sábado, 7 de fevereiro de 2009

Uma nova criação é possível (Mc.1,29-39)

Ao ler e meditar o trecho evangélico de Marcos nesse V domingo comum me perguntei qual seria o seu alcance se o interpretasse à luz do evento FSM (Fórum Social Mundial). Em suma, se haveria alguma conexão, e se o FSM poderia jogar uma nova luz sobre a palavra de hoje, e se esta, por sua vez, poderia nos ajudar a reler o FSM numa outra dimensão que não seja numa mera clave sociológica.
O FSM é no fundo uma tentativa de não somente refletir os grandes problemas que ameaçam a integridade da criação divina, mas o esforço coletivo de as criaturas levarem adiante e completarem a criação iniciada pelo Autor Maior da vida. Num FSM alimenta-se a esperança que um novo mundo, mais humano e divino, é possível, tal como Jesus pregava e inaugurava a irrupção da nova realeza de Deus. Nele, os pobres seriam, enfim, reconhecidos e abençoados ao tomarem de conta da nova realidade. Num FSM pode-se saborear um autêntico “pentecostes” que reúne povos de todos os continentes, que falam inúmeras línguas, adotam jeitos de vida diversos, na multiplicidade de religiões e cultos.
Parece, ao mesmo tempo, o grande banquete messiânico em que todos podem sentar e se alimentar sem necessidade de ter dinheiro, roupa adequada ou carteira de identidade nacional, mas com a única vontade de...participar, e sonhar novas possibilidades reais para a humanidade. Num FSM, enfim, rompe-se com o “equilíbrio e o bom senso” formais que frequentemente foram utilizados para inibir formas novas e ousadas de convivência humana, rompendo normas e tradições, e assumindo os riscos da liberdade histórica. Da mesma forma que o profeta de Nazaré rompeu com as leis cultuais e de modo ousado propôs comunhão, solidariedade, desprendimento, sobriedade numa sociedade que adotava o consumo e a compra-venda como princípios norteadores.
No evangelho de hoje Marcos recupera em Jesus todas essas dimensões acima acenadas e o faz de forma singela, com uma narrativa realista, sem decorações. O que chama a atenção, de fato, é a insistência em descrever um Jesus muito dedicado a curar enfermos e a expulsar demônios, tocando-os, tomando-os pela mão e levantando-os (Mc.1, 31.32.34.39.) Como não ver nessa atitudes de Jesus uma tentativa de operar uma “nova criação”? É um Jesus recriador que vai plasmando e libertando o velho, doente e informe ser humano. Um Jesus preocupado em expulsar os “espíritos imundos” negadores da vida e soprando sobre os libertos o “espírito da vida”, tornando-os criaturas novas dispostas a “servir” – e a recriar - tal como fez a sogra de Pedro (Mc. 1,31).
A preocupação de Jesus para com os doentes e endemoninhados não é ditada pela simples compaixão – embora ela seja o fator desencadeador – mas pela necessidade de mostrar aos seus ouvintes e interlocutores que uma “nova era” começou, e ela é real e possível. Jesus percebe que esta nova realidade que inaugurou e que correspondia aos seus sonhos e expectativas não podia ser somente algo local, mas devia assumir proporções globais, independentemente de pertencer ou não a Israel, ser judeu ou pagão, ser fiel ou não às normas religiosas em vigor (Mc.1,38) “ Vamos às outras aldeias vizinhas...pois para isso eu vim” é o convite a não se acomodar sobre pequenos êxitos pontuais, mas fazer deles um trampolim para se lançar no coração do mundo.
A humanidade toda é a destinatária e coautora da “mudança civilizatória” inaugurada por Jesus. Afinal só ela poderá encontrar os caminhos para a sua própria salvação.

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