quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

“Vivemos em dois mundos paralelos e diferentes: o on-line e o off-line”. Entrevista com o sociólogo Zygmunt Bauman

Que aspecto da vida moderna lhe faz perder o sonho, ultimamente?

Bom, procuro simplificar e encontrar um denominador comum no que penso e no que digo, porque vivemos em um mundo problemático e o que subjaz em comum em todas as manifestações dos inconvenientes destes tempos é a fluidez, a liquidez atual que se reflete em nossos sentimentos, no conhecimento de nós mesmos.

Seguimos dominados pela incerteza?

A incerteza é nosso estado mental que é regido pelas ideias como “não sei o que irá acontecer”, “não posso planejar um futuro”. O segundo sentimento é o que traz impotência, porque mesmo quando sabemos o que é que devemos fazer, não estamos seguros de que isso será efetivado: “não tenho os recursos, os meios”, “não tenho poder suficiente para encarar o desafio”. O terceiro elemento, que é o mais prejudicial psicologicamente, é o que afeta a autoestima. Sente-se um perdedor: “não posso me manter por cima, afundo-me”, “os outros são os bem-sucedidos”. Neste estado anímico de instabilidade, maníaco, esquizofrênico, o homem está desesperado buscando uma solução mágica. Torna-se agressivo, brutal na relação com os demais. Usamos os avanços tecnológicos que, teoricamente, deveriam nos ajudar a estender nossas fronteiras, no sentido contrário. São utilizados por nós para nos tornar herméticos, para nos fecharmos no que chamo “echo chambers”, um espaço onde a única coisa que se escuta são ecos de nossas vozes, ou para nos fechar em um “hall dos espelhos”, onde só se reflete nossa própria imagem e nada mais.

Onde estamos melhor, on-line ou off-line?

Hoje, vivemos simultaneamente em dois mundos paralelos e diferentes. Um, criado pela tecnologia on-line, nos permite passar horas em frente a uma tela. Por outro lado, temos uma vida normal. A outra metade do dia passamos no mundo que, em oposição ao mundo on-line, chamo off-line. Segundo as últimas pesquisas estatísticas, em média, cada um de nós passa sete horas e meia em frente a tela. E, paradoxalmente, o perigo que jaz, aí, é a propensão da maior parte dos internautas tornar o mundo on-line uma zona ausente de conflitos. Quando se caminha pela rua em Buenos Aires, no Rio de Janeiro, em Veneza ou em Roma, não se pode evitar o encontro com a diversidade das pessoas. Deve-se negociar a coabitação com essa gente de distinta cor de pele, de diferentes religiões, diferentes idiomas. Não se pode evitar. Mas, sim, é possível se esquivar na Internet. Aí, há uma solução mágica para os nossos problemas. Utiliza-se o botão “apagar” e as sensações desagradáveis desaparecem. Estamos em processo de liquidez auxiliado pelo desenvolvimento desta tecnologia. Estamos esquecendo lentamente, ou nunca aprendemos, a arte do diálogo. Entre os danos mais analisados e teoricamente mais nocivos da vida on-line está a dispersão da atenção, a deterioração da capacidade de escutar e da faculdade de compreender, que levam ao empobrecimento da capacidade de dialogar, uma forma de comunicação de vital importância no mundo off-line.

Se nos sentimos conectados, para que precisaríamos recuperar o diálogo?

O futuro de nossa coabitação na vida moderna se baseia no desenvolvimento da arte do diálogo. O diálogo implica uma intenção real de nos compreender mutuamente para viver juntos em paz, graças as nossas diferenças e não apesar delas. É necessário transformar essa coexistência cheia de problemas em cooperação, o que se revelará em um enriquecimento mútuo. Eu posso aproveitar sua experiência inacessível para mim e você pode tomar algum aspecto de meu conhecimento que lhe seja útil. Em um mundo de diáspora, globalizado, a arte do diálogo é crucial. A ‘diasporização’ é um fato. Estou certo que Buenos Aires é uma coleção de diversas diásporas. Em Londres, há 70 diásporas diversas: étnicas, ideológicas, religiosas, que vivem uma ao lado da outra. Transformar essa coexistência em cooperação é o desafio mais importante de nosso tempo. 

A vida on-line é um refúgio ou um consolo a essa ausência de diálogo?

Encontramos um substituto para nossa sociabilidade na Internet e isso torna mais fácil não resolver os problemas da diversidade. É um modo infantil de se esquivar viver na diversidade. Há outra força que atua contra e é a mudança de situação na regulação do mercado de trabalho. Os antigos lugares de trabalho eram espaços que propiciava a solidariedade entre as pessoas. Eram estáveis. Isso mudou, hoje, com os contratos breves e precários. As condições instáveis, flutuantes e sem perspectiva de carreira não favorecem a solidariedade, mas a concorrência. Estes dois fatores não incentivam as pessoas para o diálogo. Já sou uma pessoa idosa e acredito que vou morrer sem ver este problema resolvido. No entanto, em diferentes lugares do mundo, surgem processos de auto-organização social, a partir de baixo. Vizinhos que se auto-organizam para resolver problemas como a insegurança ou para recuperar a sociabilidade perdida. É uma alternativa ou um paliativo?

Os governos são cegos ou néscios a ponto de não admitir a globalização?

Propõem soluções locais para problemas globais. Não se pode pensar com esta lógica. É preciso desenvolver soluções que renunciem as fronteiras territoriais, assim como fizeram os bancos, os mercados, o capital de investimentos, o conhecimento, o terrorismo, o mercado de armas, o narcotráfico.


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