Os candidatos republicanos Donald Trump e JD Vance vêm espalhando mentiras sobre imigrantes nos Estados Unidos como um pilar de suas campanhas. Não há outra palavra que se aplique às mentiras vis e facilmente comprováveis que eles propagam. As consequências da retórica odiosa de Trump e de sua promessa de realizar uma deportação em massa persistirão além de 5 de novembro, não importa quem vença. O ex-presidente criou uma narrativa e a plantou de maneira tão eficaz na imaginação pública que ela se imporá a qualquer discussão sobre imigração por muito tempo. É uma narrativa que representa uma ameaça mortal no centro do ensino social católico, um desafio direto àqueles cuja fé considera repulsiva a linguagem e a intenção de Trump. Então, o que nós, católicos, devemos fazer? Nós, para quem a essência da nossa fé não está em uma piedade pública ou fuga do mundo, mas na compaixão pelos perdidos, pelos desabrigados, pelos abandonados, por aqueles que buscam refúgio contra a violência do Estado e a pobreza. O vergonhoso silêncio de nossos líderes católicos tem sido ensurdecedor.
As falsidades propagadas por Trump e Vance têm uma consequência especial para os católicos. As poderosas declarações de Jesus em nossos textos sagrados sobre onde está a prova de nossa fé estão todas enraizadas em como tratamos o estrangeiro, o menor entre nós, aqueles considerados párias, os famintos, os que precisam de roupa e abrigo. Nosso próximo, como deixa claro a parábola do bom samaritano, é o viajante destituído e espancado deixado à beira da estrada. Esses textos são o alicerce do ensino social católico, desde a encíclica Rerum Novarum, promulgada em 1891, passando por cada papado subsequente e especialmente hoje, com a defesa incessante e insistente do Papa Francisco pelos migrantes desde os primeiros meses de seu pontificado. A Catholic Legal Immigration Network Inc., ou CLINIC, entidade fundada há décadas pelos bispos americanos, observa que o ensino católico "reconhece uma gama de direitos humanos para os recém-chegados, com base em sua dignidade dada por Deus, que se estende muito além daqueles reconhecidos por nações ou organismos internacionais individuais". Além disso, a Igreja "ensina que a autoridade civil obtém sua legitimidade ao proteger e defender os direitos humanos e o 'bem comum de toda a família humana'. Nesse contexto, o serviço aos recém-chegados constitui uma obrigação para as pessoas de fé, não uma opção". No entanto, nossos líderes religiosos impotentes concluíram que eles têm outra opção: vergonhosamente ficar de fora desta batalha em silêncio, à margem. Nenhuma versão das mentiras sobre imigração é mais instrutiva do que o uso contínuo, por Trump e Vance, da calúnia de que imigrantes haitianos em Springfield, Ohio, estão comendo cães e gatos dos vizinhos e causando, de outra forma, uma grande perturbação na vida daquela comunidade. As mulheres por trás das acusações falsas admitiram publicamente seu erro e expressaram um profundo arrependimento pelos problemas causados à comunidade haitiana. Autoridades nos níveis local e estadual, incluindo o governador republicano, consideraram totalmente falsas a história e as caracterizações dos haitianos que residem legalmente naquela comunidade. Springfield é a história nacional em menor escala, um exemplo do que acontece quando líderes públicos gastam seu capital político para incitar o ódio.
Os candidatos republicanos optaram por não deixar que uma mentira viral desenfreada fosse desperdiçada. Vance, confrontado com a verdade, usou uma espécie de alquimia linguística. "A imprensa americana ignorou totalmente essas coisas até que Donald Trump e eu começamos a falar sobre memes de gatos", disse ele, de acordo com uma reportagem da NPR. "Se eu tiver que criar histórias para que os meios de comunicação prestem atenção ao sofrimento do povo americano, então é isso o que vou fazer". Que nobre. Exceto que o sofrimento só aumentou para os alvos de sua difamação. Como resultado, a cidade de Springfield experimentou numerosas ameaças de bomba e novos níveis de medo. Sabemos que os bispos pronunciaram-se incessantemente e gastaram milhões na tentativa de mudar atitudes e leis em relação a questões como aborto e contracepção. Quanto às mentiras sobre imigração, seus comentários têm sido poucos e insuficientes para os ataques a essa população vulnerável. Por que, então, o silêncio sobre essa questão de vida? A imigração não é uma questão de consciência individual lutando com a possibilidade de contrariar o ensino eclesiástico. Não, trata-se de um ex-presidente buscando um segundo mandato que usaria o poder do cargo e os instrumentos do Estado para impor desumanidade a milhões de imigrantes entre nós. Seremos obrigados a ficar parados e simplesmente testemunhar a vilificação de outros, muitos dos quais agora frequentam nossas igrejas? Seremos forçados a testemunhar insultos gratuitos como "ilha de lixo flutuante no meio do oceano", uma referência a Porto Rico feita no comício de Trump no Madison Square Garden? Será nosso destino ficar de braços cruzados e aceitar o pior que pode ser dito — e as piores consequências — para os mais vulneráveis entre nós?
Silêncio.
Nossos bispos ainda não denunciaram as mentiras e os mentirosos. Não usaram qualquer autoridade moral que possuam para enfrentar a calúnia. Abandonaram os imigrantes, que tantas vezes e orgulhosamente reivindicam como nossos, e os deixaram vulneráveis aos ventos políticos volúveis e ao imenso poder do Estado. Em seu silêncio, consentem? O cardeal Henry Edward Manning descreve o pecado da omissão como “deixar de realizar o bem ou os deveres aos quais estamos vinculados por aquelas obrigações". Dolan e os seus colegas bispos são os príncipes da Igreja Católica. Com os seus mantos e cajados de pastores vem a responsabilidade não só de fazer o bem como também há a responsabilidade de defender os fiéis quando estes são apontados como “o outro” pelos líderes políticos. O Papa Bento XVI nos lembrou que “reconhecer a imagem divina no outro” está no centro da mensagem cristã. Todos somos criados à imagem de Deus, um entendimento que São João Paulo II tirou diretamente da Bíblia. Jesus olhou para além das convenções sociais de seu tempo para perceber a mulher no poço, a mulher sendo apedrejada por adultério e a mulher suplicando por cura por causa da sua menstruação. Jesus olhou para além do soldado romano odiado e curou o seu servo após seu pedido. Jesus viu o odiado coletor de impostos romano, Mateus, e o converteu. Jesus não só percebeu estas pessoas, ele também as respeitou, elevou-as e as chamou porque Deus as criou e ama cada uma delas. Deus estava refletido nelas, assim como Deus se reflete nos porto-riquenhos que ele criou, não no “lixo” retratado no comício de Trump. Agir com base nesta ideia, que é “a via mestra da doutrina social da Igreja”, é uma obrigação de todos os católicos romanos, especialmente dos seus líderes. Dom González percebeu a necessidade do momento e esteve à sua altura. Mas, infelizmente, muitas outras vozes católicas permanecem silentes.
Esta eleição não é apenas um teste de quem somos enquanto americanos. É também um teste a todos os católicos e, em particular, aos líderes eclesiásticos. Permanecer em silêncio enquanto a política do ódio e divisão persiste não é uma opção. Com apenas alguns dias restantes nesta campanha, não é tarde demais para dizer que muitos bispos deixaram de estar à altura do que o momento exige.
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