sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O serviço gratuito anônimo para combater as ambições e a hipocrisia (Mt.23, 1-13)



Vivemos numa cultura comportamental alicerçada nas aparências. Escolhemos e julgamos pelas aparências. E induzimos as pessoas a cuidarem das aparências. Afinal, parecem ser elas a fazer a diferença. É graças às ‘boas aparências’ que encontramos o caminho aberto numa repartição pública, um atendimento vip nas butiques, nos tribunais, nas secretarias paroquiais. Graças às ‘boas aparências’ conseguimos uma indicação para um emprego, ou uma nomeação de prestígio. Não faltam elogios e promessas de carreiras brilhantes. É também verdade que é por causa das aparências que desconfiamos de pessoas vestidas de forma ‘extravagante’, e que têm um sotaque ‘esquisito’. Excluímos ‘tesouros humanos’ por viverem num bairro de periferia ‘da pesada’. Ou por serem simplesmente negros, indígenas, camponeses, homossexuais, prostitutas. Ou os condenamos nos nossos fóruns e tribunais porque são eternamente suspeitos e réus ‘pouco vistosos’. Aliás, vistos em companhia dessas pessoas a nossa ‘reputação’ poderia ficar arranhada. E colocar em xeque a nossa imagem/máscara meticulosamente produzida. Às vezes até com a ajuda de um marqueteiro. Ela poderia sofrer desgastes irreparáveis. Poderíamos perder, com isso, chances e oportunidades inéditas!Sentimo-nos, no fundo, causadores e vítimas de um arcabouço cultural, comportamental, diabolicamente hipócrita. Que aprisiona a todos. E do qual não conseguimos ou não queremos nos desvencilhar. Como resgatar, - se algum dia já a tivemos, - a nossa autenticidade interior? Como tirar a nossa e alheia máscara? E agir movidos por aquilo que sentimos e somos? Talvez tenhamos medo de descobrir que, infelizmente, na nossa essência, nós somos ‘verdadeiras’ máscaras ambulantes. Atores e atrizes condenados a desempenharem o perene papel da duplicidade, da hipocrisia contagiosa. Mesmo atormentados e dilacerados interiormente sentimo-nos constitutivamente impotentes para viver a transparência, a coerência e a honestidade interior!


Jesus tinha compreendido tudo isso ao longo da sua própria existência. Ele mesmo sentia essa dúplice tendência. Teve que se policiar e rebelar permanentemente para não cair naquilo que ele detestava nos outros. É por isso que no seu alerta evangélico hodierno ele se dirige ‘aos seus discípulos e às multidões’ e não simplesmente àqueles que tinham fama de serem hipócritas públicos, os fariseus e os doutores da lei. Jesus se dirige a todos, indistintamente, porque sabe que todos podemos entrar nessa armadilha. Jesus não condena a fragilidade humana em si. Afinal, Jesus sabia que as contradições fazem parte de todo ser humano. Jesus é duro justamente com aqueles que se arvoram a justos, perfeitos, honestos, mesmo não o sendo. E não adotam a compreensão e a misericórdia para com outros frágeis e contraditórios.


Há, porém, uma outra atitude que Jesus detestava. Os fariseus e doutores da lei utilizavam em seus repúdios e anátemas contra ‘o povinho’ leis e normas mesmo sabendo que eles eram os primeiros a ignorá-las e pisá-las. Jesus profundo conhecedor da alma humana havia percebido os mecanismos da camuflagem humana. Quando uma pessoa sabe que o que diz não corresponde ao que faz, ou que diz aos outros coisas em que não acredita, tem a necessidade de ostentar, de forma quase doentia, o seu contrário. Sente um impulso interior em aparecer pública e privadamente como o melhor cumpridor de leis e normas. Comportamentos que só servem para desmascará-lo. De fato, muitas pessoas são legalistas e moralistas como forma de camuflar e esconder suas próprias contradições internas. Para ocultar fantasmas interiores que elas não aceitam, e não conseguem eliminar. Não podendo ou não querendo se condenar tornam-se rígidos e intolerantes com os outros. Mas a máscara cairá!


Jesus finaliza o seu alerta ‘aos discípulos e às multidões’ de forma sublime. Jesus aponta a única e verdadeira saída para evitar a hipocrisia e duplicidade de vida. Um claro incentivo para conquistar a verdadeira felicidade. Para se sentir bem consigo mesmo e com os outros: servir. Na gratuidade sincera e autêntica. No anonimato do serviço-amor. Na rejeição firme em não procurar prestígio, títulos altissonantes e reconhecimentos públicos efêmeros. No cuidado e na atenção ao outro se encontra a verdadeira felicidade. Aquela perene, não a aparente.


Bom final de semana para todos!




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