1. “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (Lc. 23,34)
Jesus, na sua vida pública, sempre revelou o perdão do Pai; no encontro com os pecadores deixou transparecer a misericórdia restauradora de Deus. O perdão foi a marca de sua vida e deve ser também a marca dos seus seguidores.
É difícil perdoar: a dor, o orgulho, a própria dignidade, quando é violentada, grita pedindo “justiça”, buscando “reparação”, exigindo “vingança”... Mas, perdão?
Surpreende-nos que Jesus na Cruz seja capaz de continuar vendo humanidade em seus verdugos, em seus algozes; Ele é capaz de continuar crendo que há esperança para aqueles que cravam seus semelhantes na Cruz.
Porque, esta palavra de perdão, dita a partir do madeiro, é sobretudo uma declaração eterna: o ser humano, todo homem e toda mulher, conserva sua capacidade de amar nas circunstâncias mais adversas. E todo ser humano, até aquele que é capaz das ações mais atrozes, continua tendo um germe de humanidade em seu interior e que permite que haja esperança para ele.
Perdoar é atrever-se a ver o que há de verdadeiro, de beleza em cada um. O perdão é capaz de ver dignidade e faísca de humanidade escondida no coração do verdugo. O perdão abre futuro, destrava a vida e não se deixa determinar pelos erros do passado; ele quebra distâncias, nos faz descer em direção à fragilidade do outro, ao mesmo tempo que revela nossa própria fragilidade.
O perdão é algo soberano, um gesto, uma decisão pessoal e autônoma. A pessoa decide perdoar mesmo que o outro não queira receber o perdão! É a firma decisão de romper a espiral da violência: de uma agressão inicial, vem a resposta com mais violência por parte do agredido que, por sua vez, responde mais violência....
É enquanto pecadores que somos chamados a perdoar e não enquanto justos, só ver o filho mais velhos da parábola do ‘pródigo’. Por isso, no perdão é onde mais nos assemelhamos a Deus, pois só Ele podia inventar o perdão. Deus também continua me perdoando hoje, pelas atitudes pecaminosas em minha vida que destroem, rompem, ferem os outros e o meu mundo.
Perdão não é ignorar o erro ou o crime cometido, isto seria omissão ou, pior, cumplicidade. É não fazer ao outro o que ele fez aos outros em termos destrutivos. É ajudá-lo a se libertar e ser uma pessoa nova renascida!
- Deixar ressoar esta expressão de Jesus: Fiz experiência de perdão? Sou capaz de perdoar e capaz de acolher o perdão que me é oferecido?
2. “Hoje estarás comigo no paraíso” (Lc. 23,43)
Jesus sempre viveu “em más companhias” e agora morre entre dois ladrões. Mais uma vez, não assume o papel de juiz sobre os outros, mas oferece uma nova chance de salvação. É o Agonizante que está para morrer, mas que dá vida, dá esperança a outros moribundos. É presença solidária, que, mesmo em meio ao pior sofrimento, oferece companhia, acolhida, amizade a outros sofredores.
Um dos ladrões, impactado pela serenidade e testemunho de Jesus consegue “roubar o paraíso” a Jesus. Jesus revela uma promessa que muitas pessoas precisam ouvir hoje, sobretudo aqueles que carregam cruzes injustas e pesadas, que vivem realidades atravessadas pela dor, pela solidão, dúvida, incompreensão ou pranto... Como soarão estas palavras no interior de cada um de nós: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. Hoje: porque as mudanças, a nova criação, a humanidade reconciliada, não tem que esperar mais; hoje, agora, aqui, já...; talvez se esse “hoje” não chega é por causa de tantas pessoas que não decidem, não optam por ‘ter o paraíso’, mas esperam sentadas, paralisadas, alienadas...
Comigo: promessa de viver em sua companhia e desperta ecos de uma plenitude de vida que não conseguimos entender. No paraíso: que não é um mítico Eden, mas um lugar de plenitude de vida, onde não haverá mais tristeza, nem pranto, e nem dor; uma realidade já presente que pode e deve ser construída aqui, agora, onde habitará a justiça e a paz.
- Deixar ressoar esta expressão de Jesus para construir, hoje, o Paraíso em nosso cotidiano. - Como construir e viver hoje no paraíso? Neste momento, a quem podemos despertar a esperança do paraíso?
3. “Mulher, eis o teu filho; filho, eis a tua mãe” (Jo 19,26)
Maria, mulher do “sim”; “sim” que se prolonga até à Cruz, onde, de pé, revela sua presença materna e consoladora junto a seu Filho Jesus. A presença de Maria na vida de Jesus não é acidental: foi aquela que mais amou, conheceu e seguiu Jesus. Ela agora é nossa referência fiel no seguimento do seu Filho.
Despojado de tudo, Jesus tem um tesouro a nos dar: entrega sua própria mãe para que ela seja presença cuidadora e de ternura junto aos seus filhos sofredores. Jesus não nos deixa órfãos; sempre precisamos dos cuidados e do consolo de uma mãe; alguém para nos acompanhar nas horas mais obscuras e difíceis; alguém que nos sustenta nos momentos trágicos; alguém que compartilha nossas perdas... e que também está presente nas horas boas, que chegarão.
É como se Jesus nos dissesse: “Para viver o meu seguimento, inspire-se nela, em Maria, tenha-a como referência”. Não estamos sozinhos: muitas presenças marianas em nossas vidas – amigos, pais, filhos, irmãs... São tantas pessoas junto ao pé da cruz, inumeráveis homens e mulheres de Igreja que foram e são companheiros de caminho, de esforço, de apoio, de buscas e de amor.
João, também de pé junto à Cruz, representa todo seguidor fiel de Jesus, que não larga o Mestre na hora da desgraça, mesmo nos momentos de crise. Com efeito, para João o discípulo amado representa a nova igreja que acolhe aquela igreja que ainda tem um pé no antigo testamento, no judaísmo (Maria), e que não aderiu plenamente. Jesus pede para acolhê-la e se acolherem reciprocamente.
- Deixar ressoar estas palavras de Jesus: perguntemo-nos se nós tentamos ser presença materna, solidária e cuidadora junto aos sofredores e crucificados da nossa comunidade....ou se fazemos a mesma escolha dos apóstolos de abandonar o crucificado e fugir.
4. “Meu Deus, meu Deus, para que me abandonaste?” (Mt 27,46)
O grito de Jesus na Cruz condensa o grito da humanidade sofredora; é o próprio Deus que grita o seu abandono. Esse grito de Jesus revela uma Presença no próprio abandono, embora, de imediato não se sinta esta presença. É um grito que não fica no vazio, mas aponta para a Vida.
Muitos de nós nos perguntamos: “Onde está Deus no sofrimento, na violência, na morte...?” Ou, o que fiz de ruim para merecer essa doença, essa provação...’? E Deus responde, perguntando: “Onde está você no meu sofrimento, na violência que sofro, na morte... de meus filhos/as?” O sofrimento da humanidade é o sofrimento de Deus; Deus não é insensível e distante da dor dos seus filhos.
Quem não passa por momentos de noite escura, de insegurança, de absoluta incerteza...? Quem não viveu experiências de abandono, de falta de sentido na vida, de solidão, de rejeição...? Quem não tem momentos de ceticismo, de amargura, de medo, de dúvida...? Quem não se pergunta, talvez por um instante fugaz, mas pungente, onde está o Deus da vida, agora?
Nesses momentos temos a impressão de que todas as nossas opções foram equivocadas, que cada decisão nos levou por um caminho sem saída... Nesses tempos nos remorde o fracasso, a miséria, própria e alheia. É do meio desta situação que brota um grito desesperador, como o de Jesus... No entanto, nos atrevemos a seguir adiante, com nossos projetos, compromissos e esforços em seu nome. Mais que isso: em lugar de olhar o porquê disso ou daquilo, somos convidados a entender e acolher o PARA QUE, PARA QUAL FINALIDADE Deus permite que façamos a experiência do abandono, da dor inexplicável e da solidão? Para nos tornarmos mais humanos, para compreender melhor a dor alheia ou para dar vazão à nossa indignação e revolta? O que me ensina essa experiência de dor e de angústia? Será que não vai nos ajudar a entrar em sintonia com os dramas existenciais de tantos irmãos?
O desafio está em não ceder, em não crer que tudo tem sido uma mentira. O desafio é não abandonar, não se render, não capitular nesses momentos. Entende-se, assim, o grande “grito” que brotou das profundezas da dor de Jesus na Cruz e que continua ecoando como clamor angustiado. Não são poucos os gritos dos mais pobres e dos excluídos. É um clamor forte pela intensidade de suas carências. Um clamor surdo porque não consegue impactar de modo a conseguir respostas prontas e imediatas aos graves problemas que os afligem.
O grito dos sofredores é sempre forte. Forte pela violência das necessidades e das urgências para a garantia de uma vida mais digna. Em Cristo se condensam todos os gritos da humanidade sofredora.
Sua força, no entanto, não consegue incomodar a todos os que precisam ser interpelados pela exigência deste clamor. Um grito, pois, é a expressão do mais forte sentimento que está no centro do próprio coração; é, também, a expressão mais concreta do que aflige o coração. Um grito é, na verdade, um convite a um compromisso solidário.
O grande grito de Jesus é a certeza de tudo o que sustenta o seu coração; ao ecoar junto aos crucificados, provocará grandes novidades. Um grito que não fica no vazio mas aponta para a vida.
- Deixar ressoar este grito de Jesus: quais são os gritos surdos que brotam da nossa realidade hoje, aqui em Piquiá?
5. “Tenho sede...” (Jn. 19,28)
Justamente Jesus, a água viva que garante que quem bebe a sua água nunca mais terá sede manifesta a sua sede intensa e trágica! Jesus sempre foi um homem “sedento”: sedento para fazer a vontade do Pai, de realizar o Reino, de transformar a vida das pessoas, de ter uma presença solidária junto aos sofredores, sede de tornar conhecido Deus como Pai/Mãe...misericordioso.
Agora grita sua derradeira sede: sede de um mundo redimido, sem dor, sem exclusão, sem violência, sem cruzes. Grita o homem com a garganta ressequida: sede na garganta e sede no coração. Grito que se multiplica em milhares de gargantas espalhadas pelo mundo: quero “justiça”, clamam os injustiçados deste mundo; quero “pão”, pede a criança com a barriga inchada de ar e de fome; quero “paz”, exclama a testemunha de atrocidades sem fim; quero “amor”, pede o jovem solitário por ser estranho; quero “moradia”, sonha o morador de rua que dorme em um banco da praça; quero “trabalho”, suspira uma jovem que se sente fracassar; quero liberdade escreve o presidiário em seus poemas; quero saúde, recita o enfermo em seu leito... Vozes de compaixão, vozes de pranto, vozes que refletem as dores do mundo.
O grito de Jesus na Cruz recolhe todos esses brados da humanidade quebrada, dividida, autodestrutiva. E não há explicação; não há sentido; não há justiça. Só um grito a mais. A sede de Jesus desperta em nós outras “sedes”: de que tenho sede? Sede de sonhos, de mundo novo, de poder, de prazer, de aventuras????
Sede mobilizadora que desperta e ativa as melhores energias dentro de nós, sede que purifica nossa capacidade de escutar os gritos, de perto e de longe. O que fazer? “Quem tem sede venha a mim e beba”. Quem não tem sede não busca, não cria. Quem não sente sede não descobre a verdadeira água aquela que tem o poder de saciar a nossa sede uma vez por todas.
O que oferecemos nós àqueles que gritam porque têm sede? Água viva ou vinagre, amor e acolhida ou ódio e exclusão?
- Deixar ressoar essa súplica de Jesus: Quem são os sedentos da nossa comunidade que gritam por amor e acolhida? Como e com quem podemos saciar a sede que está nas gargantas e no coração das pessoas?
6. “Tudo está consumado” (Jo. 19,30)
Parece uma contradição alguém dependurado na Cruz afirmar que tudo está consumado; tem-se a impressão de fracasso total. Mas na Cruz Jesus leva até às últimas consequências sua Encarnação: mergulha e se faz solidário com todos os crucificados da história. “Desce” até às profundezas (ínferos) do sofrimento humano e ali revela a presença do Deus humano e compassivo.
No alto da Cruz, Jesus tem consciência que não viveu em vão; sua presença fez a diferença; viveu para os outros. Jesus morre com as mãos cheias de vida; gastou a sua vida a serviço da vida de todos; deixou pegadas nos corações de quem encontrou pela vida. “Jesus morreu de tanto viver”. Morreu de bondade, de compaixão, de justiça. Jesus teve um “caso de amor” com a vida; viveu intensamente.
Paradoxalmente, uma vida bem consumada torna fecunda a morte. Uma vida, bem vivida, intensa, fez tudo o que tinha que fazer. Faz com que a morte não seja em vão. Uma história consumada de Amor. Vida consumada quando se consome no serviço aos outros. Jesus desencadeou um movimento de vida.
- Deixar ressoar esta afirmação de Jesus: quão plenificante é poder dizer a cada dia: tudo está consumado. É poder dizer como Pablo Neruda: “Confesso que vivi”.
7. “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lc. 23,46)
Só quem viveu intensamente uma vida expansiva pode acolher a própria morte com paz, confiança, serenidade e abandono nos braços do Pai. Jesus morre como tinha vivido: ancorado na confiança do Pai. Jesus, que sempre prolongou as mãos do Pai, agora entrega-se confiadamente nos braços do mesmo Pai.
Jesus sempre viveu em profunda sintonia com o Pai; agora Ele dá um “salto vital” nos braços do Pai. Ao “entregar seu espírito” Jesus é “aspirado” para dentro de Deus. A morte nos inspira medo; mas na morte, somos todos iguais, sozinhos diante de Deus.
A morte é a última ponte que nos conduz ao Pai. Seremos abraçados do outro lado da ponte. Nosso destino é o coração de Deus. Não só na hora da morte, mas a cada dia somos chamados a “entregar o espírito”; num mundo em que todos buscam seguranças, que em tudo querem ter “salva-vidas”, num mundo que nos convida a ter as costas cobertas... queremos arriscar, apostar pelo Reino; queremos nos sentir confiados, atravessar tormentas ou espaços serenos, sentindo-nos protegidos pelas mãos do Pai. Mãos que curam, acariciam, sustentam...mediante as mãos visíveis, concretas de quem convive conosco, de quem faz parte da comunidade dos seguidores de Jesus.
‘Entregar, ou melhor, expirar’ - significa deixar sair o hálito para que os que estão próximos estejam prontos para ‘inspirar’, e acolher. Debaixo da cruz há João e as mulheres ‘inspirando o hálito de Jesus’, colocando para dentro de si o último respiro de vida de Jesus sinalizando que agora, são elas que irão dar continuidade à missão e ao jeito de ser de Jesus.
- Deixar ressoar em nosso interior as palavras de entrega de Jesus: vivemos amparados pelas mãos providentes e cuidadosas do Pai; sentir-nos movidos a prolongar as mãos do Pai.
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