quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

No princípio havia a 'palavra'

No princípio de tudo não havia o nada. Havia a palavra. Não a palavra etérea e invisível, mas a palavra onipotente. Ela era o todo. Estava em tudo e era tudo. A palavra era desconhecida pelos homens, mas era bem conhecida por quem a ‘pronunciava’! Uma palavra permanentemente criadora. Os humanos são filhos da palavra. Os seres vivos e inanimados são frutos da palavra. Não existe, de fato, uma palavra que não seja criadora. Que não seja geradora de vida. O autor da palavra que era Palavra, falava criando, e criava falando. Não havia nem separação e nem confusão entre a palavra e o seu significado. Entre o seu significado e a sua realidade correspondente. Entre a palavra e o seu Emissor. Mas o não senso das trevas entrou no mundo. A confusão se instalou. A incomunicabilidade começou a reinar. A palavra deixou de criar vida e começou a semear mentira e destruição. A palavra foi cindida e separada do seu Emissor. Começou a ser manipulada. Começou a ser espalhada aleatoriamente, vagando de boca em boca, separada do coração e da mente. A palavra começou a reivindicar a sua autonomia e independência. Sentiu-se autossuficiente. Começou a ofender e a caluniar, a adular e a bajular, hipocritamente. O seu 'emissor' já não existe mais. Ele, agora, é um mercante ou um charlatão que vende palavras e exibe sons sem sentimentos e emoções. Incapaz de criar pela palavra, agora ele vive refém de palavras que ele mesmo criou. As mesmas que, paradoxalmente, o desmascaram.  

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Cordel de Natal

Natal outra vez, será que chegou a nossa vez.
A vez de cantar a esperança com ou sem dança?

Natal é tempo de reflexão, é o que dizem os irmãos,
Momento certo de semear virtude e assumir nova atitude.

Fico um tanto desconfiado com tanto mercado,
Muitos dons e muita luz a verdadeira paz não produz.

Natal é cantar a vida da pessoa querida,
Elevar o louvor e oferecer mais amor.

Pôr fim à guerra em toda a terra
Extinguir a escravidão e cantar a libertação

Natal é a estrela contemplar, e por ela se deixar levar,
e dos palácios de Herodes sempre se desviar; 

Natal é servir com afeição a comunidade e o povão
Caminhar sem ambição em plena comunhão.

Jesus não cansa de nascer na noite escura e no alvorecer
Meu irmão minha irmã não canse de crer que um novo mundo vai nascer! 

Feliz Natal 

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Povo Canela - Atualizando os números da tragédia: 19 crianças e 3 adultos!

Dias atrás postamos a notícia dando conta da tragédia que vem afetando os Canela do Maranhão e, principalmente, os da aldeia Escalvado, a 30 km de Fernando Falcão. Dias atrás uma missionária esteve na área e constatou o drama vivido por aqueles 2.500 índios. Ela se deteve com a equipe de enfermeiros e médicos e com as lideranças. Enviou-me, hoje, uma mensagem que torna ainda mais clara a tragédia Canela: até o presente momento morreram 19 crianças e 3 adultos em conseqüência da epidemia de coqueluche e influenza. Doenças essas que com uma imediata intervenção, e encontrando organismos minimamente alimentados não teria produzido os estragos que vêm produzindo. Fico a imaginar que a guerra de responsabilidade deva ter começado na área e nos altos escalões. Uma coisa é certa: ninguém vai devolver a vida de 22 seres humanos, nem consolar a dor daquelas famílias, nem amenizar a indignação de muitos por percebermos o alto grau de omissão e de descaso de quem é pago para proteger vidas! O responsável jamais será encontrado e punido. Mais uma vez será o 'estado', genericamente, o estado!

NATAL - A farsa do 'presépio pequenino'. Uma crônica.

Detenho-me na singela estatuazinha do menino Jesus. Contemplo com coração aberto e confiante as faces róseas daquele bebê sorridente ladeado por um pai e uma mãe, alguns pequenos animais domésticos e pastores em trajes da época. Num primeiro momento tudo me parece tão celestial e harmonioso. Todavia, não consigo tirar da minha cabeça a informação de que no nosso estado de cada 1000 bebês que nascem 30 morrem antes de completar um ano de vida. Em absoluto, o mais alto índice de mortalidade infantil do Brasil! Os meus olhos percorrem lenta e insistentemente aquele cenário e caem na pequena e artificial árvore de Natal que fica ao lado do presépio. Está carregada de bolinhas resplandecentes, e abarrotada de caixinhas coloridas e fitas douradas. Olhando aquela ‘árvore da fartura’ não consigo imaginar que a maioria das famílias do nosso Estado vive, hoje, com cerca de R$ 300 ao mês! Volto a contemplar novamente o presépio e procuro, agora, com certa ansiedade o palácio do rei Herodes. Não consigo identificar nada parecido a um castelo ou a um palácio de governo. Dou fé, imediatamente, que aquele presépio não possui muitas das ‘peças’ necessárias para torná-lo um pouco mais realista e mais fiel à verdade histórica. A sua falsa simplicidade e omissão chegam até a me irritar. Parece-me, agora, propositalmente manipulado e artificial. Fico a me perguntar: por que ocultar, por exemplo, o palácio daqueles parasitas de suposto sangue real que viviam banqueteando graças à cobrança de altos impostos? Os mesmos que em plena luz do dia arquitetavam perseguições às crianças e às suas famílias. Onde estão os seus soldados e policiais que escorraçavam pelas aldeias e cidades semeando violência e terror, aprisionando sem mandatos judiciais humildes lavradores e jovens, e estuprando as jovens da aldeia? Por que maquiar naquele ‘hipócrita’ cenário natalino os ricos e arrogantes comerciantes, e os inescrupulosos donos de hotéis? Onde estão os senhores e coronéis do interior que viviam a escravizar e a emprestar dinheiro com juros altíssimos aos pequenos artesãos e diaristas? Cadê, enfim, o templo, o santuário do Altíssimo, com seus sacerdotes profissionais e funcionários a derramar o sangue de cordeiros e bodes achando que com isso iriam expiar o sangue derramado de tantos inocentes humanos? 

Decididamente esse tipo de presépio natalino me deprime. Fede a hipocrisia!Tirei por um instante os olhos daquela que me parecia uma farsa e me detive a observar pela janela daquela sala que já estava a me sufocar. Vi três crianças barulhentas, descalças, suadas, jogando com algo parecido a uma bola. Algumas mulheres estavam sentadas na calçada conversando em voz alta e rindo. Duas estudantes estavam a regressar, serenas, do colégio, de mãos dadas. Na avenida principal, a poucos metros de casa, o ônibus passou, mais uma vez, rápido e lotado de gente. Pensei por um instante que esse é, de fato, o nosso presépio: a eterna alegria de viver, de jamais desistir de esperar. Apesar dos Herodes e dos senhores, dos soldados e dos fardados. Jamais teremos ‘peças’ suficientes e acertadas para colocar no nosso presépio vivo humano. Para representar e traduzir as infinitas aspirações, e os eternos dramas que um coração sempre novo, e permanentemente renascido, esconde! FELIZ E LUMINOSO NATAL no presépio real!

sábado, 20 de dezembro de 2014

Quarto domingo de advento - colaborar com o reino mesmo não compreendendo

Existem acontecimentos em que nos vemos envolvidos e que não conseguimos compreender. Nos deixam desnorteados, mas mesmo assim percebemos que o nosso envolvimento, mesmo não desejado, é tão grande que não podemos fugir dele  e nem fingir que não nos pertencem. Sentimos que temos que intervir e reagir. Compreendemos que temos que assumir uma posição diante do acontecimento e encontrar o nosso papel nisso, mesmo sem ter clareza do seu sentido.Muitas vezes só depois de anos chegamos compreender o seu sentido e olhando para o passado reconhecemos, algumas vezes, que naquele momento que para nós era escuro, foi a mão de Deus que nos dirigiu. Só com os olhos do depois é que podemos dizer que naquele momento Deus estava se servindo desse ou daquele acontecimento, dessa ou daquela pessoa para nos dizer algo. Uma mensagem, um sinal, uma revelação que muitas vezes modifica a nossa vida para sempre. É como se um anjo venha até nós e nos diga que fomos escolhidos para uma missão que para nós ainda não é clara e, talvez, nem nos sintamos preparados. A dúvida e a insegurança que podemos experimentar no início vai se transformando progressivamente em maior lucidez e segurança na medida em que aceitamos participar ativamente no desenrolar do acontecimento. Foi assim com Maria e foi assim com José. Cada um do seu jeito.  Maria descobre que algo grandioso e espantoso está acontecendo com ela. Não compreende, mas não pode e nem consegue fugir. Aceita entrar em algo em que não tem como dar outra direção àquele acontecimento. Vem compreendendo o sentido da sua maternidade misteriosa só quando Jesus, já adulto, se torna um homem de extrema humanidade jamais vista antes. José, da mesma forma se vê inesperadamente mergulhado numa realidade que não era a que ele queria. Ele queria ser esposo e pai e, de repente, tudo parece se esvair. A sua noiva está grávida, mas não por ele. Quer fugir, mas não consegue. O amor que tem por aquela jovem fala mais alto. Uma voz interior parece lhe dizer que não precisa ser pai biológico para poder se sentir gerador de vida. José parece antecipar aquilo que Jesus já adulto diria ‘quem é meu pai, quem é minha mãe, meus irmãos?’ Aquele que escuta e pratica a palavra da vida e do amor sem limites. Esses são para nós pais, mães, irmãos!

domingo, 14 de dezembro de 2014

Saúde Indígena: agora vem o INSI. Mais uma invenção para comer grana federal destinada aos índios?

O Ministério da Saúde pretende enviar ao Congresso Nacional ainda neste ano o projeto de lei que instituí a criação do Instituto de Saúde Indígena (INSI). O INSI seria uma instituição sem fins lucrativos, mantida com recursos da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde, que prestaria atendimento de saúde aos índios. Sob esta configuração, o instituto não seria obrigado a cumprir as exigências dos processos públicos de licitação, contratação de profissionais via concurso público e não estaria sob a jurisdição da Justiça Federal, o que impediria investigações do MPF. Formalmente, o INSI seria contratado pela Sesai para executar as políticas estabelecidas pela secretaria. A subprocuradora-geral da República, Deborah Duprat, desconfia:“É um problema de gestão. A culpa não é da lei ou do SUS, que são aplaudidos internacionalmente, tampouco do orçamento”. Em números absolutos, a verba destinada ao órgão saltou de 326 milhões de reais para 1,045 bilhão de reais. Contudo, segundo levantamentos do CIMI, apenas 7,5% do orçamento de 2014 para a estruturação da saúde indígena foram executados pela Sesai.“Quando a saúde indígena foi transferida da Funasa [Fundação Nacional de Saúde] para a Sesai buscava-se justamente escapar da cilada da corrupção relembra a subprocuradora-geral, Deborah Duprat. A preocupação é que a criação do INSI dificulte a fiscalização dos recursos, uma vez que a Justiça Federal não tem permissão para investigar um serviço social autônomo de direito privado, como seria o caso do instituto. Além disso, Duprat defende que a função desempenhada pelo instituto seja inconstitucional. “A Constituição Federal não proíbe que empresas privadas auxiliem o SUS com recursos próprios, mas proíbe que essa atuação complementar seja realizada com recursos públicos”, explica. “Não podemos impedir que o Congresso discuta [a criação do INSI], mas se vier a ser aprovado acionaríamos o procurador-geral e entraríamos com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade”, adianta a subprocuradora-geral. Em nota, o Ministério da Saúde disse que, se concretizada a criação do Instituto de Saúde Indígena, “todas as contas do instituto serão analisadas pelo conselho administrativo do INSI, pela Sesai e pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus)”. Ao mesmo tempo, “os recursos financeiros aplicados pelo INSI também passarão por controle externo e interno de órgão como Controladoria Geral da União (CGU) e Tribunal de Contas da União (TCU)”.

sábado, 13 de dezembro de 2014

III Domingo de Advento - Testemunhas da luz para desmascarar trevas e iluminar os novos caminhos ( Jo.1,6-8.19-28)

Existem momentos da nossa vida e da história da humanidade em que temos a clara percepção que vivemos numa situação-limite. Ou seja, uma época de grandes confrontações e conflitos que serão determinantes para o seu futuro imediato. A depender do resultado desses embates a humanidade e a pessoa serão obrigadas a tomar uma determinada direção. Ninguém poderá permanecer indiferente e neutro. Assim ocorre na nossa vida pessoal: percebemos de um lado que alguns sonhos se esvaíram e não voltarão, mas sempre aparecem outros. Percebemos que certas condições de existência e de convivência não podem mais continuar do jeito que vêm sendo conduzidas, mas criamos outras e com outras pessoas! Criamos e re-criamos sempre novas formas de vida e de existência, mas elas terão o rosto de quem toma a iniciativa e trabalha para dar uma determinada direção. Nós mesmos nascemos e morremos a nós mesmos permanentemente. O importante é não se deixar carregar pelas enxurradas dos acontecimentos da vida. Inclusive ‘os filhos das trevas’, aqueles que não desejam transformações e querem manter as coisas como estão para poder manter seus privilégios têm que trabalhar ocultamente para criar condições adequadas para que tudo fique do jeito que eles querem. 
João Batista não fazia parte desse grupo de pessoas acomodadas e conformadas e que agem na escuridão. Ele queria que o povo entrasse na dinâmica da mudança de vida, pois as condições em que vivia massacravam pessoas e sonhos. Ao mesmo tempo, João percebia que os tempos ‘estavam maduros’, ou seja, que aquela era a hora certa para produzir as mudanças desejadas. A missão de que ele sentia responsável era aquela de ‘ser voz que grita’ nos desertos da vida exigindo o fim da esterilidade e da improdutividade humana. E,  ao mesmo tempo, ser ‘testemunha da luz’, de forma que através dela sejam desmascarados os produtores de ‘trevas’. João tinha consciência que mesmo não sendo ele a Luz poderia preparar as condições para que a Luz verdadeira pudesse iluminar as novas praticas e os novos caminhos a serem trilhados. Nós somos uma mistura de trevas e luz. Nós também vivemos esse embate interior, mas ao nos definir e ao nos identificar com mais clareza com a ‘Luz verdadeira’ podemos optar por ser luz que ilumina caminhos, e que vence as noites escuras de tantos caminheiros errantes ainda escravos e desnorteados.  

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

FORA o deputado militar racista e fascista Bolsonaro!

"Há um sentimento geral no Plenário de que dessa vez o parlamentar exorbitou todos os limites toleráveis". A frase é da líder da Bancada Feminista na Câmara, Jô Moraes (PCdoB-MG), sobre as declarações do deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) direcionadas à ex-ministra dos Direitos Humanos e também deputada Maria do Rosário (PT-RS). Na terça-feira 9, Bolsonaro afirmou, durante discurso no Plenário, que não estupraria Maria do Rosário porque ela não merecia. Quatro partidos (PT, PCdoB, PSB e PSOL) apresentaram na quarta-feira 10 uma representação contra Bolsonaro por quebra de decoro parlamentar. Eles pedem a cassação do mandato do deputado do Rio de Janeiro. A aposta do grupo é que Bolsonaro seja punido como forma de a Câmara dar uma resposta à população. "Alguma punição sairá, talvez não a que a gente quer, mas alguma sairá, porque se não quem se desmoraliza não é o deputado, é a Casa", afirma Jô Moraes. Em 2003, Bolsonaro já havia dirigido ofensas semelhantes contra Maria do Rosário. Na época, não houve punição ao parlamentar. "Eu diria que essa Casa tem convivido com um certo grau de tolerância às agressões morais cometidas contra as mulheres", diz Jô Moraes. "Na legislatura passada foi a deputada Cida Diogo (PT-RJ) que sofreu agressão moral, e nesta a deputada Manuela D'Avila (PCdoB-RS), na Comissão de Justiça, a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-RJ) e agora Maria do Rosário", lembra. "Se costuma dizer: 'olha, isso é corriqueiro, ele perdeu a razão'", afirma a deputada. (Fonte: Carta capital)

Comentário: ajude a cassar o mandato desse maluco e vote no site abaixo:

https://secure.avaaz.org/po/petition/Conselho_de_Etica_da_Camara_dos_Deputados_Cassacao_do_Deputado_Jair_Bolsonaro_PPRJ/?nZzCceb

Índios Canela são vítimas de hepatite, coqueluche e influenza. Mais de 15 óbitos em poucos meses. SESAI omissa!

Professores Canela da aldeia Escalvado denunciaram segunda feira passada que diante dos surtos de hepatite e de gripe 19 indígenas faleceram em poucos meses. Entre elas 5 crianças. Eles afirmaram que há uma clara negligência da SESAI. A situação não é nova, mas apenas na última semana a equipe se deslocou para a aldeia. Segundo os professores, antes havia apenas técnicos de enfermagem no posto de saúde, sem medicamentos e sem médicos. Todos os professores ficaram indignados quando leram a parte do texto da nota técnica relativa ao surto em que diz que "nessa etnia a cultura tradicional ainda é preservada e seus costumes em alguns casos chocam com as metodologias da medicina moderna". Eles deixaram claro que a SESAI/DSEI/Pólo Base/Posto de saúde nunca se interessou em conhecer, se aproximar e dialogar com a dinâmica da sociedade Canela e muito menos trocar conhecimentos, inserindo os pajés nos trabalhos de saúde. Também reclamaram que não existe saúde preventiva, apenas aplicação de remédios (quando tem, o que é raro). E ainda fizeram um apontamento chocante: o de que os técnicos de enfermagem não se deslocam para aplicar medicação à casa dos doentes, que precisam andar longas distâncias (com gripe aguda, sem respirar mesmo) até o posto de saúde de duas a três vezes por dia para serem tratados. Eles concluem que a SESAI só está em campo com uma equipe multidisciplinar por causa do excesso de mortes, que poderiam ter sido evitadas antes. Mais de 300 Canela têm sintomas de coqueluche e ‘influenza’. O surto, além de Escalvado, já espalhou pela aldeia de Porquinho. A procuradoria da República está ciente da gravidade e aguarda-se algumas medidas para evitar o pior! 



sábado, 6 de dezembro de 2014

II de Advento - Fazer florescer o deserto que somos nós e que está dentro de nós! (Mc, 1,1-8)

O deserto não é somente um lugar geográfico. É, antes de mais nada, um lugar teológico e existencial. Nós mesmo vivemos num deserto. Nós somos um deserto ambulante. Incapazes que somos de acreditar que por trás de muitos sinais de morte e de desespero existe vida e esperança. No deserto da vida descobrimos que existem outras formas de vida variadas, mesmo que invisíveis aos nossos olhos. Seja Isaías que Marcos sabem disso e em seus escritos transfiguram o conceito-realidade teológica de deserto. Eles nos dizem que é como se fosse impossível para um seguidor do Reino construir uma nova realidade sem passar pelo deserto. Pela experiência da esterilidade existencial. Pelo vazio interior. Isaías se dirige aos seus patrícios que viviam como ele no exílio na Babilônia. Depois de quase 40 anos naquele deserto existencial e social suas vidas estavam ficando insossas. Eles tinham virado um aglomerado humano de conformados, sem auto-estima e no claro perigo de esquecer suas raízes e as bases do sonho coletivo de possuir uma terra livre e farta. Isaías intui que os tempos estavam mudando. Outros países estavam aparecendo no cenário político e ele prevê o desmoronamento de Babilônia. Era preciso, portanto, dar força e infundir coragem aos exilados para que não perdessem a força do sonho de voltar à sua terra natal. Nem que tivessem que enfrentar, mais uma vez, o deserto. Mas agora, a experiência daqueles anos de deserto interior, de falta de sonhos e de tristeza coletiva, deu uma nova estrutura humana e espiritual àquele povo. Agora, estaria pronto para encarar as asperezas do caminho e sobrevir às durezas de um novo deserto, sem se entregar e sem querer voltar atrás. Longe de fugir do deserto da vida esse mesmo povo abriria no seu coração novos caminhos, encontraria nele novas formas de convivência humana que antes era incapaz de vislumbrar. 
Paradoxalmente, nós também para compreender a importância da vida e da nossa capacidade de nos doar e lutar pela vida, é necessário fazer a experiência das tentações, das tribulações, das ameaças e dos percalços que só um deserto oferece. O caminho largo e fácil a ser percorrido não é uma boa pedagogia para o construtor do Reino. O próprio João descobriu isso. E foi no coração do deserto, em plena incapacidade de produzir frutos de transformação e de justiça que ele convoca o povo. Convoca-o a ‘repetir a experiência do deserto’. O mesmo caminho percorrido pelos seus antepassados. A iniciar a partir do aparente ‘vazio interior’ uma nova caminhada de conversão, produzindo novas atitudes de humanidade e compaixão. É no deserto que Jesus também começa um novo itinerário. É lá que compreende que o deserto não é o lugar da morte e da esterilidade. Jesus aposta na multiplicidade de projetos de vida de pessoas que não se assustam mais com seu deserto interior e com o que vem engolindo vidas. Aposta e acredita naqueles que aceitam o desafio de transformar  os desertos da humanidade e fazer florescer o que parece abandonado e esquecido. E dar vida ao que está murcho e agonizante.  

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Advento - Liga-se com a realidade, enfrente acordado a noite da vida e construa um novo dia de luz para todos! (Marcos 13, 33-37)

Para uma pessoa avoada e desconectada da realidade tudo se torna mais difícil e complexo. Ela encontra dificuldade de perceber para onde andam as coisas, ou seja, onde estão as suas chances de crescer, humana e profissionalmente. Onde deveria mudar e assumir novas atitudes, e fazer novas opções de vida em todos os campos.  O desligado deixa que a vida o leve. Pouco ele faz para que a sua vida assuma o rumo que ele mesmo quer lhe dar. A sua incapacidade de analisar e pensar o deixa no escanteio de tudo e de todos. Dessa forma serão sempre os outros a lhe dizer o que deve e o que não deve fazer. E ele se submeterá passivamente para somente cumprir. O evangelho de Marcos com o qual se abre o período do Advento nos alerta que a postura do cristão, do todo homem e mulher maduros, é a de vigiar, de se ligar! Não só, mas de vigiar principalmente durante a noite porque é ‘à noite’ que aparecem os principais desafios e tentações, mas também as ‘oportunidades’ únicas! É claro que Marcos fala da noite da vida. Dos momentos de escuridão existencial e desânimo. De pouca lucidez em enxergar os caminhos a serem trilhados. De tentação em se entregar ao sono-inconsciência da vida. Evidente que ao caminhar em plena luz tudo pode se tornar mais fácil. Mas a luz do dia, para ele, é mais uma conquista por ter superado as tentações das trevas noturnas e ter encontrado um rumo e sentido na vida do que uma conseqüência lógica do fim natural da escuridão. Marcos, longe de querer apavorar os seguidores de Jesus com ‘ameaças’ da ‘vinda próxima e inesperada de Jesus – como um ladrão e um juiz desejoso de flagrar os infratores, - nos oferece, na prática, dicas concretas de como viver o cotidiano na nossa comunidade na esperança ativa e construtiva para fazer brilhar a luz do novo dia para todos. 

O seguidor de Jesus é a pessoa que vive permanentemente conectado com os acontecimentos e as pessoas. Analisa seu sentido profundo, se articula, coordena tarefas e missões (servidores e porteiros). Procura, diuturnamente, sem omissões e sem medo, interferir e modificar a realidade de acordo com os valores evangélicos. O cristão tem consciência que isso é uma missão árdua e difícil. Que a tentação de relaxar e desistir é imensa. Que diante da demora das mudanças desejadas aparece o fascínio da ‘espera acomodada e segura’, pensando intimamente que outros poderão fazer por ele. Que, afinal, ele também tem seus problemas familiares e profissionais, e pensa que não cai o mundo se ele der uma cochilada. Ledo engano nos diz Marcos: é nessa hora que ele perde a grande oportunidade da vida para ser uma pessoa nova, com uma poderosa estrutura humana e de fé para construir ‘luz’ para ele e para todos. Na vida, de fato, parece ser sempre assim: no único momento em que bobeamos a desgraça acontece! Marcos nos diz que é por isso que não podemos desligar sob pena de deixar que a luz do ‘novo dia’ brilhe e dissipe definitivamente as trevas da indiferença, do medo, do egoísmo e da intolerância da vida.  

Amanhã dia 3 de dezembro STF volta a julgar o futuro dos territórios dos quilombolas.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3239 voltou à pauta de julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) da próxima quarta-feira, 3 de dezembro. A ADI 3239 foi proposta em 2004 pelo então Partido da Frente Liberal - atual Partido Democratas (DEM) - objetivando a declaração de inconstitucionalidade do Decreto n.º 4.887/2003 que regulamenta o procedimento para a titulação as terras ocupadas por comunidades dos quilombos. A ADI faz parte de uma ofensiva de interesses conversadores que tentam obstaculizar a efetividade do direito dos quilombolas à propriedade de suas terras.  A eventual declaração de inconstitucionalidade do decreto pode agravar um cenário que já é bastante preocupante. 

Até hoje, somente 5,7% das famílias quilombolas no Brasil contam com terras tituladas e dessas algumas apenas parcialmente regularizadas. Os mais 1.400 processos em curso no Incra podem ficar paralisados no vácuo das regras para continuidade dos procedimentos. Em 18 de abril de 2012, foi iniciado o julgamento da ADI com o voto do então ministro Antônio Cezar Peluso, relator, pela inconstitucionalidade do decreto questionado. O pedido de vista da ministra Rosa Weber interrompeu a sessão de julgamento, que agora retorna à pauta do STF.Dentre as alegações do DEM está a de inconstitucionalidade formal do decreto por inexistência de lei que lhe confira validade. Questiona-se também a adoção do critério de auto definição para identificar as comunidades remanescentes de quilombos e da possibilidade de se desapropriar áreas para garantir a regularização das terras quilombolas. Já a constitucionalidade do decreto é defendida pela Advocacia Geral da União, pela Procuradoria Geral da República e por diversas ONGs e órgãos do governo. A constitucionalidade do Decreto 4.887/2003 vem sendo reconhecida pelo Poder Judiciário em outras instâncias. (Fonte: Comissão Pró-índio)