sexta-feira, 22 de novembro de 2019

PAI NOSSO - ........AMÉM

A repetição mecânica de muitos hábitos religiosos nos impede de saborear o sentido profundo da expressão bíblica ‘AMÉM’. A sua exagerada utilização tende a banalizar e a esvaziar o que para a tradição bíblica significa adesão consciente a valores essenciais da vida. Os abusos a que assistimos, hoje em dia, incentivam as pessoas a macaquear supostos líderes e suas doutrinas. O seu fruto imediato é, paradoxalmente, o assim chamado ‘povo do amém’! Um povo que aceita passivamente o que alguns iluminados lhe ditam. Precisamos resgatar e incorporar o sentido e a prática poderosa que o AMÉM expressa. A saber: um intenso e coerente ‘ASSIM ACONTEÇA’ a tudo o que o Pai Nosso propõe, constantemente, aos seus filhos e filhas! 

Vivemos, inegavelmente, numa realidade onde parece predominar a desconfiança metodológica e a suspeita sistêmica. Sabemos o quanto dói fazer a experiência da traição e da decepção. Principalmente, quando pessoas próximas nos faltam com a ‘palavra dada’! O que era para nós a expressão máxima da integridade moral de uma pessoa, a palavra dada parece ser, agora, um penduricalho de um passado remoto. Promessas são descumpridas, alianças e amizades se liquefazem em disputas, sem trégua. Ficamos com um pé atrás inclusive quando encontramos pessoas generosas e cumpridoras de compromissos. Imaginamos que até elas estariam escondendo, estrategicamente, o jogo, para nos dar o bote, lá na frente. As mudanças culturais ocorridas ao longo desses anos parecem ter deformado o caráter de uma pessoa, e a sua integridade ética. Até a expressão ‘homem ou mulher de princípios’ está rareando na era da pós-modernidade! 
É nesse contexto que surge como um feixe de luz inspirador o ‘Deus do Amém’ (Is. 65,16). Ou seja, o Deus que é fiel à palavra dada. Aquele que diz ‘assim seja’, e tudo é realizado. Nele não existe separação entre o dizer e o fazer. A expressão ‘Amém’ que tão banalmente é berrada por comentaristas litúrgicos, após uma comunicação qualquer, para que a assembleia a repita em volume redobrado, nada tem a ver com o profundo significado da nossa tradição bíblica. ‘AMÉM’ é adesão formal e consciente a uma proposta, a um convite, a um projeto de vida que o Pai nos dirige, continuamente. É um compromisso consciente e público em dar corpo a um projeto de justiça e de fraternidade que nos é dirigido pelo Pai, e que cabe a nós realizar. 
Um exemplo elucidador nos é oferecido pelo livro do Deuteronômio:‘Maldito o homem que fabrica ídolos e os erige mesmo que seja em lugar escondido! E todo o povo responderá: Amém!Maldito o que despreza o pai e a mãe! E todo o povo dirá: Amém!Maldito o que viola o direito do estrangeiro, do órfão e da viúva! E todo o povo dirá: Amém!Maldito quem aceita presente para levar à morte o inocente! E todo o povo dirá: Amém!’(Deuteronômio 27, 15-26) O ‘Amém’ do povo não é uma mera ‘resposta litúrgica’ automática. E nem uma declaração de submissão. É resposta compartilhada ao plano que Deus quer! Ao assumir o ‘ASSIM SEJA FEITO’ o povo não somente compartilha a ‘vontade do Pai’, mas se compromete a realizá-la efetivamente. É o mesmo ‘Amém’ que Maria disse ao anjo Gabriel para se tornar uma aliada do Pai na reconstrução de uma nação desesperançada. Mesmo sem entender plenamente a vontade do Pai, Maria não lhe resiste, pois percebe que ela visa trazer a ‘Plenitude da vida’, Jesus, para a grande família humana. 

Também o nosso papa Francisco nos lembra de forma magistral como atualizar o ‘Amém’ aos nossos dias: ‘...A própria Igreja é uma rede tecida pela Comunhão Eucarística, onde a união não se baseia nos gostos, mas na verdade, no ‘AMÉM’ com que cada um ‘ADERE’ ao Corpo de Cristo, acolhendo os outros’.  Um ‘Amém comunitário’, livre e altivo, para libertar pessoas, e não para impor obediência cega e subserviência. É o ‘Amém’ que numerosos bispos, leigos, e padres, juntamente com o papa, praticaram dias atrás, em Roma, por ocasião do Sínodo sobre a Amazônia.  Nesse ‘Amém’ eles se abriram para acolher sincera e humildemente os clamores da criação e os gritos de socorro de tantos filhos e filhas feridos. Eles, juntamente com inúmeros missionários/as do Pai Nosso, compreendem que são chamados e enviados não para serem meros executores de tarefas religiosas, mas cumpridores de um ‘Plano/Missão que liberta seres vivos ameaçados e cativos’. Que transformam o ‘Amém’ proclamado liturgicamente num compromisso profético capaz de motivar mais pessoas para recosturar a ‘grande família do Pai’! É, enfim, o ‘AMÉM’ supremo gritado por Jesus de Nazaré na cruz, quando percebe que ‘tudo estava realizado’! Na hora da morte Jesus ‘EXPIRA’ o seu Amém para que a nova igreja, que está debaixo da cruz, ‘INSPIRE’ para dentro de si o Seu mesmo AMÉM. Não uma fórmula, mas uma opção radical de amor e de serviço. Que cada um de nós seja um fiel e permanente ‘AMÉM’ do Pai! 
 (artigo mensal desse blogueiro publicado no O Jornal do Maranhão da Arquidiocese de São Luís)

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