terça-feira, 29 de junho de 2010

Criança de Imperatriz com leucemia morre no ônibus, a caminho de São Luis à procura de tratamento

Ontem, dia 28 de junho, uma criança de dois anos, proveniente de Imperatriz e doente de leucemia, veio a falecer num ônibus ao entrar na cidade de Açailândia. Os pais, por causas ainda desconhecidas, haviam decidido buscar uma extrema solução em São Luis - que dista cerca de 600 km. de distância, – num transporte público. Ao chegar à rodoviária de Açailândia foi acionada imediatamente a polícia, mas na cidade não se conseguiu sequer uma ambulância ou outro meio para transportar o corpo inanimado da criança e de seus pais que a acompanhavam. O próprio vice-prefeito acionado por algumas pessoas informou que a única ambulância existente na segunda cidade mais rica do Estado (Açailândia) se encontrava, ironicamente, em Imperatriz.

A administração pública de Imperatriz parece continuar a dar provas da sua incapacidade de viabilizar os atendimentos básicos à saúde pública da cidade. É difícil entender e aceitar que em 2010 na segunda maior cidade do Estado não se tenha dado um encaminhamento diferente, antecipando a tragédia.

Ainda repercutem na nossa memória as denúncias veiculadas pelo Jornal Nacional alguns meses atrás em que foi escancarado à nação o caos na saúde pública do município, principalmente a falta de vagas disponíveis na UTI local. A segunda maior cidade do Maranhão não possuía UTIs suficientes para atender às demandas básicas da população. Várias crianças haviam falecido e outras tiveram que ser removidas e transferidas para outros hospitais. O Ministério da Saúde e o Governo do Estado tiveram que intervir prometendo ajuda e assessoria para melhorar as condições dos hospitais públicos de Imperatriz.

Parece que os administradores públicos das cidades de Imperatriz e Açailândia tenham dificuldade de perceber que a população aumentou simultaneamente com as novas demandas por saúde. Preferem manter as mesmas obsoletas e insuficientes estruturas sanitárias de 20 anos atrás, apostando no atendimento de outros hospitais e porque, afinal, eles mesmos ao adoecerem têm jatinho para São Paulo!

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Deixe os mortos enterrarem a si mesmos! Tu vens e anuncia a Realeza de Deus! (Lc.9, 51-62)

Ao longo da vida podemos ter a sensação de ver desmoronar o universo de valores, crenças e um conjunto de experiências de vida que dão sentido ao nosso existir. A sensação de nadar contra correnteza, de ser minoria ínfima e insignificante que caminha na contramão. Diante disso podemos assumir duas posturas principais: a primeira é a de largar tudo e entrar na onda da maioria adaptando-nos e conformando-nos ao senso e agir comum; a outra é a de começar a procurar outras pessoas que compartilham conosco as nossas visões e opções de vida que levem adiante aquilo em que nos cremos!

Lucas nos descreve o pior momento vivenciado por Jesus na sua missão evangelizadora. Ele avalia que a sua missão na Galiléia, - em que pesem os êxitos pontuais obtidos - havia fracassado. Acolá não havia mais nada a acrescentar e a conseguir. A força-tarefa que queria organizar em favor da Realeza de Deus havia redundamente falido. "Os beneficiados" e os convocados por ele não haviam compreendido a urgência do seu apelo e não o haviam acolhido. Só lhe restava deixar um último sinal para a cidade de Jerusalém. Não tanto uma aposta na sua mobilização quanto um extremo gesto profético ao povo e aos dirigentes: morrer sem abrir mão do seu sonho de que Deus insistia ainda em lhes oferecer graça e não desgraça.

A partir dessa nova consciência, Jesus concebe o seu futuro imediato como uma urgência urgentíssima, inadiável, um caminhar incansável e insistente em busca de novos seguidores. Jesus parece perceber que o tempo se esgotou e que se não conseguir outros adeptos o sonho morreria com o seu sonhador. Ao mesmo tempo, porém, deixa claro que eles deverão possuir uma estrutura humana capaz de segui-lo no caminho para o calvário de Jerusalém e oferecer a Israel, como ele pretendia fazer, o extremo sinal.

Lucas apresenta 3 exigências para o seguimento de Jesus nessa nova fase de vida. São condições que parecem responder a modelos padronizados, - com boas probabilidades adotados para os catecúmenos - mas que, no fundo, respondem coerentemente à prática histórica de Jesus de Nazaré.

1. "Deixa que os mortos enterrem seus mortos. Tu vens e anuncia a Realeza de Deus". Como o Deus de Jesus é o Deus dos vivos e não dos mortos, é bastante evidente que Jesus está deixando claro que a sua missão extrema, agora, é para com aqueles que ainda podem manifestar abertura e adesão ao seu apelo (os vivos) e não mais com aqueles que o recusaram (os mortos). Esgotou-se o tempo de querer recuperar quantos já manifestaram uma clara rejeição à pessoa e à mensagem de Jesus. Que eles se enterrem a si mesmos! O Reino de Deus não pode esperar mais por eles!

2. "As raposas têm tocas e os passarinhos têm ninhos, mas o filho do homem não tem onde repousar a cabeça". Jesus sempre foi honesto e realista com os que queriam segui-lo. Nunca lhes prometeu vantagens, segurança econômica, proteção e reconhecimento público. Antes o contrario: deixou claro que encontrariam cruz, insegurança e perseguição. Com isso Jesus nos oferece a identidade do verdadeiro discípulo: é aquele que agüenta o ‘tranco’, que aceita e entra no ‘que der o vier’, destemido, generoso e corajoso.

3. "Aquele que põe mão no arado e se arrepende (olha atrás, ao seu passado) não é apto a anunciar o Reino". Ser seguidor de Jesus não é uma opção pontual e circunstancial, seguindo os ventos das conveniências pessoais ou de grupo. É uma escolha radical de caráter irreversível. Olhar atrás, ao seu passado, ao que ele era antes de fazer a sua opção em favor do Reino, seria a prova clara de que o seguidor, na realidade, não passava de um nostálgico oportunista que diante das primeiras dificuldades e provações abria mão de uma opção tão necessária para o sucesso da Realeza de Deus.

Os próprios afetos familiares tão essenciais e indispensáveis para a realização humana das pessoas deviam ser entendidos e vivenciados à luz da construção de uma ‘família maior’, a família humana do Reino de Deus que estava para nascer graças à sua adesão.

sábado, 19 de junho de 2010

O verdadeiro conhecimento de Jesus se dá mediante a experiência da cruz! (Lc.9,18-24)

Descrever o que ‘os outros ‘ pensam sobre uma determinada pessoa ou realidade é relativamente fácil. No máximo, pode-se correr o perigo de reproduzir suas opiniões de forma incompleta e parcial. Difícil é ‘nós mesmos’ dizer o que realmente pensamos sobre pessoas e realidades. Isto nos expõe e nos revela. Podemos nos esconder atrás de opiniões vagas e genéricas, ou até reproduzir o que ‘outros’ falam sob uma maquiagem de ‘pensamento pessoal’, mas, mais cedo ou mais tarde, a máscara cai. De qualquer forma iríamos nos revelar: ou autênticos, ou falsos e aproveitadores!

Expressar com sinceridade o que pensamos sobre uma pessoa acaba revelando também o tipo de relação que possuímos com ela, o que ela significa para nós, a sua importância na nossa vida. Admirar uma pessoa, por exemplo, significa admirar também os seus projetos de vida, os seus valores, os seus sonhos, as suas opções de vida. Não podemos ignorar, tampouco, que na hora de nos manifestar sobre uma determinada pessoa podemos ser fortemente condicionados por várias circunstâncias. Pode ocorrer, de fato, que a pessoa que admiramos, naquele momento, seja objeto de perseguição, de calúnia e difamação por parte de outras. Como seria a nossa reação e opinião sobre ela numa circunstância dessas? Assumiríamos, por exemplo, a nossa amizade e admiração para com ela, ou teríamos medo de revelá-la, temendo conseqüências imprevisíveis? É nessas hora que se vê a verdadeira amizade e amor para com uma pessoa.

O evangelho hodierno de Lucas enfrenta de forma explícita a relação e a compreensão que os discípulos/comunidades cristãs tinham a respeito de Jesus justamente numa situação de perseguição. Afinal, relatar o que os outros achavam a respeito de Jesus não implicava maiores responsabilidades para os discípulos e comunidades. Tampouco se esconder atrás de ’fórmulas dogmáticas’ já consolidadas pela tradição (tu és o Cristo!) não significava assumir publicamente a amizade e a admiração pessoal para com Jesus. Se assim fosse era preferível ficarem calados, e não divulgar! A questão central era conhecer Jesus e segui-lo mediante a experiência da cruz, renunciando a projetos e ambições pessoais.

Jesus, ao afirmar que o esperava um futuro repleto de rejeição, de perseguição e morte, queria apontar para os seus seguidores/admiradores de que O conheceriam de verdade somente se eles também fizessem a sua mesma experiência de sofrimento. Não estava com isso proclamando uma ‘religião do sacrifício e da mortificação’, ao contrário, estava sabiamente alertando de que a coerência e a fidelidade a uma pessoa/projeto de vida passa necessariamente por situações limites, de provação, de angústia e de cruz.

Uma pessoa que se diz seguidora e discípula de Jesus, e que só fica a repetir mecanicamente que Ele é o Salvador, o Enviado do Pai, o Filho de Deus, o Senhor da nossa vida - sem ser Seu parceiro solidário nos calvários da vida, deixando morrer dentro de si a sua empáfia e arrogância de se sentir o ‘salvador’ do mundo – não tem estrutura moral e humana para salvar e se salvar das conseqüências do seu oportunismo hipócrita. A sensação de salvação e vitória inicial pode se transformar mais adiante na comprovação real de fracasso humano.

Morre Saramago, o ateu que só falava de Deus!

Morreu Saramago o grande escritor português, e prêmio Nobel da Literatura, após muitos anos de espera. Escritor polêmico, comunista, anti-clerical, ateu. Sabe-se que o Vaticano ao receber a notícia que Saramago havia recebido o prêmio Nobel de literatura liquidou o acontecimento afirmando que ‘Saramago é um comunista inveterado’ – como se isso não fosse condição para ser um bom escritor!

Nós brasileiros, inclusive eu, naturalizado, o conhecemos não somente pela sua produção literária, mas pelo seu compromisso e ligação que tinha com os grandes movimentos sociais nacionais e com as grandes causas da justiça e da equidade. Só isto basta para fazê-lo um grande.

Quanto ao ’problema DEUS’ que permeia a sua obra, não há como separar o escritor do ‘deus’ que ele mesmo cria quase que a persegui-lo constantemente. Na medida em que o escritor lhe atribui inúmeras facetas – reproduzindo, no fundo, o ‘deus deformado’ (autoritário, egoísta, cruel, desumano...) de uma religiosidade clérigo-patriarcal moralista– Saramago acaba afirmando-o e tornando-o presente na vida dos humanos.

No fundo, é como se o escritor dissesse aos seus leitores: ‘ Não acreditem no deus de que eu falo. Pensem e acreditem no deus que age de forma contrária a quanto descrevo!’. Afinal, o ateu Saramago, pela via negativa, nos deixou provas tangíveis do que significa acreditar em Deus, hoje! Agora, ele terá que contemplar Deus ‘face a face’, por toda a eternidade. Era ‘essa chatice’ que ele queria evitar, como disse numa bela entrevista na tevê Cultura! Graças a ele a língua lusitana escreveu o seu nome no álbum dos ‘imortais’!

domingo, 13 de junho de 2010

A mulher, pecadora e sem nome, revela com um gesto de amor, a misericórdia de Deus!

Há encontros que deixam marcas indeléveis. Olhares que mexem por dentro. Toques que fazem vibrar. Silêncios que expressam uma profunda intensidade de sentimentos. Gestos que a distância de anos nos comovem.

Nós humanos não nos comunicamos somente a partir da linguagem falada. Não vivemos somente sob o domínio da palavra. A palavra, às vezes, camufla, distorce e esconde sentimentos e intenções. Nós humanos nos relacionamos e nos abastecemos graças a uma pluralidade de linguagens: gestuais, afetivas, simbólicas, subliminares e outros.

Lucas no seu intuito de apresentar/justificar a escolha de Jesus de fazer comunhão e conviver com os impuros e rejeitados da sua sociedade elabora uma verdadeira aula de vida de uma beleza literária sublime. Nela predominam os gestos e os sentimentos, muito mais do que as palavras. Os símbolos muito mais do que as elucubrações racionais.

Jesus, o ‘Rabi’ que não é reconhecido como tal pelos demais rabi da época, aceita o convite de visitar um fariseu notório, e tomar refeição na sua casa. Um gesto que manifesta mútuo respeito e estima, em que pesem as divergências religiosas entre os dois. O sentar à mesma mesa e comer o mesmo alimento manifesta a vontade de fazer comunhão com a pessoa que convida, em pé de igualdade, sem discriminação. Este é o cenário que Lucas constrói: a casa de um fariseu legalista, ligado ao templo e às normas, mas ao mesmo tempo, aberto em fazer comunhão com o Mestre amigo dos publicanos e das prostitutas das quais ele mantém as devidas distâncias.

Algo, porém, vem por à prova a aparente tolerância do fariseu: uma pecadora sem nome, mas notória, irrompe na sua casa. O espaço inviolável do legalista e ‘puro’ fariseu é subitamente ‘profanado’ por uma ‘impura’ sem nome. Ela pode ‘tornar impuros’ quantos entrarem em contato com ela. A pecadora sem pronunciar uma só palavra se joga aos pés de Jesus o Rabi, os banha com as lágrimas da confiança, os enxuga com cabelos da esperança e os perfuma com o aroma do amor verdadeiro.

Jesus, diferentemente do fariseu, se deixa tocar, não só fisicamente, mas também no profundo do seu coração. Não teme o contato físico de uma mulher pecadora – o que era algo inédito para a época - e nem teme os julgamentos dos convivas. Jesus, o homem livre que não discrimina, aceita se tornar aos olhos deles mais um ‘impuro’ que senta à sua mesa para quebrar as suas atitudes de arrogância e intolerância. Jesus não se envergonha em se comover diante de um ‘toque de amor’ de uma impura, pois Ele sabe compreender o seu desespero ao se sentir condenada e julgada pelos ‘falsos puros’ legalistas e sem misericórdia.

O amor profundo que a pecadora manifesta para com Aquele que a sabe compreender e acolher sem julgá-la desmascara a aparente jovialidade inicial do fariseu e expõe a sua intolerância. O fariseu anfitrião acaba se sentindo, ele próprio, ‘excluído’ na sua própria casa/templo por ter julgado quantos fazem da misericórdia um sacramento da verdadeira presença de Deus na vida dos humanos. Um simples, mas intenso gesto de amor de uma ‘impura’ revelou mais do que as rubricas litúrgicas das tradições religiosas o próprio amor de Deus.

Jesus lembra indiretamente a proclamação profética de Isaias ' misericórdia eu quero, e não sacrifícios'. Afinal, a mulher, pecadora e sem nome, pode ter o nome de qualquer um de nós!

sábado, 5 de junho de 2010

'Levanta-te'! Viva! (Lc. 7, 11-17)

Ao longo de quase 4 intermináveis anos, na década de '90, frequentemente sonhava que caminhava por uma estrada infinita ou que me encontrava dentro de uma igreja ou de um templo enorme, e via grandes concentrações de pessoas a velar um corpo deitado dentro de um caixão. Inicialmente não entendia o porquê daquela concentração de pessoas, mas à medida que abria espaço entre as centenas de pessoas amontoadas descobria que era um caixão contendo uma pessoa, em geral desconhecida. Às vezes o caixão estava sem cobertura, outras vezes estava fechado com a clássica tampa. Quando assim se encontrava, exigia que as pessoas a retirassem para poder identificar o finado.

Percebia que as pessoas atendiam ao meu pedido. Começava a fixar intensamente aquele corpo sem vida. Imediatamente o morto começava a abrir os olhos e me olhava com um olhar intenso e suplicante, mas só eu percebia. Começava a alertar as pessoas que o morto estava vivo, mas ninguém me dava atenção. Chamava um e outro para que olhassem para dentro do caixão e comprovassem que era verdade, mas ninguém ligava. Improvisamente, num gesto surpreendente me acercava mais ainda do finado, estendia a minha mão, e ele me oferecia a sua, até se encontrarem, e com firmeza o puxava para fora do caixão. Só nesse momento, já fora do caixão, as pessoas percebiam que o caixão estava vazio e que aquele corpo agora com vida já se encontrava no meio deles. E todos faziam festa pela vida devolvida. Ao ler o trecho que a liturgia hodierna nos propõe (a vida devolvida ao filho da viúva de Naim) não posso esquecer desses sonhos que me acompanharam ao longo de vários anos, e que tentei interpretar de diferentes maneiras.

O nosso desejo profundo de estarmos sempre ao lado das pessoas queridas e amadas se confunde frequentemente com a nossa revolta em não aceitar que um dia isso pode acabar. A morte, pelo menos na nossa cultura ocidental, é quase sempre vista e vivida como tragédia, como uma intervenção externa e alheia ao processo existencial humano. Uma dramática interrupção da vida que, supostamente, deveria ser perpétua. Vida e morte, amor e ódio são duas faces da mesma e única moeda. Nós somos vida e morte ao mesmo tempo, existência e negação, permanentemente.

Jesus, ao devolver a vida ao jovem de Naim acabou mostrando à mãe dele, viúva que já havia perdido uma outra pessoa querida, e a todos os presentes, que nós somos chamados a devolver esperança e motivação a todas as pessoas que fizeram alguma experiência 'de morte', de desespero, e falta de perspectivas. Não se trata de 'revitalizar um cadáver', pois não foi isso que Jesus fez. Trata-se de perceber que existem pessoas, - aqui representadas simbolicamente por um órfão morto e por uma viúva desesperada, ou seja, as categorias mais fragilizadas segundo a bíblia - que os seguidores de Jesus são chamados a oferecer condições para que possam refazer uma nova existência. Numa linguagem religiosa: ajudar a renascer, a ressurgir!

Não há como ignorar o alto número de 'mortos vagantes', de desesperados e desmotivados nas estradas e cidades desse planeta a procurar que alguém se aproxime, e sem medo os toque e lhes diga: 'Levanta-te'!

Que os sonhos se tornem realidade!

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Brasil:economia pujante, velhos vícios...na Amazônia!

De vários cantos surgem sinais preocupantes sobre aparentes indícios de retomada do crescimento do desmatamento na Amazônia, com a agravante de se estar ingressando numa conjuntura econômico-política favorável a esse desdobramento", alerta Washington Novaes em artigo reproduzido pelo IHU.

De vários cantos surgem sinais preocupantes sobre aparentes indícios de retomada do crescimento do desmatamento na Amazônia, com a agravante de se estar ingressando numa conjuntura econômico-política favorável a esse desdobramento. Em março de 2010, a taxa de desmatamento foi 35% maior que a de 2009, segundo o Imazon. E de agosto de 2009 a fevereiro de 2010, foi 23,7% mais alta. Em janeiro último, por exemplo, a taxa foi 26% maior que um ano antes. Até que se colocassem esses dados, a postura oficial parecia otimista, com a informação de que havia caído em 51% a taxa de desmatamento de agosto de 2009 a fevereiro de 2010 (Estado, 9/4). Para complicar um pouco mais, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais diz que, de janeiro a fins de maio, cresceram 117,2% as fontes de calor (queimadas) detectadas principalmente em Mato Grosso (3.617, ante 1.665).

O retorno das taxas crescentes vem sendo atribuído a três fatores: 1) Retomada do crescimento da economia; 2) conivência política, em ano eleitoral; e 3) dificuldades na fiscalização, inclusive com a greve na área do Ibama (este último apontado pela direção desse instituto). E ela vem em seguida ao período de menor taxa de desmatamento desde 1988 - embora na última década a média do desmatamento tenha chegado a 17,6 mil km2. Em 2009, ano mais favorável, a produção de madeira na Amazônia havia caído 46% (Estado, 16/5), de 26 milhões de m3 para 14 milhões, segundo o Serviço Florestal Brasileiro e o Imazon. Uma das evidências de que esses caminhos de fato têm pesado está na notícia da prisão de uma quadrilha fraudadora de licenças para desmatamento e venda de madeira em Mato Grosso, com a participação de figuras que haviam sido importantes no governo e no licenciamento no Estado. Por esse caminho foram retirados ilegalmente 1,7 milhão de m3 de madeira de 100 áreas indígenas e 20 unidades de conservação.

Também preocupante, nesta hora, é que o governo federal insista no caminho de licitar florestas públicas para gestão "sustentável" de empresas privadas. Agora, em 364 mil hectares na Floresta Nacional do Amaná, no Pará (Estado, 7/4). É uma área onde campeiam a extração ilegal de madeira e a pecuária em áreas invadidas, além de garimpos de ouro (32), em meio a uma população muito pobre (40% do total, segundo o IBGE). A licitação de florestas, como já foi escrito neste espaço muitas vezes, é caminho altamente problemático, condenado por especialistas do porte do professor Aziz Ab"Saber, da USP, que mostra haver ele conduzido vários países à perda de suas florestas; do almirante Ibsen de Gusmão Câmara, especialistas em biodiversidade, segundo quem é alternativa que leva à decadência e perda da diversidade biológica, pois, retirando os melhores espécimes de cada lote, instaura-se um processo de evolução às avessas, partindo dos mais fracos; e tecnicamente inviável, de acordo com o professor Niro Higuchi, pois não seria possível escolher em cada um dos lotes a serem explorados em um ano (para só voltar a ele 30 anos depois) os melhores espécimes, já que para isso seria preciso conhecer, em cada área, todos os exemplares, uma vez que o tempo de maturação de cada um é muito diferente (e corre-se o risco de explorar espécimes ainda imaturos). Há muitos outros argumentos - nunca respondidos -, mas pode-se ficar com esses.

Não bastasse, não se consegue avançar com o zoneamento ecológico/econômico da Amazônia, que pretende proteger 1,7 milhão de km2 no sul do bioma - embora admitindo obras do PAC até em áreas de conservação, pavimentação da Rodovia Transamazônica, criando facilidades na BR-316 (iniciativas sob fortes restrições em várias áreas). Sem falar que já se reduziram de 80% para 50% as áreas de reserva legal a serem recompostas ao longo da BR-163.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Corpus Christi:corpus homini!

É sabido que os Tupinambá e muitas outras etnias em diferentes continentes desse planeta praticaram a antropofagia. Eram vulgarmente chamados de canibais. Os nossos Tupinambá não necessitavam certamente de carne humana para se alimentarem, considerada a riqueza de caça existente em suas matas. Era uma antropofagia cultual. Ingeriam a carne/corpo do ‘inimigo’ mais valente e corajoso que havia sido preso durante uma batalha. O intuito era incorporar e se apropriar simbolicamente de seus valores e qualidades. O próprio ‘preso’ sabia disso, e dificilmente tentava fugir do seu cativeiro que, em geral, era um espaço acolhedor e cercado de muitas atenções. Afinal, a ‘futura vítima’ devia ser bem tratada, pois não era um ser comum, mas era um ‘alguém a ser imitado e seguido’.

Os cristãos católicos vêm adotando há cerca de 2.000 anos a ‘comunhão’ com o seu Fundador mediante a ingestão de pão devidamente consagrado numa liturgia eucarística. Não se trata evidentemente de antropofagia. Existe, contudo, a mesma convicção de que ao ingerir o pão consagrado estariam incorporando, simbolicamente, os valores, os ensinamentos, o projeto de vida, as opções de Jesus de Nazaré.

É crença comum que ‘naquele pão’, consagrado por um presbítero, estaria ‘realmente presente’ o próprio Jesus, atribuindo a essa expressão quase que um poder ‘histórico’. Ou seja, enfatiza-se sobremaneira a palavra-conceito ‘real’ quase que para significar que o próprio Jesus histórico (a pessoa histórica de Jesus) estaria naquele pão-corpo. O presbítero, e somente ele, mediante um ‘poder específico’ e através de uma fórmula devidamente pronunciada estaria ‘operando uma transformação’ quase que material de tornar ‘presente’, naquele momento, o Jesus histórico. E isso é impossível e irreal!

Esquece-se que o pão consagrado é um ‘significante’, ou seja, um ‘sinal/sacramento/semeion’, que aponta para um ‘significado’ maior, nesse caso específico, a prática ético-humana de Jesus de Nazaré. É essa que tem que ser ‘incorporada/ingerida’ simbólica e historicamente.

Mas o ‘Corpus Christi’ que hoje celebramos aponta também para outras dimensões historicamente pouco valorizadas pela tradição católica: o corpo e não somente a ‘alma’ deve ser objeto do nosso respeito e veneração. Os corpos veiculam, embora de forma imperfeita, a imagem e a sacralidade do Criador. A ênfase que se tem dado à salvação da ‘alma’ em detrimento da ‘salvação do corpo’ tem gerado distorções e perversidades teológicas e humanas.

‘Adorar’ o corpo de Cristo não significa simplesmente ‘adorar uma hóstia’ colocada num vistoso e dourado ostensório, mas significa reconhecer que toda pessoa corpórea/hóstia real é espaço que acolhe e manifesta a presença ‘do Espírito’ do Criador. Os corpos humanos são ‘o templo do Espírito’. Profaná-los, violentá-los e torturá-los significa profanar o ‘espírito’ que não vive separado de um ’corpo’. Toda vez que vemos corpos dilacerados e deformados deveríamos nos sentir escandalizados e indignados e motivados a promover atos de ‘desagravo’, pois aí sim, concreta e historicamente, ‘as hóstias humanas’ sacramentos do Pai, são profanadas e negadas’!

Finalmente, reconhecer a presença simbólico-real de Cristo no pão significa tornar-se instrumento de superação da fome e de toda exclusão aos bens da vida. Significa, afinal, nós mesmos sermos ‘pão/hóstia’ que alimenta, sustenta, e gera vida.