quinta-feira, 18 de abril de 2024

Crise sistêmica - Erosão do Ethos e asfixia da Espiritualidade - Por Leonardo Boff

.... Entre outras causas, considero duas fundamentais: a erosão da ética e a asfixia da espiritualidade.

Recuperemos o sentido clássico de Ethos dos gregos, pois nos iluminam ainda hoje. Ethos escrito em maiúsculo significa a casa humana. Vale dizer, separamos uma parte da natureza, a trabalhamos de forma a ser o espaço de viver bem. A outra forma é o ethos em minúsculo, que são as formas como organizamos a casa para que nos sintamos bem nela e possamos dar hospitalidade a quem nos visitar: enfeitar a sala, colocar corretamente as mesas, cuidar da cozinha, alimentar o fogo sempre aceso, manter a dispensa abastecida e os quartos decentemente arrumados. São as virtudes éticas que dão concreção ao Ethos. Mas não só, pertence ao Ethos zelar pelo entorno da casa, do jardim, de estátuas de divindades. Só assim o Ethos (viver bem) ganha forma concreta (ethos).

Hoje o Ethos é a Casa Comum, o planeta Terra. Por séculos alimentou a humanidade. Mas, com o advento da ciência e da técnica, temos explorado de forma ilimitada e irresponsável seus bens e serviços de forma que, hoje, ultrapassamos sua capacidade de suporte (The Earth Overshoot), a assim chamada Sobrecarga da Terra. Ela é finita e não suporta o projeto da modernidade de um crescimento infinito. O Ethos (viver bem na casa) e o ethos, as formas de organizá-la desestruturou tudo o que é importante para viver bem: poluímos as águas, sobrecarregamos os alimentos com agrotóxicos, envenenamos os solos, contaminamos dos ares a ponto de afetar o sistema da vida natural e da vida humana. Assistimos a erosão geral do Ethos, do ethos e da ética. A Casa Comum deixa de ser comum, e é apropriada por elites que detêm terras, poder, dinheiro e a condução da política do mundo. Elas se transformaram no Satã da Terra.

Tão grave quanto a erosão do Ethos, do ethos e da ética em geral é a asfixia da espiritualidade humana. Deixemos claro: espiritualidade não é sinônimo de religiosidade, embora a religiosidade possa potenciar a espiritualidade. A espiritualidade nasce de outra fonte: do profundo do ser humano. A espiritualidade é parte essencial do ser humano, como a corporalidade, a psiqué, a inteligência, a vontade e a afetividade. Neurolinguistas, os novos biólogos e eminentes cosmólogos como Brian Swimme, Bohm e outros reconhecem que a espiritualidade é da essência humana. Somos naturalmente seres espirituais, mesmo não sendo explicitamente religiosos. Essa porção espiritual em nós se revela pela capacidade de solidariedade, de cooperação, de compaixão, de comunhão e de uma total abertura ao outro, à natureza, ao universo, numa palavra ao Infinito. A espiritualidade faz o ser humano intuir que, por detrás de todas as coisas, há uma Energia poderosa e amorosa que tudo sustenta e a mantém aberta a novas formas no processo da evolução. Alguns neurólogos identificaram um fenômeno excepcional. Sempre que se aborda existencialmente o Sagrado, a experiência de pertença a um Todo maior, verifica-se numa parte do cérebro forte aceleração dos neurônios. Eles, não os teólogos, o chamaram de “ponto Deus no cérebro”. Como temos órgãos exteriores pelos quais captamos a realidade circundante, temos um órgão interior que é nossa vantagem evolutiva, de perceber Aquele Ser que faz ser todos os seres, aquela Energia misteriosa que penetra todos os seres e os vivifica.

Essa dimensão espiritual de nossa natureza foi sufocada por nossa cultura que venera mais o dinheiro que a natureza, o consumo individual que a repartição, que é mais competitiva que cooperativa, prefere o uso da violência do que o diálogo para resolver conflitos e criou a guerra nuclear e biológica como dissuasão, ameaça e eventual utilização, o que significaria o fim do sistema-vida e do sistema-humano. A violência e as guerras implicam a asfixia da espiritualidade, intrínseca à nossa essência. Atualmente a eclipse da ética e a negação da espiritualidade humana poderão levar-nos a situações dramáticas, não excluindo tragicamente a extinção da espécie homo depois de alguns milhões de anos, amados, nutridos pela Magna Mater que não soubemos retribuir-lhe cuidado, reverência e amor.  Nem por isso nos desesperamos. O universo guarda surpresas e o ser humano é um projeto infinito, capaz de criar soluções para erros que ele mesmo cometeu.

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