Introdução
Acreditamos que, desde o nosso ponto de vista, nesse último sexênio a nossa Província, jamais como hoje, foi catapultada numa inexorável encruzilhada ou, se preferirmos, num divisor de águas. E, simultaneamente, - como sempre ocorre em ‘situações-limite’ - ela pode, também, estar a mergulhar num ‘Kairós’ carregado de inéditas oportunidades e perspectivas jamais vislumbradas. A palavra-categoria ‘crise’ que, comumente, é utilizada para expressar situações problemáticas, conflituosas, indefinidas, etc. talvez não traduza, adequadamente, no nosso caso específico, a atual situação sociopastoral e identitária pela qual a Província Comboniana do Brasil está a atravessar. Seja o que for o que sentimos como inadiável é a urgência de tomarmos uma decisão que venha a recolocar a Província num trilho que, a nosso ver, por diferentes motivos e por mudanças estruturais na vida religiosa e eclesial, vem sendo, progressivamente, desmontado, a saber: a coragem, a ousadia e a capacidade sistemática e paciente de analisar, rever e requalificar, radicalmente, TODAS as nossas presenças missionárias nesse País. E adotarmos uma metodologia que seja capaz de nos oferecer, como produto final, um quadro claro, realista, sincero, coerente do que somos e do que queremos, aqui, agora, e num futuro próximo.
Contextualização e justificativa
Consideramos que a partir do esquema que nos foi encaminhado tendo em vista a condução da assembleia provincial, não há nem tempo suficiente (02 dias) e nem metodologia apropriada para enfrentarmos o que aqui abaixo propomos. A tradicional leitura de relatórios e o enfoque proposto não nos parecem adequados para responder ao tamanho dos desafios que a Província está a enfrentar. Parece-nos consolidada a constatação de que quase ninguém ao longo desses últimos 6 anos, ou melhor dito, desde a unificação das duas províncias, não produziu e não apresentou, formal e publicamente, um informe-relatório satisfatório do que vem sendo desenvolvido in loco, e a sua respectiva análise crítica e/ou autocrítica, bem como as possíveis perspectivas (região amazônica - ecologia integral- catadores e reciclagem - ribeirinhos – indígenas – afrodescendentes - paróquias combonianas – direitos difusos: adolescentes, pastoral carcerária, saúde mental – formação de base e permanente - animação missionária e vocacional...) e que, dificilmente, haverá chances de aprofundamento e de análise de dados para eventuais discernimentos e decisões quanto ao futuro de algumas dessas presenças na próxima assembleia de outubro. Considerado, também, que o Plano Sexenal elaborado e formalmente aprovado, desde o nosso ponto de vista não reflete a ‘realidade real’ da nossa Província por ela ter feito a escolha de manter um número excessivo de presenças e compromissos, e sem a devida análise de ‘disponibilidades e disposições pessoais’ e, não último, a ‘indecifrável incorporação ou não das ‘prioridades provinciais’ na dimensão pessoal e comunitária, achamos que é imprescindível e inadiável um amplo processo de escuta e de discernimento. Daí a necessidade de realizarmos algo mais sistemático e abrangente com o intuito de não somente elaborar um diagnóstico o mais exaustivo e coerente possível, mas colocar as bases para uma redefinição missionária no Brasil, tentando superar uma certa descaracterização da nossa prática missionária planejada e a genericidade de muitos dos nossos compromissos. Nesse sentido PROPOMOS que a primeira parte do ano de 2026 seja dedicada quase que exclusivamente para uma espécie de ‘fechamento por balanço’ ou, se preferirmos, para uma ‘ampla revisão qualificada, técnica, e objetiva’ dos nossos atuais compromissos e da sua possível continuidade, consequentes modalidades e recursos humanos necessários mediante visitas in loco, coleta documental do que existe e elaboração de um relatório final apontando falhas, incoerências organizativas, mas, principalmente formulando propostas concretas para dar continuidade ou não a uma determinada presença.
Algumas propostas operativas
Dito isso, vamos oferecer as nossas propostas operativas realistas, tendo presente, inclusive, a atual conjuntura marcada por um processo eletivo interno, já em curso, e uma consequente e possível troca de pessoas nas instâncias de coordenação (provincial, conselho, secretariados...). Aqui não se quer entrar, propositalmente, em muitos detalhes, pois em caso de aprovação, as equipes responsáveis poderão aprofundar e detalhar o processo todo. Nesse sentido propomos:
1. Até o dia 15 de janeiro de 2026 constituir três pequenas equipes e/ou comissões com a incumbência de visitar e conhecer de forma profunda todas as atuais presenças missionárias de acordo com a subdivisão geopastoral já em vigor. Haveria um primeiro momento presencial, coletivo, com todos os membros escolhidos em que se estabelecem metodologia e datas-prazos. Sugere-se:
a. A Equipe Amazônica formada pelo atual coordenador do setor ou o futuro, o provincial atual ou o futuro ou uma pessoa escolhida por ele, e 01 convidado de confiança da região (pode ser um pesquisador, religioso, etc. para permitir um olhar mais externo e imparcial). Planejarão de acordo com a comunidade as visitas in loco, a saber: Manaus, Boa Vista, Porto Velho, Piquiá;
b. A Equipe Litoral formada pelo atual e/ou futuro secretário da Missão, provincial ou sua pessoa de confiança, e convidado externo de confiança da região nordestina. As comunidades a serem visitadas: São Luís, Fortaleza, Salvador, Marcos Moura, Contagem;
c. Equipe temática - Sul formada pelo provincial ou o seu indicado, o novo conselheiro a ser eleito, e uma pessoa externa de confiança da região. Comunidades a serem visitas: Carapina, São Paulo (I-II), Curitiba, São José do Rio Preto. Esta equipe poderia se dedicar mais a avaliar temas quais economia, formação e animação missionária, doentes....
2. O êxito do trabalho depende da clareza dos objetivos escolhidos de forma consensual e, evidentemente, da colaboração das comunidades visitadas e, não último, a metodologia a ser adotada em todas as visitas. O que achamos essencial para as equipes ‘descobrir, conhecer e intuir’ nessas visitas formais? Aqui vão algumas sugestões:
a. Coletar relatórios, publicações, anotações sobre tudo o que diz respeito aos trabalhos desenvolvidos pela comunidade como um todo e, especificamente, por cada confrade. Importante avisar de antemão que cada pessoa prepare de antemão o material ilustrativo do que vem desempenhando (atividades/iniciativas pastorais na paróquia ou em outras atividades específicas...) Quem não possui esse substrato documental terá prazo suficiente para elaborar relatórios explicativos específicos e fornecê-los à equipe.
b. Acompanhar e visitar os contextos sociogeográficos em que atuamos (comunidades ribeirinhas, indígenas, centros, conselhos locais, etc...) e manter encontros formais e informais com lideranças locais e conselhos paroquiais. Se, por ventura, algo já foi feito nesse sentido, recentemente, por alguém do Conselho, ter-se-á presente o que foi elaborado por ocasião da visita.
c. Manter um diálogo aberto, franco, pessoal com cada confrade no intuito de compreender suas pequenas ou grande angústias, dúvidas, sonhos, projetos, disponibilidade... Não se trata de criar uma ficha policial do confrade, e sim, de compreender com o que mais ele se identifica em termos de serviço missionário, e valorizar suas qualidades e potencialidades.
3. Acreditamos ser possível realizar uma síntese bastante detalhada e precisa da realidade macro e específica da nossa província até a metade de junho. Aqui, o que se trata não é oferecer um diagnóstico rigorosamente técnico e bem redigido, mas o suficiente e necessário para ver se, por exemplo, vale a pena continuar ou não num determinado lugar; se é, efetivamente o atual contexto geopastoral mais apropriado ou deveria ser outro ou, ate, fortalecendo e diversificando um já existente; ver se os atuais confrades estão, efetivamente identificados com o que a Província pede ou se é preciso colocar outros; analisar com criticidade e ‘distanciamento’ se as atuais prioridades possuem confrades que se identificam com elas ou se seria melhor providenciar as suas necessárias transferências; saber ate quando e com quais condições se pode contar com este ou aquele confrade, sem deixar de prever uma possível desistência, possíveis destinações outras, sem ignorar os ‘normais conflitos intracomunitários’ que acabam desgastando a convivência; se a metodologia de visitar, de se comunicar, e de avaliar uma determinada presença por parte do Conselho é a mais adequada, ou se seria necessário mudar; se o papel desempenhado pela coordenação e/ou secretariados atende aos anseios e as expectativas que as assembleias deveriam explicitar; se vale a pena ter assembleia de dois dias e retiros espirituais de 4 dias; e assim por diante...
Conclusão
Evidentemente é uma proposta inacabada, e a partir de uma determinada percepção que, de repente, não é sentida e partilhada pela maioria, o que é perfeitamente legítimo. Acreditamos, contudo, que um sentir comunitário e pautado pela responsabilidade e a fraternidade não pode deixar de nos preocupar com uma realidade que, lembramos, não é exclusiva de nós combonianos, no entanto deveria nos impelir a externar o que sentimos e vislumbramos. Se acharmos que do jeito que está a nossa caminhada como Província não exige nada de mais ou, talvez, só alguns ‘ajustes’, pedimos vênia pela nossa cegueira ou, quem sabe, pelo excesso de visão. Se, ao contrário, achamos que algo verdadeiro e realista foi aqui escrito e, sinteticamente, explicitado, então a HORA É AGORA. O nosso Kairós depende também de nós!
Piquiá, 12 de Outubro, 2025