sábado, 29 de novembro de 2025

ADVENTO - "Estamos abastecidos de futuro” (Pedro Arrupe, sj). É preciso desatá-lo. - Por Adroaldo Palaoro

 

Nossa concepção de futuro se atrofiou: vivemos “tempos sem futuro”. Não podemos prever o futuro com segurança. Hoje, o futuro se apresenta a nós muito mais aberto que em qualquer outra época de nossa humanidade. Os conhecimentos, os meios de comunicação, a tecnologia... não nos asseguram uma certeza do que virá. Aventurar no futuro torna-se cada dia mais complexo e difuso, pois predomina a incerteza que nós mesmos geramos. Vivemos uma geração que teme o futuro; por isso vivemos um “presente esticado” porque o futuro nos apavora. Já que preferimos não imaginar o futuro, alargamos o presente.

Precisamente porque faltam valores e um sentido para a existência é que se irrompe o medo do futuro, a acomodação, o refúgio no efêmero e no imediato, sem raízes e sem esperança. O medo do futuro nos ajuda a entender a mediocridade e o vazio do presente. Não esqueçamos que o Advento é toda uma possibilidade de vida que temos à frente. Por isso o grande grito deste primeiro domingo é “Vigiai!” porque “não sabeis quando virá o vosso Senhor”. Ninguém vigia o passado que já passou e já não existe mais. Vigiamos o que está por vir, o que está vindo. A vigilância olha sempre o futuro. Um futuro que depende de Deus e depende de nós. Porque uma coisa é a ação de Deus em cada um de nós neste tempo do Advento e outra coisa é o que nós fazemos para que algo novo aconteça. Nós mesmos somos um “advento”, porque nosso futuro humano depende do que esperamos. Haverá aqueles que já não esperam nada. Haverá outros que esperam algo novo, mas duvidam. E haverá aqueles que esperam o novo e dedicam suas vidas a criá-lo já agora. Porque em cada momento definimos nossas vidas; em cada momento algo surpreendente pode acontecer em nossa vida; em cada momento nossa vida pode apagar-se ou pode rejuvenescer-se. No evangelho deste domingo (primeiro do advento), as duas pequenas parábolas insistem na atitude da vigilânciaA primeira delas nos adverte com uma intencionalidade clara: o maior inimigo da vigilância é a dispersão, revestida de rotina e apego ao costumeiro (“comer, beber, casar-se”). Viver vigilantes para olhar mais além de nossos pequenos interesses e preocupações. Na segunda, a insistência se situa na importância de “estar vigilante”, porque o que está em jogo é nada menos que a segurança da “casa”, ou seja, a consistência da própria pessoa.

Não é raro que, ao sentir um mal-estar ou medo frente ao nosso mundo interior, optemos pela “distração” ou “dispersão”. Por outro lado, vivemos dispersos e ansiosos porque crescemos com a ideia de que nos falta “algo” que, supostamente, se encontra “fora” de nós, com o qual conseguiríamos, finalmente, desfrutar da felicidade desejada. dispersão é o estado habitual de quem se encontra identificado com seus pensamentos, sentimentos, emoções ou reações, ignorando sua verdadeira identidade. Vivemos num contexto marcado pela “dispersão”, seduzidos por estímulos ambientais, envolvidos por apelos vindos de fora, cativado pela mídia, pelas inovações rápidas, magnetizado por ofertas alucinantes. E então, nós nos esvaziamos, nos diluímos, perdemos a interioridade e... nos desumanizamos. “dispersão” corrói a interioridade da pessoa e dissolve aquilo que é mais nobre em seu interior. Longe de uma humanidade dinâmica, operante, ousada... o que a pessoa deixa transparecer é uma humanidade neutra, apática, estagnada; é humanidade lenta, afogada na “normose”, estacionada na repetição dos gestos e dos passos. Ela gira em torno de si mesma e não consegue fazer um salto libertador. Isso tudo leva a pessoa a debilitar-se, provocando a redução da vitalidade humana em vez de favorecer o crescimento pessoal.

Advento é tempo propício – “kairós” – para ajudar a superar nossa “dispersão” e poder recuperar a densidade humana interna. Para isso, precisamos entrar em “estado de vigilância”, repensar a interioridade perdida, reconquistar a autodeterminação. Estar atentos e vigilantes é uma condição humana e cristã para viver intensamente; viver distraídos e dispersos é perder as oportunidades de muitos encontros, é deixar que o outro passe ao nosso lado sem nos darmos conta, é deixar que Deus passe sem que o percebamos, é deixar passar o momento em que Ele nos chama e perdemos a oportunidade de dar uma resposta vivificadora. Viver é estar atentos à vida, a nós mesmos, aos demais. Viver é estar atentos às ocasiões únicas, às oportunidades que não voltam; viver é estar com os olhos abertos para contemplar, é estar com os ouvidos atentos para escutar. É nessa direção que o “tempo do Advento”, centrado n’Aquele que vem, mobiliza e reordena todas as dimensões da vida e propõe um caminho de humanização. Ele desafia cada um a assumir o potencial humano criativo que está latente em seu interior.

 

Reflorestar consciências: por que o Brasil precisa de uma universidade indígena?

 

“O Brasil é o único país no mundo a ter nome de uma árvore”, lembra a deputada Célia Xakriabá, que fez parte do processo de concepção da nova universidade. “Na verdade, a universidade indígena já existe há mais de 1.500 anos atrás. Hoje é apenas assinatura. Mas, na verdade, antes de assinar com a caneta, nós assinamos com sabedoria da floresta, nós assinamos com o jenipapo e o urucum”, afirma a parlamentar, que é graduada em Educação Indígena, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e estudiosa das experiências de universidades indígenas na América Latina. “Em 2016, tive a oportunidade de pesquisar sobre universidade indígena no México e as universidades autônomas. E o Brasil ganha um momento muito importante porque é reconhecendo a universidade indígena, mas com a pluralidade de povos diferentes. E hoje pensar as epistemologias indígenas é pensar uma superação do epistemicídio também. Quantas vezes o nosso conhecimento indígena, a ciência indígena foi negada na universidade?”, comenta Xakriabá.

Consagração de um direito

Maurício Terena, advogado indígena, explica que a universidade representa a consagração do mandamento constitucional e o respeito ao conhecimento tradicional. “Uma universidade indígena vem que para consagrar o respeito ao conhecimento tradicional indígena, que a história desse país é fundada numa perspectiva da qual os nossos corpos, os nossos conhecimentos, eles eram invalidados por essa ciência hegemônica. Então, poder hoje estar testemunhando esse lançamento dessa universidade indígena, eu acho que acima de tudo como advogado indígena, é a consagração do mandamento constitucional, mas também a promoção e o respeito dos conhecimentos indígenas”, afirma. Terena lembra das dificuldades que passou para se formar em direito, sendo um estudante indígena. “Eu relembro um pouco das violências que a gente passa no ensino superior quando a gente fala que é indígena, quando a gente traz as perspectivas, no meu caso, do direito indígena para o debate”, recorda o advogado.

Territórios transformados

Além da importância epistemológica e climática, a universidade indígena é vista como um marco importante para a inclusão e a melhoria de vida nas comunidades. Para estudantes como Ricardo, do povo Potiguara, a universidade indígena é uma questão de resistência e proporciona visibilidade para seu povo. “Ajuda a dar visibilidade para o nosso povo e à nossa resistência”, comentou brevemente, tomado pela timidez, o jovem de 18 anos, que viajou da Paraíba a Brasília para prestigiar a criação da Unindi. Por sua vez, Maurício Terena já vislumbra transformações profundas a partir dessa experiência acadêmica que, se bem não está restrita aos povos indígenas, sendo uma universidade aberta a toda a sociedade, tem potencial para promover grandes viradas de pensamento na sociedade brasileira.“Isso gera na sociedade brasileira uma nova maneira de se organizar politicamente. Eu já fico curioso para daqui 10, 15 anos, ver como ela vai transformar acima de tudo as nossas realidades locais, mas também a configuração da sociedade como um todo, e a academia também, porque a gente vai passar a trazer conhecimentos que, em alguma medida, foram invalidados durante o processo de construção desse país. Acho que trazer uma virada epistemológica mesmo da ciência no nosso país”, avalia.

Universidade do clima

Celia Xakriabá aponta que não é possível pensar em soluções climáticas sem reconhecer a ciência e a tecnologia ancestral dos povos indígenas. Ela chega a sugerir que a universidade indígena pode ser reconhecida como a universidade do clima, algo que não existe em nenhum lugar do mundo. “No mundo inteiro não existe escola do clima e universidade do clima. E a universidade indígena já pode ser reconhecida também como a universidade do clima. Nós, povos indígenas, somos 5% da população mundial e protegemos mais de 80% da sociobiodiversidade”, propõe a parlamentar, que defende que a “ciência do clima” esteja enraizada nos territórios. Com um toque de poesia e ancestralidade, a deputada reforça a ideia de que preservar as florestas e o meio ambiente já é uma alternativa e uma solução, e deve passar pelo reconhecimento dos saberes tradicionais. “A Terra é a professora mais antiga do planeta e a floresta também é escola, a floresta também é universidade”, recita. Segundo o governo, os grupos técnicos interministeriais responsáveis pelo desenho das instituições atuarão ao longo de 2026 e a previsão é que as universidades entrem em funcionamento em 2027.

A reportagem é de Leonardo Fernandes, publicada por Brasil de Fato, 27-11-2025

 

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Iª domingo de advento - É URGENTE SABER INTERPRETAR OS SINAIS DA 'DES-GRAÇA' QUE PAIRAM SOBRE A HUMANIDADE !

 

Muitos sinais apontam para uma rápida e próxima autodestruição do planeta terra. Não é paranoia e nem alarmismo irresponsável. Só acompanhar os alertas explícitos de quem vem estudando as transformações políticas, sociais e climáticas da humanidade. Os negacionistas e egoístas de turno, em sua inconsciência alienante, continuam a acreditar que são imortais e inesgotáveis. Ou que, na última hora, na pior das hipóteses, possa aparecer uma nova arca de Noé para salvá-los! Em seu afã de possuir e dominar tudo e todos, aqui e agora, acham que é urgente arrancar, explorar, e consumir a todo custo, não se importando com as consequências. Jesus, que é um verdadeiro analista dos grandes movimentos da história, continua nos alertando: ‘ficai atentos’, pois estamos a viver um verdadeiro processo seletivo, de filtragem, de depuração e julgamento global. Alguns poucos, ao acumular bens, sugando territórios, abusando do seu poder, e descartando outros seres humanos como mercadoria sobrante, sequer imaginam o colapso planetário que estão a produzir. Em sua falta de sintonia e empatia para com os seus semelhantes e com a natureza acreditam que estão a garantir a sua própria e definitiva sobrevivência.  Ledo engano. O dia da desgraça os flagrará como um astuto e surpreendente ladrão que vem roubar a agonizante esperança. Agora é a hora de ‘forçar a irrupção da Realeza do Filho do Homem’ que vem como permanente e inédita chance de graça, de reerguimento e de equidade planetária. 'Contudo, será que haverá ainda fé na terra quando isto ocorrer?' 

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Maranhão é o estado que tem mais trabalhadores informais do que formais

 


Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) mostram que 6 Estados do Brasil têm mais trabalhadores informais do que formais: Maranhão, Pará, Piauí, Amazonas, Bahia e Ceará. Todas as unidades da Federação do Norte e do Nordeste registram taxa de informalidade acima da média nacional, que é de 37,8%. Os percentuais são do 3º trimestre de 2025 e constam na Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua).

A taxa de informalidade é a proporção de trabalhadores que não têm carteira de trabalho assinada e outros direitos trabalhistas, como férias, contribuição para a Previdência Social e 13º salário, em comparação com o total de ocupados. Também entram no contingente de informais os empregadores e trabalhadores por conta própria sem registro no CNPJ e os trabalhadores familiares auxiliares.

A taxa do Maranhão é de 57%, com 1,5 milhão de informais entre 2,7 milhões de ocupados.

Leia abaixo as taxas dos demais Estados que têm mais da metade dos trabalhadores em situação informal:

Pará – 56,5%;
Piauí – 52,7%;
Amazonas – 51,5%;
Bahia – 51,5%;
Ceará – 51,1%.

Além destes Estados, há 17 unidades da Federação com taxa acima da média nacional (37,8%). São Paulo (29,3%), Distrito Federal (26,9%) e Santa Catarina (24,9%) têm os menores níveis de informalidade. Em números absolutos, São Paulo, o Estado mais rico do país, tem o maior contingente de informais: 7,1 milhões de pessoas. A explicação para ter a 3ª menor taxa é o tamanho da população ocupada, que somou 24,3 milhões.

O Brasil registrou 102,4 milhões de pessoas ocupadas no 3º trimestre, sendo que 38,7 milhões são informais. Norte e Nordeste respondem por 41% de toda a população informal do país. O Sudeste tem 15,1 milhões, mas a população ocupada é 44% superior à das duas regiões somadas.

Maranhão integra projetos que buscam recuperar 3,3 mil hectares de terras indígenas na Amazônia

 

A iniciativa prevê plantio de 5,7 milhões de mudas, criação de empregos e execução de ações em 26 territórios da região Norte e do Maranhão, com recursos administrados pelo BNDES.O Maranhão está entre os estados contemplados pelos 19 projetos do programa Restaura Amazônia para Terras Indígenas. Os projetos foram selecionados para recuperar áreas degradadas porque se destacaram entre 44 propostas inscritas no edital. Ao todo, as iniciativas prometem restaurar mais de 3,3 mil hectares em 26 territórios indígenas, com o plantio de 5,7 milhões de árvores e a geração de 1.420 empregos.

O Maranhão está entre os estados contemplados pelos 19 projetos do programa Restaura Amazônia para Terras Indígenas, anunciados nesta sexta-feira (21), em Belém, durante o encerramento das atividades do Pavilhão dos Círculos dos Povos na COP30. Os projetos foram selecionados para recuperar áreas degradadas porque se destacaram entre 44 propostas inscritas no edital. Ao todo, as iniciativas prometem restaurar mais de 3,3 mil hectares em 26 territórios indígenas, com o plantio de 5,7 milhões de árvores e a geração de 1.420 empregos. O investimento total é de R$ 123,6 milhões, financiados pelo Fundo Amazônia e geridos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “A gente vem hoje a público dizer que 26 terras indígenas serão contempladas nos estados de Rondônia, Amazonas, Acre, Mato Grosso, Tocantins, Pará e Maranhão. Ou seja, a gente vai ter 26 territórios indígenas, muitos deles recém-desintrusados, num esforço profundo de trabalho”, declarou o superintendente de Meio Ambiente do BNDES, Nabil Kadril.

 A presença do Maranhão entre os selecionados reforça a participação do estado nas ações de restauração ambiental apresentadas na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30). A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, destacou que o anúncio consolida as ações climáticas do governo federal na Conferência do Clima, atendendo a demandas de demarcação, proteção, gestão e recuperação de terras indígenas. “Deixamos claro que não há como pensar soluções para a crise climática, se não incluir todos e todas que protegem os territórios, que cuidam da biodiversidade, que cuidam da mãe Terra. Não tem como encontrar soluções efetivas se não incluir essas diferentes vozes”, afirmou a ministra. O Restaura Amazônia integra uma estratégia mais ampla do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), que prevê recuperar 12 milhões de hectares no país. Desse total, 6 milhões já foram restaurados por meio de iniciativas de plantio e regeneração natural, segundo o MMA. A secretária nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável do MMA lembrou que “a retomada do Fundo Amazônia chega em mais de 600 organizações da sociedade civil, em três de cada quatro municípios da Amazônia, em projetos de restauração ecológica para reconstruir o antigo Arco do Desmatamento, onde o reflorestamento construirá um verdadeiro cinturão verde no território de sete estados amazônicos” — entre eles, o Maranhão. (IMIRANTE)

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

JESUS O ANTIMONÁRQUICO QUE MORRE POR INSTAURAR O REINADO DO CUIDADO E DO BEM-QUERER!

Em geral são sempre 'os chefes' que tripudiam das tragédias alheias. Para eles as vítimas agonizantes, anônimas e impotentes da violência institucional não passam de meros efeitos colaterais na sua guerra santa contra quem luta por liberdade e justiça. Parece paradoxal, mas os assim chamados chefes do povo encontram o seu sentido de existir em oprimir e dominar os seus ‘súbditos’. Já, outros líderes morais, desprovidos de mandato, de tronos e de exércitos pagam com a própria vida por defender e servir os ‘súbditos’ dos 'chefes'! Esses que deveriam ser considerados, de fato, cuidadores do povo, são eliminados pelos falsos reis por se comportarem como pastores e defensores das pessoas que sequer lhes foram confiadas mediante uma investidura formal. O trono do Rei Jesus é uma vergonhosa cruz que carrega um letreiro com o altissonante título de ‘Rei dos Judeus’. Jesus o antimonárquico morre como rei por servir um povo esmagado, ao passo que os chefes do povo governam e vivem por cuidar deles mesmos. Uma incompreensível inversão. Hoje temos ainda seguidores de Jesus que têm dificuldade de compreender que vivemos para os outros, e não para nós mesmos. Para salvar quem precisa e não para salvar a nossa pele e a nossa alma! É preciso que nos lembremos daqueles que, esquecidos por todos, nos pedem de ser simplesmente...lembrados, olhados com amor e abraçados sem temor! Enfim, é preciso nos converter definitivamente ao Reinado do cuidado e do bem-querer!


Guarani Kaiowá é morto com tiro na testa em área de conflito no MS

 

UM INDÍGENA de 36 anos, Vicente Fernandes Vilhalva, foi morto com um tiro na testa em um ataque atribuído a pistoleiros contra a retomada (ocupação) Pyelito Kue, no município de Iguatemi (MS), neste domingo (16). Ao menos outros quatro Guarani Kaiowá ficaram feridos. A área integra a Terra Indígena (TI) Iguatemipeguá I, sobreposta à Fazenda Cachoeira e retomada pelos indígenas em 3 de novembro. O ataque teria sido realizado entre 4h e 5h por cerca de 20 homens que já teriam chegado atirando, segundo lideranças ouvidas pela reportagem. Elas relatam que barracos de lona e pertences na retomada foram incendiados e destruídos por um trator. Ainda de acordo com os Guarani Kaiowá, pistoleiros teriam tentado levar o corpo de Vicente Vilhalva, mas foram impedidos pelos indígenas. 

“Perdemos um guerreiro que sempre esteve na luta em defesa dos direitos dos povos indígenas, Vicente era um dos porta-vozes da comunidade. Não tivemos chance, os jagunços estavam com arma de fogo, calibre .12 e .38 e acertaram um dos nossos”, relata Xe Ryvy Rendy’i, um indígena da comunidade. “A ponte está interditada. Parece que já estavam se organizando para atacar a comunidade. Porque nunca arrumaram a ponte. Só depois que fizemos a retomada, decidiram bloquear. Foi um crime bem organizado. Nenhum carro está passando por lá”, denuncia Rendy’i. Apesar de as autoridades federais terem sido acionadas pelos indígenas assim que houve o ataque, a FNSP (Força Nacional de Segurança Pública) só chegou ao local às 9h, quatro horas depois de os tiros cessarem. Servidores da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) e da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) também se dirigiram ao local no final da manhã deste domingo. “Fomos cercados. Os pistoleiros não chegaram para conversar, já chegaram atirando. Não temos armas, não temos nenhuma chance de defesa. Recuamos e fomos até a aldeia, mas eles seguiram atirando fora da retomada, nas nossas casas. Queimaram tudo na retomada: os barracos, as panelas, as cadeiras”, conta uma das lideranças de Pyelito Kue, sob anonimato. 

Demarcação de território está parada desde 2013

Recém ocupada pelos indígenas, a Fazenda Cachoeira está arrendada por duas empresas de exportação de carne: a Agropecuária Santa Cruz e a Agropecuária Guaxuma. A reportagem entrou em contato neste domingo com as duas companhias, mas não obteve retorno até o fechamento. O texto será atualizado se um posicionamento for recebido. Em matéria publicada no site o Joio e o Trigo em 12 de novembro, um advogado da Agropecuária Guaxuma afirmou que a empresa desconhece o conflito na região e que “não possui qualquer tipo de segurança na propriedade arrendada”. A Cachoeira é uma das 44 propriedades sobrepostas à TI Iguatemipeguá I. A área de 41.714 hectares abarca os tekohas (“lugar onde se é”, em guarani) Pyelito Kue e Mbaraka’y e foi delimitada pela Funai em 2013. Desde então, no entanto, o processo demarcatório está parado.

Vivendo atualmente em uma aldeia de 97 hectares traçada a partir de um acordo judicial de 2014, as cerca de 120 famílias de Pyelito Kue alegam estar espremidas, sem condições de plantar e passando fome. Diante da estagnação do processo demarcatório, a comunidade decidiu atravessar a estrada de terra e ocupar outro pedaço considerado por eles como território tradicional. Os indígenas passaram 22 dias escondidos em um pequeno trecho de mata na Fazenda Cachoeira e, desde o dia 3 de novembro, montaram acampamento em campo aberto, no meio da pastagem de gado. O ataque que matou Vicente Vilhalva é o quarto desde o início do mês. O saldo dos outros, ocorridos entre 3 e 5 de novembro, foi de quatro indígenas feridos a balas de borracha e duas crianças machucadas depois de suas mães terem caído, ao correrem, com elas no colo.

Os cartuchos e as fotografias de perfurações de casas e de uma panela por balas letais foram entregues à Delegacia da Polícia Federal de Naviraí (MS), onde os indígenas registraram um boletim de ocorrência.  Desde o dia 5 de novembro, a Força Nacional visita a região. A reportagem esteve no local e constatou que os agentes têm feito patrulhas pontuais, sem presença fixa na área. O conflito fundiário no Mato Grosso do Sul escalou desde o fim de setembro, quando indígenas da TI Guyraroká, que também aguarda a demarcação, foram reprimidos pela Polícia Militar após retomarem área da Fazenda Ipuitã, em Caarapó (MS). O governo federal criou um GTT (Grupo de Trabalho Técnico) interministerial com a finalidade de “elaborar diagnóstico com subsídios técnicos para a mediação de conflitos fundiários envolvendo povos indígenas no sul do estado de Mato Grosso do Sul, incluindo a realização de levantamentos e estudos sobre áreas públicas e privadas”, segundo publicação no Diário Oficial da União (DOU) em 3 de novembro. A secretaria-executiva do GTT cabe ao Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar), e está com a atuação focada nos tekohas Guyraroká e Passo Piraju, sobre os quais devem publicar um relatório na próxima semana. (Reporter Brasil)