quarta-feira, 19 de março de 2008

Índios Ka´apor denunciam extração ilegal de madeira da área indígena Alto Turiaçu

Quero, como início de conversa, apresentar um documento elaborado por algumas lideranças indígenas Ka'apor do Maranhão sobre o que vem ocorrendo na sua área indígena Alto Turiaçu. A denúncia-ofício foi dirigida ao Procurador da República no Maranhão. Algo espantoso.


São Luis, 29 de fevereiro de 2008

OFÍCIO 01/2008

Prezado senhor Procurador
queremos denunciar e exigir a imediata instauração de inquérito policial para apurar e punir os responsáveis de fatos criminosos abaixo citados que vêm prejudicando o ambiente, a integridade física e cultural do povo Ka’apor e da nossa área indígena Alto Turiaçu em que vivemos.

1. Constatação de extração ilegal de madeira nobre, em grandes proporções, tendo como entrada a cidade de Maracaçumé, seguindo para as localidades Barro Branco, Bom Lugar, Quadra 50, Quadra 60 e outras localidades próximas, de onde dezenas de caminhões madeireiros se adentram, diuturnamente, na nossa área. Além disso, registramos na região a presença perniciosa de plantadores de entorpecentes e a existência de um garimpo na localidade conhecida como Serra Grande dentro da nossa área, ás margens do Rio Gurupi.

2. Um segundo foco de extração ilegal tem como porta de entrada a cidade de Centro do Guilherme. Vários madeireiros tais como o Sr. Luiz, residente em Capanema (PA), os senhores Alano, Conceição e Riba, todos moradores do Centro do Guilherme, mediante oferecimento de dinheiro e outras vantagens, conseguiram o apoio-cumplicidade dos dois caciques, Renaxin e Peri Ka’apor, da aldeia Axiguirendá, que fica a 25 Km do C. do Guilherme. Os dois caciques, mesmo não tendo o consentimento da comunidade indígena, vêm praticando o comércio de numerosas espécies de árvore e se beneficiando individualmente, de tal negócio escuso. Queremos denunciar nesse contexto, um fato gravíssimo de abuso sexual (estupro) que ocorreu na aldeia Axiguirendá alguns meses atrás. Um peão do madeireiro Luiz, de que não lembramos o nome, durante uma festa na aldeia, aproveitou da confusão para seqüestrar à força e abusar sexualmente de uma menor Ka’apor, de 12 anos. Pela manhã, a mãe da menina que havia passado a noite à sua procura, ao encontrá-la e ao ter certeza que havia existido violência, chamou os moradores da aldeia. Infelizmente, o responsável foi posto em liberdade pela ordem do cacique Renaxim. Mesmo assim, alguns membros da aldeia denunciaram o fato ao delegado de Polícia do Centro do Guilherme que não tomou nenhum tipo de medida para prender o responsável até o presente momento. O criminoso continua residindo livremente no Centro do Guilherme.

3.Um terceiro foco de extração de madeira incidindo na nossa área é a que tem como base a cidade Santa Luzia do Paruá e tendo como sua porta de entrada a aldeia Ximborendá. Aqui, os madeireiros conhecidos como Geovane, de Buriticupu, o Sr. Ronaldo e o seu irmão Lucivaldo moradores da localidade Limão (Zé Doca), com a cumplicidade dos caciques Eubébio e Coronel Ka’apor de Ximborendá, vêm extraindo sistematicamente madeira nobre da área, sendo ela transportada somente a partir da meia noite. Isto vem causando muita revolta, inclusive, na população não indígena e nos poderes públicos daquela cidade pelo fato de os caminhões estarem transitando em época invernal causando grandes estragos às estradas vicinais reformadas recentemente pela prefeitura. Atualmente, na aldeia Ximborendá assiste-se a uma verdadeira competição interna de grandes proporções onde a venda de madeira escapuliu do controle indígena, e a negociação passou a ser feita individualmente pelos índios causando numerosos conflitos e disputas. O IBAMA e a FUNAI já foram alertados sobre esses fatos, mas nada aconteceu até agora.

4.Um quarto foco de extração ilegal de madeira que vem causando prejuízos incalculáveis à nossa área é o que tem como base e porta de entrada o povoado “clandestino” (por estar na área indígena Awá-Guajá homologada em 2005) Vitória da Conquista, no município de Zé Doca. De Vitória da Conquista, vários madeireiros de que não conhecemos a identidade, se adentram pelas localidades Marronato e Xapu provocando estragos ambientais não somente á nossa área, mas também à dos parentes Awá-Guajá. A madeira extraída é levada às serrarias dos senhores Evandro Neude, Chiquinho e na Serraria Concrene (fabricação de compensados) na região que fica a cerca de 5 Km. do Rio Gurupi. Além dessas três, atravessando o Rio Gurupi, do lado paraense, na região conhecida como “Beiradão”, existem mais três serrarias que “beneficiam” a madeira indígena Ka’apor e Awá-Guajá.

5.Nas imediações da mesma região às margens do Rio Gurupi, a partir da aldeia Sítio Novo, e tendo como protagonistas parentes indígenas existe prática de comércio de madeira serrada já na mata sob forma de pranchas. De lancha faz-se a travessia do Rio Gurupi e vendem-se as pranchas ao Sr. Nelson, do outro lado do Rio. O Nelson é residente na cidade de Paragominas, Pará.

6.Um último foco de extração de madeira indígena, a partir das informações e constatações que possuímos, é o que tem como base de entrada a localidade Ebeneza, município de Zé Doca. Os madeireiros conhecidos como Raimundo Jafin, Maria Valê, Zé Riba e Valdir, todos moradores daquela localidade, conseguiram o apoio-cumplicidade dos parentes Bernardo e Valdeci Ka’apor da aldeia Zé Gurupi. A madeira é levada quase inteiramente às serrarias de Zé Doca e daí para os estados Nordestinos.

Diante do exposto e constatando os inúmeros prejuízos ambientais, sociais e culturais que o nosso povo Ka’apor vem sofrendo, juntamente com o povo Awá-Guajá, PEDIMOS:
a) Uma imediata operação policial para reprimir, prender e processar os responsáveis pelos danos causados ao ambiente e ao povo Ka’apor e Guaja.
b) Confiscar toda a madeira que for encontrada dentro e fora da área indígena e que não tem origem legal.
c) Seqüestrar todos os equipamentos e outros bens que forem encontrados em área indígena e exigir ressarcimento pelos danos causados.
d) Instalação de postos de vigilância/fiscalização em conjunto com IBAMA/FUNAI/PF nos locais mais expostos para reprimir a extração e o comércio da madeira indígena.
Temos consciência da gravidade da situação e dos conflitos existentes e de outros que poderão surgir se tal situação permanecer como está. Entretanto, apelamos para que sejam tomadas medidas urgentes e enérgicas antes que o povo Ka’apor se desagregue de forma irreversível.

Cordialmente

Faustino Rossi Ka’apor
Valdemar Ka’apor

NESTA
Sr. Procurador Alexandre Silva Soares
- São Luis -

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