarou extintos, “não produzindo efeitos jurídicos” (CF 231 § 6º), os atos que possibilitaram a ocupação, o domínio ou a posse de terras na área, “inclusive aqueles praticados pela empresa Agropecuária Alto do Turiaçu Ltda”.
O juiz impôs, sob pena de multa diária de R$ 50 mil, depois de exaurido o prazo de 180 dias, a remoção de posseiros, madeireiros e outros do interior da Área Indígena; o desfazimento de cercas, estradas ou quaisquer obras incompatíveis com o modo de uso das terras pelos Guajá; a colocação de placas em todo o perímetro da área, que indiquem com clareza ter sido demarcada por determinação da Justiça Federal no Maranhão e proibindo o ingresso no local sem autorização da FUNAI, além da divulgação dos trabalhos de demarcação. Entre os réus na sentença judicial (Processo nº. 2002.37.00.003918-2), além da União e da empresa Agropecuária Alto Turiaçu Ltda, figura a própria Fundação Nacional do Índio – FUNAI.
Grupo Schahin - A Terra Indígena Awá-Guajá, no Oeste do Maranhão, desde a década de 50 era invadida por posseiros, fazendeiros e madeireiras – época da construção da BR-322. Depois chegariam grupos empresariais ligados a interesses econômicos escusos. Foi o caso da Agropecuária Alto Turiaçu Ltda, pertencente ao Grupo Schahin, que se instalou na região em 1985, apossando-se de 37.980 hectares das terras indígenas.
Na verdade, o Grupo Schahin Cury (que mudou de nome com a saída da família Cury da sociedade) veio para o Maranhão em 1978, a partir da criação da Schahin Corretora de Valores Mobiliários, para investir nos setores agropecuário e madeireiro. Fundado em 1966, o grupo atua nos segmentos financeiro, engenharia, construção civil, incorporações imobiliárias, telecomunicações, concessões de linhas de transmissão de energia, petróleo e gás.
Sua chegada no território Awá-Guajá fomentou o surgimento de milícias armadas, o desmatamento, as carvoarias, a construção de estradas clandestinas, a extração ilegal de madeira e o progressivo extermínio do povo indígena nômade, cuja área, originalmente, deveria possuir 232 mil hectares, incrustados nos municípios de São João do Caru, Zé Doca e Newton Belo, adentrando a Reserva Biológica do Gurupi. A Agropecuária alega ter adquirido a área em 1982 do Instituto de Terras do Maranhão (Iterma), embora fosse reconhecida desde 1961 como reserva florestal e, em 1985, identificada pela FUNAI como território Awá-Guajá. Quem administrava então a empresa, sediada em Zé Doca, era o ex-presidente da Associação dos Criadores de Gado do Maranhão, Cláudio Donisete Azevedo. Ligado ao grupo político do senador José Sarney, que controla o Ministério de Minas e Energia, Cláudio Azevedo é presidente do Sindicato da Indústria de Ferro do Maranhão e, em junho deste ano, foi empossado na presidência da Associação das Siderúrgicas do Brasil (Asibras), entidade que representa as indústrias de ferro nos estados do Maranhão, Pará, Minas Gerais e Espírito Santo.
Coincidência ou não, no mesmo ano de 1985 a Companhia Vale do Rio Doce iniciou a construção da ferrovia Carajás, para o transporte de ferro e manganês da serra dos Carajás (PA) até São Luís (MA), atravessando territórios indígenas dos dois estados. Pelo termo de financiamento da obra, a empresa deveria bancar o processo de demarcação, o que não ocorreu no caso dos Awá-Guajá. “Pouco foi feito para ordenar social e geograficamente a região, mesmo com os vultosos recursos recebidos: cerca de 900 milhões de dólares do Banco Mundial e da Comunidade Européia para a implantação do Projeto Carajás”, registra Rosana de Jesus Diniz, coordenadora regional do Conselho Indígena Missionário - CIMI/MA (Porantim, nº. 317 - ago. 2009).
Cobiça pela terra - Em 1999, a violência recrudesce quando o Grupo Schahin, é “escolhido” para as obras de construção civil e infra-estrutura do Projeto SIVAM (Sistema Integrado de Vigilância da Amazônia), a cargo da Schahin Engenharia Ltda. O grupo paulista, controlado pelos irmãos Milton e Salim Taufic Schahin, passou a encabeçar as demandas de ações judiciais contra a demarcação da área indígena. Pressões sobre a delimitação da TI Awá-Guajá ocorriam desde 1985, quando foi identificada com 232 mil hectares. Em setembro de 1988, a área indígena diminuiu para 65.700 ha, com a portaria interministerial nº 158, revogando a anterior (nº 76), que declarava posse permanente dos indígenas 147.500 ha. Finalmente, em 27/07/1992, a portaria nº 373, do ministro Celio Borja, estabeleceu 118.000 hectares.
Em outubro de 1992, a Agropecuária Alto Turiaçu obteve liminar favorável em Mandado de Segurança impetrado contra a Portaria nº 373, permanecendo na área. Quando foi iniciada a demarcação, em fins de 1994, com base na mesma portaria, a equipe técnica foi impedida por moradores da região de continuar o trabalho, suspenso por falta de segurança.
O juiz federal José Carlos Madeira, em agosto de 2002, determinou que os trabalhos de demarcação da Terra Indígena fossem reiniciados pela FUNAI, alvo desde 1992 de uma ação cautelar movida pela Agropecuária Alto Turiaçu, que reivindicava a posse de 37 980 hectares situados na terra Awá-Guajá, sem obter êxito. Seguiram-se várias batalhas nos tribunais e reações da sociedade civil e do Ministério Público, enquanto durou a ocupação das terras pelo grupo paulista, até a Terra Indígena Awá-Guajá ser finalmente homologada pelo Presidente da República em 2005, com 116.582 hectares. Ou seja, durante todos os processos judicial e administrativo, mais de 115 mil hectares foram subtraídos do território original do povo nômade Awá-Guajá.
Mobilização - Antes de emitir a atual sentença, o juiz federal visitou a Terra Indígena Awá-Guajá e saiu convencido de que a terra estava sendo esquartejada e os índios eram massacrados sob os olhos do Estado. “Trata-se de um verdadeiro genocídio”, ressalta o juiz, que considera este caso mais emblemático do que o de Raposa-Serra do Sol, em Roraima. Madeira chegou a receber mais de dez mil mensagens por e-mail do Brasil e do exterior com congratulações pela sua atuação no litígio, que acumula ao todo 15 processos. Não obstante a legalização da Terra Indígena, diante da omissão do Estado brasileiro o meio ambiente na região continua ameaçado e o povo Awá-Guajá na mira dos invasores, correndo um sério risco de extinção.
Mesmo acreditando que a suspensão do TRF/DF não vingará por muito tempo, e diante de uma possível decisão do Supremo favorável aos indígenas, o juiz José Carlos Madeira faz um alerta para que a sociedade civil se mobilize para evitar surpresas, se houver ingerência política em favor dos réus. “Já fiz a minha parte. Agora é a parte política, o povo tem que ir para as ruas”.