A vitória do jovem candidato muçulmano, de origem africana e indiana, revela mudanças políticas e sociológicas em meio à era Trump. O voto jovem foi crucial em uma eleição que dá novo fôlego à ala esquerda do Partido Democrata. Mais uma vez, a surpresa veio de Nova York. Desta vez, no campo democrata e em nível local, o outsider de esquerda Zohran Mamdani venceu as primárias de seu partido para as próximas eleições municipais da megalópole de quase 8,5 milhões de habitantes, marcadas para novembro.
O político de trinta e poucos anos impôs uma dura derrota ao ex-governador Andrew Cuomo, de 67 anos. Nem o grande apoio financeiro de bilionários — cerca de 25 milhões de dólares para seu “Super PAC” (Comitê de Ação Política autorizado a gastar somas ilimitadas) —, nem sua máquina política, nem a desconfiança das elites midiáticas em relação ao rival socialista foram suficientes. O comitê editorial do New York Times ridicularizou o programa de Zohran Mamdani, considerando-o “particularmente inadequado para os desafios da cidade”. Como era de se esperar, sua vitória provocou um terremoto político cujas repercussões vão muito além desta megacidade, em um momento em que o Partido Democrata está dividido sobre como reagir ao segundo mandato de Donald Trump. Caso seja eleito, Zohran Mamdani, vereador do distrito de Queens, se tornará o primeiro prefeito muçulmano da cidade.
Chegou a Nova York aos sete anos, após viver em Kampala (Uganda), onde nasceu em 1991, e depois na África do Sul. “Sua vitória e trajetória encarnam a promessa americana e testemunham a beleza do legado diaspórico neste país”, declarou a advogada e ativista americano-eritreia Semhar Araia ao The Africa Report. “Para as diásporas africana e asiática, especialmente os filhos de imigrantes, seu caminho e visão refletem nossas próprias vivências”. Zohran Mamdani, que obteve a cidadania americana em 2018, nasceu em uma família onde as ideias, as artes e a política — especialmente a defesa da causa palestina — têm lugar central. Seu pai, Mahmood Mamdani, nascido em Uganda em uma família de origem indiana — muçulmanos sunitas gujaratis do estado de Gujarat (noroeste da Índia) —, é formado em Harvard e um acadêmico renomado, professor de antropologia na Universidade Columbia, especializado em estudos pós-coloniais. Em 2021, a revista britânica Prospect o incluiu em sua lista anual de “50 pensadores para um mundo turbulento”, destacando sua visão dos Estados Unidos como “uma colônia de povoamento, devido ao tratamento dado aos povos indígenas, que ainda não desfrutam de plenas proteções constitucionais”. Sua mãe, Mira Nair, é uma diretora e produtora indo-americana reconhecida internacionalmente por seu filme Salaam Bombay! (1988), vencedor de Cannes. Conehceu Mahmood Mamdani em Uganda durante as filmagens de Mississippi Masala (1991), que conta a história de um casal de origem indiana estabelecido em Kampala e expulso pelo regime do ditador Idi Amin em 1972. Zohran Mamdani prometeu combater o antissemitismo e, de forma geral, todas as formas de discriminação e racismo. Durante a campanha, revelou ter recebido mensagens de ódio como “Um bom muçulmano é um muçulmano morto”. Após o anúncio de sua vitória, Charlie Kirk, ativista trumpista, publicou um comentário islamofóbico: “Há 24 anos, um grupo de muçulmanos matou 2.753 pessoas no 11 de Setembro. Hoje, um socialista muçulmano está prestes a governar a cidade de Nova York”. O resultado de Zohran Mamdani evidencia a lacuna entre a base do Partido Democrata e sua cúpula, em um momento em que a legenda tenta reagir à vitória de Donald Trump. Para muitos, também mostra que é possível vencer falando de questões do cotidiano, como o alto custo de vida (ele propôs mercados municipais em áreas pobres), a crise habitacional (propôs congelar os aluguéis) e os serviços públicos, em uma das cidades mais caras do mundo — tudo isso sem cair nas armadilhas das guerras culturais travadas pelos republicanos.
“O que a vitória de Zohran [Mamdani] me mostrou”, reagiu Bernie Sanders, “é que quando as pessoas votam a favor de algo e não apenas contra, quando priorizamos a organização e a mobilização, nosso programa progressista pode vencer, mesmo contra todas as probabilidades. Agora precisamos ganhar as eleições gerais. Uma vitória nas primárias de Nova York não basta”. “Não acho que a fronteira esteja tanto entre progressistas e moderados, mas entre lutadores e impostores”, declarou Brad Lander. “O que Zohran [Mamdani] mostra é que é importante propor grandes ideias ousadas para a mudança, mobilizar-se e lutar por elas — e isso é bastante encorajador. Sim, ele é um socialista democrático, mas foi sua visão corajosa para o futuro da cidade que empolgou as pessoas”.
Se quiser vencer em novembro, Zohran Mamdani terá que convencer os democratas mais moderados de sua capacidade de governar Nova York. “Nada te prepara para governar Nova York. O que te prepara são os momentos que você precisa enfrentar — aqueles que se tornam desafios cada vez maiores. Esse é o verdadeiro aprendizado”. Ele também elogiou sua equipe: “Esta é uma das equipes mais brilhantes que existem — e é exatamente isso que vamos levar para a prefeitura”. (IHU)