sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Sexta palavra – Não cometerás adultério!

Faz sentido ainda proclamar um mandamento que proíbe o adultério sabendo que os índices de infidelidade, seja dentro do casamento, bem como entre os que convivem, alcançam, hoje, níveis jamais vistos? O que está em jogo, de fato, nessa sexta palavra? O seu pano de fundo é a situação de pós-escravidão do povo de Israel em que era preciso restabelecer a solidariedade interna do clã e da família que havia sido dilacerada pelos abusos de todo tipo do sistema do Faraó. Era preciso garantir a dignidade e o respeito às mulheres, principalmente, que vinham sendo violentadas e sequestradas como preciosas mercadorias para reproduzir filhos a serem utilizados como mão de obra pelo ‘seu pai-patrão’. Era a tentativa de reconhecer igual dignidade e valor entre homem e mulher. Era, enfim, a tentativa de valorizar a sexualidade na sua amplitude, e não banalizá-la, como vinha acontecendo. A palavra imperativa ‘Não cometerás adultério’ é, nesse sentido, muito mais abrangente do que a simples proibição de manter relações sexuais extraconjugais que, para a cultura da época, não escandalizavam. Ela significa, de fato, não trair o projeto de reciprocidade e de mútua colaboração e respeito que o casal escolheu para si dentro de um determinado grupo. É compreender que manter relações sexuais com uma pessoa não é simplesmente ‘transar’, e sim, cultuar mediante o afeto e a ternura o divino amoroso que está no outro. É exercer a ‘liturgia dos corpos’ que amam e se acolhem reciprocamente, como bem dizia o papa João Paulo II. 

Nesse sentido não poderia ser considerado um homem fiel, por exemplo, aquele que, mesmo sem trair fisicamente a própria esposa, pratica contra ela a violência e o machismo estúpido. Não é simplesmente porque alguém ‘deu uma escapadinha’ que pode ser considerada adúltera e infiel, mas, principalmente, quando deixa de viver com intensidade o amor em todas as suas dimensões para com o seu parceiro/a. É por isso que Jesus de Nazaré, ao rejeitar o legalismo farisaico e machista, tenta recuperar o projeto inicial de Deus: ‘o homem e a mulher formam um só corpo’ (Mt.19,8). Diante da facilidade e da leviandade com que um homem podia repudiar a sua mulher, - e não somente em caso de adultério, - Jesus recorda que Deus havia criado ‘homem e mulher’, - os dois, simultaneamente, - à sua imagem e semelhança, ‘chamando-os à existência por amor e para amar’ (Nº47 –Doc. 79 da CNBB). Jesus não se refere somente ao ‘casal em si,’ - num mero contexto de matrimônio formal, - mas à comunhão profunda de respeito e simbiose que deve existir nas relações humanas e sociais entre os homens e as mulheres. Frequentemente, coloca-se a traição física, como uma das suas principais ameaças à família. Não há como negar que a infidelidade física deixa marcas indeléveis na pessoa traída, - mas é preciso compreender que, hoje, por exemplo, comete adultério todo aquele que domina, escraviza e trafica seres humanos. Trai o projeto de Deus todo aquele que manipula, assedia e brinca com os sentimentos do outro. Cometem adultério aqueles que promovem e disseminam a indústria pornográfica e erótica, vulgarizando a sexualidade que é dom maravilhoso do Amor Supremo. Cometem adultério todos aqueles imbecis brutamontes, - como o deputado Bolsonaro, por exemplo, - que incentivam o estupro, o racismo e a intolerância mais abjeta. A respeito da sexta palavra a igreja, ao longo dos séculos, modificou positivamente o seu pensamento. Passou de uma visão restritiva, dualista e moralista da própria sexualidade, para uma visão mais profunda e unificada. Ela vem agindo muito mais como mãe misericordiosa e compreensiva do que como juíza implacável que tem criado não poucos  sentimentos de culpa em muitas pessoas. Compreende que quando um projeto de amor e de reciprocidade construído por um homem e uma mulher vem sendo sistematicamente adulterado e rompido por uma das partes, os dois deixam de ser ‘sacramento-sinal’ do amor do Pai para com a própria humanidade. É necessário restabelecer esse sinal. Não faria sentido os dois permanecerem sob o mesmo teto quando não conseguem mais se doar um ao outro, e se amar ‘de corpo e alma’ como Jesus-esposo fez com o seu povo! (Esse blogueiro escreve todo mês no O Jornal do Maranhão da Arquidiocese de São Luis)

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