sábado, 18 de outubro de 2025

29º domingo comum - O Pai já sabe de antemão do que precisamos, nós nem sempre! Para que pressioná-Lo?

Vivemos numa sociedade marcada por um imediatismo totalizante e anestesiante. Ou seja, desejamos e queremos tudo e agora, do nosso jeito, e ainda mais sem fazer o mínimo esforço para consegui-lo! E na maioria das vezes não sabemos discernir se o que queremos é algo essencial para a nossa vida. Essa distorção comportamental e existencial encontra o seu equivalente também na nossa caminhada espiritual. Jesus, em diferentes ocasiões, nos alerta que o nosso Pai já sabe de antemão do que realmente precisamos, e que não é preciso, portanto, gastarmos muitas palavras, insistir junto Dele e pressioná-Lo. Porque, então, Jesus pede para insistir junto de Deus para que Ele faça justiça aos que pedem com persistência? O final da narrativa evangélica nos dá a chave de leitura para compreender. Pedir com insistência não é para convencer Deus da bondade dos nossos pedidos e sensibilizá-Lo, mas é para exercitar, treinar a nossa fé a não esmorecer com ou sem concessões por parte do Pai! É para que nós possamos aprender a não desistir nunca na vida e na missão diante das injustiças estruturais e, porque não, diante do aparente e possível silêncio do Pai. É para que nos eduquemos, sistematicamente, a persistir conosco mesmos em descobrir o que realmente dá sentido à nossa vida, e agir de consequência. E isso só cabe a nós!


quarta-feira, 15 de outubro de 2025

COMUNIDADES IMPACTADAS PELO TREM DA VALE DA REGIÃO DE PIQUIÁ DENUNCIAM A PERSISTÊNCIA DOS MESMOS PROBLEMAS E OMISSÕES

As paredes da minha casa estão abrindo sempre mais por causa das vibrações do trem da Vale que passa dia e noite, logo atrás da minha residência. Dentro em breve prevejo o pior...’ Assim se expressou, ontem dia 15 de outubro, em Piquiá, uma das mais de 60 representantes das dezenas de comunidades do interior e da cidade de Açailândia que estão situadas ao longo da Estrada de Ferro Carajás, e que sofrem seus deletérios impactos. Algo que vem se alastrando há vários anos sem conhecer, no entanto, a aplicação de encaminhamentos concretos que deveriam ter solucionado os notórios e históricos impactos da passagem do trem. O encontro promovido pela própria empresa mineradora tinha como intuito ouvir queixas, demandas, sugestões e propostas de correção de rumo. Os representantes das comunidades não tiveram inibição e nem receio, a partir de suas realidades específicas, em listar um conjunto de problemas, empasses e omissões atribuídos à responsabilidade da Vale e demais empresas minero-siderúrgicas, a partir de promessas, acordos e termos de ajustes de conduta firmados a seu tempo com o Ministério Público e representantes das comunidades impactadas. O barulho ensurdecedor do trem, a sua falta de desaceleração ao passar pelos centros habitados; a total ausência de lona protetora do minério contido nos vagões; a construção de muros padronizados em várias comunidades do interior, supostamente para proteger a população, mas trazendo enormes transtornos; a persistência e, até aumento da poluição no Distrito de Piquiá; a subutilização de mão de obra local, apostando muito mais na trazida de fora; a falta de manutenção de estradas vicinais, o abastecimento de água potável em várias comunidades do interior são alguns dos problemas levantados pelos presentes.

     Não cabe dúvida que não se trata, aqui, de responsabilizar única e exclusivamente a Vale e as demais empresas pela atual precária situação na região de Piquiá e entornos, mas identificar e exigir tão somente tudo o que lhes cabe respeitar e realizar por direito. Uma outra participante desabafava constatando como a cidade de Parauapebas, por exemplo, havia se transformado nesses anos todos numa cidade de primeiro mundo, ao passo que Piquiá depois de anos de presença da Vale, permanecia sem infraestruturas, sem praças, sem locais públicos dignos, enfim, sem aspecto de cidade digna. Parece até uma tácita admissão de racismo ambiental por parte das empresas minero-siderúrgicas que aqui atuam. Nesse sentido a representante da Vale entregou um questionário com várias perguntas no intuito de colher dados interessantes e preciosos para elaborar um diagnóstico o mais fiel e coerente possível. Algo que não tem faltado nesses anos todos, no entanto, o que vem sobrando é a inoperância e o descaso com a região de Piquiá. 

    Ninguém dos representantes das comunidades desconhece, tampouco, a íntima relação de colaboração e diálogo das empresas minero-siderúrgicas que atuam na região e o poder público municipal e, evidentemente, as responsabilidades constitucionais deste para com a população em geral e, especificamente, com as comunidades impactadas pela ferrovia. É inadiável, hoje, que o governo municipal que recebe, anualmente, mais de 30 milhões de Reais como fundo compensatório por parte da Vale comece a atuar de forma mais transparente. É imprescindível que informe, também, quais acordos de colaboração existem, atualmente, entre o Poder Municipal e as empresas minero-siderúrgicas; e onde esse montante de dinheiro está sendo aplicado. E mais especificamente: quais ações socioambientais estão sendo planejadas a curto e médio prazo para amenizar ou zerar os efeitos nocivos dos impactos da indústria siderúrgica na nossa região, e dar um novo rosto à cidade. Até o presente momento com relação a Piquiá e às comunidades do interior, infelizmente, o atual governo municipal ainda não disse a que veio! 


terça-feira, 14 de outubro de 2025

Pontos de não retorno climáticos: o planeta à beira de um abismo imprevisível

O mundo acaba de entrar em “uma nova realidade”, na qual muitos componentes do sistema climático ameaçam, a qualquer momento, desembocar em um novo estado que exporia “bilhões de pessoas a riscos catastróficos”. Este é o alerta solene emitido por 160 cientistas de 23 países no relatório Global Tipping Points, publicado no dia 13 de outubro e coordenado por Timothy Lenton, professor da Universidade de Exeter, na Inglaterra. Esses pesquisadores estão entre os principais especialistas mundiais no estudo dos chamados pontos de não retorno climáticos. O termo refere-se ao limiar crítico além do qual um elemento-chave do clima da Terra (calotas polares, correntes oceânicas, florestas tropicais, etc.) pode atingir um novo estado, muitas vezes de forma irreversível. Dois anos após seu primeiro relatório, os membros da iniciativa Global Tipping Points destacam o quanto a situação já se deteriorou. A primeira má notícia é que os pontos de não retorno para a biosfera estão “se aproximando mais rápido do que se pensava anteriormente”, afirma o relatório.

Risco de “savanização” na Amazônia

A situação dificilmente é mais invejável para a floresta amazônica. Sujeita aos muitos estresses causados pelo aquecimento global, incluindo secas intensas, ela também deve enfrentar os estragos do desmatamento. Se muitas árvores desaparecerem, esta floresta tropical, que tem a maravilhosa característica de produzir parcialmente sua própria chuva, poderá entrar em um círculo vicioso: produzir cada vez menos precipitações e, não tendo mais umidade suficiente para sobreviver, transformar-se em savana. Este ponto de não retorno também estaria mais próximo do que o estimado anteriormente, ficando abaixo de 2°C de aquecimento, de acordo com os autores do relatório. Estudos citados pelos pesquisadores sugerem que uma perda de 20% da superfície atual da floresta amazônica, combinada com um aquecimento global entre 1,5°C e 2°C, poderia empurrar dois terços da Amazônia para além do ponto de inflexão. No entanto, as incertezas são significativas. Os cientistas estimam que o risco de “savanização” é crível com um alto grau de confiança para certas áreas da Amazônia em nível local, mas com apenas baixa confiança em nível continental.

Oceanos de imprevisibilidade

A situação também é particularmente crítica para as camadas de gelo do mundo, especialmente para as calotas polares. As calotas polares da Antártida Ocidental e da Groenlândia são os dois sistemas glaciais cuja vulnerabilidade é mais certa: seu colapso, uma vez iniciado, continuaria por várias décadas a vários séculos, ou mesmo milênios, levando a uma elevação de vários metros do nível do mar. No entanto, esse ponto de não retorno pode já ter ocorrido. Ele tem ameaçado ocorrer desde que ultrapassamos o limiar de aquecimento de 1°C. Correntes oceânicas, como a AMOC e o Giro Subpolar, também estão ameaçadas de cruzar os pontos de não retorno no nível atual de aquecimento, embora os pesquisadores observem que a compreensão e a evolução desses sistemas estão cercadas de incertezas significativas.

Pontos de não retorno em cascata

O outro ponto saliente e particularmente preocupante do relatório é a interconexão que ele documenta entre a maioria dos 20 pontos de não retorno avaliados. Quando um elemento ultrapassa um ponto de não retorno, é provável que tenha efeitos, na maioria das vezes desestabilizadores, sobre outros componentes do sistema climático, ameaçando levá-los a ultrapassar esse ponto de não retorno por sua vez. A AMOCé o melhor exemplo desses múltiplos possíveis efeitos em cascata. O enfraquecimento desta corrente atlântica, que desempenha um papel crucial na troca de calor entre o oceano e a atmosfera, poderia, por exemplo, exacerbar a desestabilização da camada de gelo da Antártida Ocidental. Ou poderia desestabilizar o fenômeno El Niño no Pacífico, o que, por sua vez, enfraqueceria ainda mais a floresta amazônica. Os efeitos em cascata não se limitam aos sistemas climáticos: os desastres climáticos induzidos ameaçariam representar grandes riscos a elementos-chave da estabilidade de nossas sociedades, “como a segurança alimentar, a infraestrutura energética, a estabilidade econômica e a coesão social, afetando bilhões de pessoas em todo o mundo”, escrevem os autores. “Os danos causados pelos pontos de não retorno serão muito diferentes dos danos clássicos causados pelas mudanças climáticas. Não estamos preparados para isso! Nossos políticos não entendem o que significam os pontos de não retorno”, enfatiza Manjana Milkoreit, pesquisadora da Universidade de Oslo e coautora do relatório.

Principais incertezas

Este conceito de pontos de não retorno é ainda mais difícil de incluir na agenda política porque a ocorrência desses fenômenos permanece cercada por muito mais incerteza do que outros desastres climáticos futuros. Mesmo dentro da comunidade científica, nem todos concordam sobre a sensatez de se comunicar com muita veemência sobre esses pontos de inflexão. Alguns temem que esses mecanismos complexos e ainda pouco compreendidos distraiam a atenção. Isso é ainda mais verdadeiro quando os esforços para se adaptar aos efeitos muito mais diretos e documentados das mudanças climáticas, como a intensificação de secas, tempestades, inundações e outros eventos, já são amplamente insuficientes.

“Pontos de não retorno positivos”

A boa notícia (e há algumas) é que, em termos de mitigação, não há escolha. Quer visemos os pontos de inflexão ou os efeitos mais clássicos das mudanças climáticas, as mudanças estruturais e radicais que os cientistas do clima pedem permanecem as mesmas: reduzir drasticamente nossas emissões de gases de efeito estufa, alcançar a neutralidade de carbono até 2050 e fazer todo o possível para limitar o aquecimento global o máximo possível. A outra vantagem do conceito de pontos de não retorno é que ele também pode ser invocado para manter a esperança e mobilizar a sociedade. O relatório, portanto, discute as possibilidades de ultrapassar “pontos de não retorno positivos”. Transporte público, agricultura e alimentação sustentáveis, ecossistemas... Estes também são numerosos. Assim como a recente queda drástica no custo dos painéis fotovoltaicos, o desenvolvimento de soluções não segue uma trajetória linear. Melhor ainda: um pequeno esforço adicional às vezes pode ser suficiente para provocar uma mudança tecnológica ou social que, um momento antes, parecia uma utopia distante.


A reportagem é de Vincent Lucchese, publicada por Reporterre, 13-10-2025. A tradução é do Cepat.

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

Sull’intelligenza artificiale e sulla stupidità naturale - Por Giorgio Agamben


«Comincia un’epoca di barbarie e le scienze saranno al suo servizio». L’epoca di barbarie non è ancora finita e la diagnosi di Nietzsche è oggi puntualmente confermata. Le scienze sono così attente a esaudire e persino precorrere ogni esigenza dell’epoca, che quando questa ha deciso che non aveva voglia né capacità di pensare, le ha subito fornito un dispositivo battezzato “Intelligenza artificiale” (per brevità, con la sigla AI). Il nome non è trasparente, perché il problema dell’AI non è quello di essere artificiale (il pensiero, in quanto inseparabile dal linguaggio, implica sempre un’arte o una parte di artificio), ma di situarsi al di fuori della mente del soggetto che pensa o dovrebbe pensare. In questo essa assomiglia all’intelletto separato di Averroè, che secondo il geniale filosofo andaluso era unico per tutti gli uomini. Per Averroè il problema era conseguentemente quello del rapporto fra l’intelletto separato e il singolo uomo. Se l’intelligenza è separata dai singoli individui, in che modo questi potranno congiungersi ad essa per pensare? La risposta di Averroè è che i singoli comunicavano con l’intelletto separato attraverso l’immaginazione, che resta individuale. È certamente sintomo della barbarie dell’epoca, nonché della sua assoluta mancanza di immaginazione, che questo problema non venga posto per l’intelligenza artificiale. Se questa fosse semplicemente uno strumento, come i calcolatori meccanici, il problema in effetti non sussisterebbe. Se invece si suppone, come di fatto avviene, che, come l‘intelletto separato di Averroé, l’AI pensi, allora il problema del rapporto col soggetto pensante non può essere evitato. Bazlen ha detto una volta che nel nostro tempo l’intelligenza è finita in mano agli stupidi. È possibile che il problema cruciale del nostro tempo abbia allora questa forma: in che modo uno stupido – cioè un non pensante ¬– può entrare in rapporto con un’intelligenza che afferma di pensare al di fuori di lui?

12 ottobre 2025

A Terra Santa. Artigo de Flávio Lazzarin e Claudio Bombieri

Com certeza, cabe neste contexto a teologia da unidade que encontramos no lema agostiniano do brasão heráldico do papa Leão XIV “In Illo Uno Unum”, "No único Cristo, somos um", e que corresponde ao carisma Petrino: “... a unidade de fé e de comunhão de todos os fiéis. O Romano Pontífice de facto, como Sucessor de Pedro, é perpétuo e visível fundamento da unidade, não só dos Bispos mas também da multidão dos fiéis, e por isso ele tem uma graça ministerial específica para servir aquela unidade de fé e de comunhão, que é necessária para o cumprimento da missão salvífica da Igreja.”[i] Todavia o serviço Petrino, tendo em vista a unidade do corpo de Cristo, que é a Igreja, nunca pode ser testemunhado e pensado prescindindo de processos sofridos de discernimento espiritual para encontrar caminhos de unidade na complexidade desafiadora dos diferentes contextos históricos. Sem jamais esquecer que somos constitutivamente limitados e falhos. Sem esquecer, também, que a sina do discipulado na sequela de Jesus nunca é a eficácia, - o resultado positivo da missão - e tampouco negociações irreconciliáveis com o Templo e o Palácio, mas somente a fidelidade à Realeza do Pai e a coerência do testemunho.

A pergunta dramática que nos atormenta atualmente é como defender a unidade num mundo em que se radicalizaram o ressentimento, o ódio, a divisão, a vingança, a guerra, o extermínio ad intra e ad extra. A situação é ainda mais complicada quando nos desafiam as atuais divisões e radicais polarizações, que deturpam o rosto das Igrejas. Contraposições que são teológicas, culturais e políticas e que não são simplesmente o reflexo do choque epocal entre a saudosa reafirmação da tradição e a fluidez da modernidade, mas constituem inegavelmente as próprias inspirações e motivações da guerra mundial e das guerras civis, sem perdão e sem pacificação. Quando nos perguntamos como poderíamos ser testemunhas confiáveis da unidade substancial e não como mera virtude ou princípio genérico, não encontramos fáceis respostas, até porque muitos acham que ao tomarmos partido ao lado das vítimas, denunciando os responsáveis do extermínio programado dos pobres, nos colocaríamos em processos inconciliáveis com o mandamento da unidade. O que fazer diante da aparente inconciliabilidade da salvaguarda da paz com a defesa das causas dos oprimidos? Com efeito, as circunstâncias e os violentos, independendo da nossa vontade,  nos envolvem como inimigos na guerra mundial e na guerra civil. E, além disto nos acompanha um ulterior sintoma da precariedade do princípio-mandamento da unidade porque, quando nos enxertamos em movimentos que defendem causas humanitárias urgentes e indiscutíveis, somos obrigados a conviver com atitudes, posturas e comportamentos, que nem sempre coadunam com a nossa sensibilidade ética e política ou demonstram claros sinais de contradição. Nestas circunstâncias, a definição balthasariana da Igreja: “comunhão de solidões” aparece como âncora de salvação. Em suma, não passa de uma perniciosa ilusão apostar no diálogo diplomático ou, pior, na neutralidade equidistante para salvaguardar a unidade e a paz. Também certo pacifismo, que acredita na possibilidade de superar o conflito, ignorando o nosso inevitável envolvimento, é mais uma falsidade inconcludente. 

Nesse contexto é quase uma obrigação histórica recordar que, enquanto o papa Honório III dava continuidade à Quinta Cruzada, promovida por Inocêncio III através do Quarto Concílio de Latrão, Francisco de Assis, em 1219, viajava ao Egito com o objetivo de promover a paz. Ele se encontrava com o sultão Al-Malik Al-Kamil, líder muçulmano, sobrinho de Saladino, em Damieta. Uma profética oposição à guerra e à teologia católica da guerra santa. Um pobre e desarmado testemunho do valor incomensurável da fraternidade, que vai pacificamente além dos pecados da cristandade europeia. Um gesto de paz em tempos de guerra, que não se subtrai porém a implícita e também pacifica reprovação da traição do Evangelho e dos equívocos institucionais e culturais dos cristãos. A proposta de diálogo de Francisco não se sustenta a partir de discursos e doutrinas, e nem de estudadas negociações diplomáticas, mas, evangélica e simplesmente, na pobreza radical no seu corpo, que se expõe indefeso aos riscos que comporta o encontro com o inimigo dos seus próprios conterrâneos. É a fidelidade radical à Cruz, à Ressurreição, ao Shalom, à Paz. Francisco nos diz, também hoje, que a unidade surge, paradoxalmente, aos pés da cruz, na eliminação-crucificação do profeta Jesus que tomou partido ao lado dos agredidos da história. É a partir do patíbulo dos agressores romanos de onde surge, com o Seu perdão, a derrota definitiva do ódio, violência, guerra, morte.

Antes de recordar este episódio da vida de Francisco, por estranhos jogos da memória, voltava uma profecia inesquecível de Giorgio La Pira. Aliás, foi La Pira que nos conduziu a lembrar de Francisco de Assis e do seu diálogo com o Islam. La Pira acreditava na tríplice família de Abraão: judeus, cristãos e muçulmanos são os herdeiros espirituais do patriarca bíblico e por isto têm uma vocação especial para o diálogo e a missão da construção da Paz. Fiel à esta certeza utópica da Paz, foi um incansável articulador político. Pensamos nos Colóquios Mediterrâneos, iniciados em 1958, em que promoveu encontros entre líderes religiosos e políticos de países árabes e muçulmanos, buscando criar pontes de entendimento e cooperação. Ele acreditava que a política deveria ser guiada por valores evangélicos e espirituais e muitos, também do seu partido, a Democracia Cristã, o consideravam um ingênuo desconectado da realidade geopolítica e dos interesses econômicos. La Pira acreditava que Jerusalém deveria ser uma cidade universal, “santuário espiritual da paz”, “jardim da humanidade”, santuário imortal dos filhos de Abraão. Para ele, a cidade santa não pertencia exclusivamente a um povo ou religião, mas era um patrimônio espiritual comum. “(…) O Mediterrâneo, ao longo do qual vivem estes povos, não pode voltar a existir - é o seu destino! - um centro de atração e gravitação histórica, espiritual e política essencial para a nova história do mundo? Por que não começar, aqui mesmo, a partir da Terra Santa, a nova história de paz, unidade e civilização dos povos de toda a terra? Por que não superar com um ato de fé – religioso e histórico e, portanto, também político, nesta perspectiva mediterrânea e mundial – todas as divisões que ainda quebram tão gravemente a unidade da família de Abraão, para começar, precisamente a partir daqui, aquele inevitável movimento de paz destinado a abraçar todos os povos da terra e destinado a construir uma era qualitativamente nova (salto qualitativo!) na história do mundo?"[ii] Hoje, não poderíamos ampliar a geografia e a política espiritual de La Pira, com a convicção de que toda Terra Santa é terra universal, santuário dos descendentes de Abraão? E em Hebron, Cisjordânia, na caverna de Macpela, o Túmulo dos Patriarcas, os descendentes de Isaac, Ismael e Jesus de Nazaré assinariam um protocolo metapolítico, que afirma a primazia do sentido espiritual e ético da política, a renúncia definitiva ao poder do estado e da guerra. E um solene e inadiável pacto multilateral em defender e construir, paciente e sistematicamente, uma unidade de intenções e de práticas plurais que, longe de representar homogeneidade padronizada, vise garantir um planeta-humanidade sem males, sem lágrimas, sem dor, sem morte! 

PROPOSTAS OPERATIVAS PARA UMA NECESSÁRIA E URGENTE QUALIFICAÇÃO DOS NOSSOS COMPROMISSOS MISSIONÁRIOS NO BRASIL

Introdução

Acreditamos que, desde o nosso ponto de vista, nesse último sexênio a nossa Província, jamais como hoje, foi catapultada numa inexorável encruzilhada ou, se preferirmos, num divisor de águas. E, simultaneamente, - como sempre ocorre em ‘situações-limite’ - ela pode, também, estar a mergulhar num ‘Kairós’ carregado de inéditas oportunidades e perspectivas jamais vislumbradas. A palavra-categoria ‘crise’ que, comumente, é utilizada para expressar situações problemáticas, conflituosas, indefinidas, etc. talvez não traduza, adequadamente, no nosso caso específico, a atual situação sociopastoral e identitária pela qual a Província Comboniana do Brasil está a atravessar. Seja o que for o que sentimos como inadiável é a urgência de tomarmos uma decisão que venha a recolocar a Província num trilho que, a nosso ver, por diferentes motivos e por mudanças estruturais na vida religiosa e eclesial, vem sendo, progressivamente, desmontado, a saber: a coragem, a ousadia e a capacidade sistemática e paciente de analisar, rever e requalificar, radicalmente, TODAS as nossas presenças missionárias nesse País. E adotarmos uma metodologia que seja capaz de nos oferecer, como produto final, um quadro claro, realista, sincero, coerente do que somos e do que queremos, aqui, agora, e num futuro próximo. 

Contextualização e justificativa

Consideramos que a partir do esquema que nos foi encaminhado tendo em vista a condução da assembleia provincial, não há nem tempo suficiente (02 dias) e nem metodologia apropriada para enfrentarmos o que aqui abaixo propomos. A tradicional leitura de relatórios e o enfoque proposto não nos parecem adequados para responder ao tamanho dos desafios que a Província está a enfrentar. Parece-nos consolidada a constatação de que quase ninguém ao longo desses últimos 6 anos, ou melhor dito, desde a unificação das duas províncias, não produziu e não apresentou, formal e publicamente, um informe-relatório satisfatório do que vem sendo desenvolvido in loco, e a sua respectiva análise crítica e/ou autocrítica, bem como as possíveis perspectivas (região amazônica - ecologia integral- catadores e reciclagem - ribeirinhos – indígenas – afrodescendentes - paróquias combonianas – direitos difusos: adolescentes, pastoral carcerária, saúde mental – formação de base e permanente - animação missionária e vocacional...) e que, dificilmente, haverá chances de aprofundamento e de análise de dados para eventuais discernimentos e decisões quanto ao futuro de algumas dessas presenças na próxima assembleia de outubro. Considerado, também, que o Plano Sexenal elaborado e formalmente aprovado, desde o nosso ponto de vista não reflete a ‘realidade real’ da nossa Província por ela ter feito a escolha de manter um número excessivo de presenças e compromissos, e sem a devida análise de ‘disponibilidades e disposições pessoais’ e, não último, a ‘indecifrável incorporação ou não das ‘prioridades provinciais’ na dimensão pessoal e comunitária, achamos que é imprescindível e inadiável um amplo processo de escuta e de discernimento. Daí a necessidade de realizarmos algo mais sistemático e abrangente com o intuito de não somente elaborar um diagnóstico o mais exaustivo e coerente possível, mas colocar as bases para uma redefinição missionária no Brasil, tentando superar uma certa descaracterização da nossa prática missionária planejada e a genericidade de muitos dos nossos compromissos. Nesse sentido PROPOMOS que a primeira parte do ano de 2026 seja dedicada quase que exclusivamente para uma espécie de ‘fechamento por balanço’ ou, se preferirmos, para uma ‘ampla revisão qualificada, técnica, e objetiva’ dos nossos atuais compromissos e da sua possível continuidade, consequentes modalidades e recursos humanos necessários mediante visitas in loco, coleta documental do que existe e elaboração de um relatório final apontando falhas, incoerências organizativas, mas, principalmente formulando propostas concretas para dar continuidade ou não a uma determinada presença. 

Algumas propostas operativas

Dito isso, vamos oferecer as nossas propostas operativas realistas, tendo presente, inclusive, a atual conjuntura marcada por um processo eletivo interno, já em curso, e uma consequente e possível troca de pessoas nas instâncias de coordenação (provincial, conselho, secretariados...). Aqui não se quer entrar, propositalmente, em muitos detalhes, pois em caso de aprovação, as equipes responsáveis poderão aprofundar e detalhar o processo todo.  Nesse sentido propomos:

1. Até o dia 15 de janeiro de 2026 constituir três pequenas equipes e/ou comissões com a incumbência de visitar e conhecer de forma profunda todas as atuais presenças missionárias de acordo com a subdivisão geopastoral já em vigor. Haveria um primeiro momento presencial, coletivo, com todos os membros escolhidos em que se estabelecem metodologia e datas-prazos. Sugere-se:

a. A Equipe Amazônica formada pelo atual coordenador do setor ou o futuro, o provincial atual ou o futuro ou uma pessoa escolhida por ele, e 01 convidado de confiança da região (pode ser um pesquisador, religioso, etc. para permitir um olhar mais externo e imparcial). Planejarão de acordo com a comunidade as visitas in loco, a saber: Manaus, Boa Vista, Porto Velho, Piquiá;

b. A Equipe Litoral formada pelo atual e/ou futuro secretário da Missão, provincial ou sua pessoa de confiança, e convidado externo de confiança da região nordestina. As comunidades a serem visitadas: São Luís, Fortaleza, Salvador, Marcos Moura, Contagem;

c. Equipe temática - Sul formada pelo provincial ou o seu indicado, o novo conselheiro a ser eleito, e uma pessoa externa de confiança da região. Comunidades a serem visitas: Carapina, São Paulo (I-II), Curitiba, São José do Rio Preto. Esta equipe poderia se dedicar mais a avaliar temas quais economia, formação e animação missionária, doentes....

2. O êxito do trabalho depende da clareza dos objetivos escolhidos de forma consensual e, evidentemente, da colaboração das comunidades visitadas e, não último, a metodologia a ser adotada em todas as visitas. O que achamos essencial para as equipes ‘descobrir, conhecer e intuir’ nessas visitas formais? Aqui vão algumas sugestões:

a. Coletar relatórios, publicações, anotações sobre tudo o que diz respeito aos trabalhos desenvolvidos pela comunidade como um todo e, especificamente, por cada confrade. Importante avisar de antemão que cada pessoa prepare de antemão o material ilustrativo do que vem desempenhando (atividades/iniciativas pastorais na paróquia ou em outras atividades específicas...) Quem não possui esse substrato documental terá prazo suficiente para elaborar relatórios explicativos específicos e fornecê-los à equipe. 

b. Acompanhar e visitar os contextos sociogeográficos em que atuamos (comunidades ribeirinhas, indígenas, centros, conselhos locais, etc...) e manter encontros formais e informais com lideranças locais e conselhos paroquiais. Se, por ventura, algo já foi feito nesse sentido, recentemente, por alguém do Conselho, ter-se-á presente o que foi elaborado por ocasião da visita.

c. Manter um diálogo aberto, franco, pessoal com cada confrade no intuito de compreender suas pequenas ou grande angústias, dúvidas, sonhos, projetos, disponibilidade... Não se trata de criar uma ficha policial do confrade, e sim, de compreender com o que mais ele se identifica em termos de serviço missionário, e valorizar suas qualidades e potencialidades.

3. Acreditamos ser possível realizar uma síntese bastante detalhada e precisa da realidade macro e específica da nossa província até a metade de junho. Aqui, o que se trata não é oferecer um diagnóstico rigorosamente técnico e bem redigido, mas o suficiente e necessário para ver se, por exemplo,  vale a pena continuar ou não num determinado lugar; se é, efetivamente o atual contexto geopastoral mais apropriado ou deveria ser outro ou, ate, fortalecendo e diversificando um já existente; ver se os atuais confrades estão, efetivamente identificados com o que a Província pede ou se é preciso colocar outros; analisar com criticidade e ‘distanciamento’ se as atuais prioridades possuem confrades que se identificam com elas ou se seria melhor providenciar as suas necessárias transferências; saber ate quando e com quais condições se pode contar com este ou aquele confrade, sem deixar de prever uma possível desistência, possíveis destinações outras, sem ignorar os ‘normais conflitos intracomunitários’ que acabam desgastando a convivência; se a metodologia de visitar, de se comunicar, e de avaliar uma determinada presença por parte do Conselho é a mais adequada, ou se seria necessário mudar; se o papel desempenhado pela coordenação e/ou secretariados atende aos anseios e as expectativas que as assembleias deveriam explicitar; se vale a pena ter assembleia de dois dias e retiros espirituais de 4 dias; e assim por diante...

Conclusão

Evidentemente é uma proposta inacabada, e a partir de uma determinada percepção que, de repente, não é sentida e partilhada pela maioria, o que é perfeitamente legítimo. Acreditamos, contudo, que um sentir comunitário e pautado pela responsabilidade e a fraternidade não pode deixar de nos preocupar com uma realidade que, lembramos, não é exclusiva de nós combonianos, no entanto deveria nos impelir a externar o que sentimos e vislumbramos. Se acharmos que do jeito que está a nossa caminhada como Província não exige nada de mais ou, talvez, só alguns ‘ajustes’, pedimos vênia pela nossa cegueira ou, quem sabe, pelo excesso de visão. Se, ao contrário, achamos que algo verdadeiro e realista foi aqui escrito e, sinteticamente, explicitado, então a HORA É AGORA. O nosso Kairós depende também de nós!

Piquiá, 12 de Outubro, 2025


sábado, 11 de outubro de 2025

FESTA DE NOSSA SENHORA APARECIDA - MENOS DEVOÇÃO, E MAIS COMPROMISSO EM REPRODUZIR AS OPÇÕES DE MARIA DE NAZARÉ!

Há muitas Marias dentre nós que nos revelam o rosto amável de um Deus que não vemos. Que nos ajudam a sentir que o Absoluto está entre nós. Que não é preciso adorá-Lo e louvá-Lo mas que é imprescindível amar, cuidar, proteger os seus filhos e filhas que somos nós! Se Jesus, fruto do amor entre José e Maria, foi aquela pessoa dedicada, generosa, atenta e compassiva que conhecemos é porque, certamente, teve uma educação intensa e específica por parte de seus pais que o prepararam para tal finalidade. É inadiável dentro da nossa igreja dar um novo direcionamento à nossa espiritualidade mariana. Maria não é deusa, não é rainha, e tampouco é uma santa a ser enclausurada num santuário para ser venerada! Maria é para ser seguida e ouvida. É para reproduzirmos e atualizarmos seus gestos, suas escolhas e suas opções de vida. O desafio para nós, hoje, é sabermos ouvir o clamor e a voz dos anjos humanos anunciadores de paz; é denunciar a falta do vinho do amor lá onde sobra ódio; é ter a coragem de percorrer montanhas para servir e proteger; é percorrer os calvários da vida e não abandonar os muitos filhos crucificados. É estarmos presentes nos inúmeros cenáculos carregados de esperança e de Espírito Transformador e compreendermos que a Boa Nova não se anuncia num templo ou numa sacristia, mas em todos os rincões da 'Pátria Amada' e da  humanidade.