terça-feira, 29 de julho de 2025

Relatório Violência Contra Povos Indígenas no Brasil – 2024: primeiro ano de vigência da Lei do Marco Temporal foi marcado por conflitos e violência contra povos em luta pela terra

O ano de 2024 foi o primeiro a iniciar sob a vigência da Lei 14.701/2023, aprovada pelo Congresso Nacional e promulgada nos últimos dias de dezembro de 2023. A expectativa dos povos indígenas e seus aliados era de que, dada a flagrante inconstitucionalidade e o evidente conflito com a recente decisão de repercussão geral sobre o tema, a chamada “Lei do Marco Temporal” fosse rapidamente derrubada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). Não foi, contudo, o que aconteceu. A lei permaneceu em vigor durante todo o ano de 2024, fragilizando os direitos territoriais dos povos originários, gerando insegurança e fomentando conflitos e ataques contra comunidades indígenas em todas as regiões do país. Este foi o cenário registrado pelo relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2024, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).

Violência contra o Patrimônio

As “Violências contra o Patrimônio” dos povos indígenas, reunidas no primeiro capítulo do relatório, totalizaram 1.241 casos em 2024. Esta seção é organizada em três categorias: omissão e morosidade na regularização de terras, que reúne a lista com todas as terras indígenas com alguma pendência ou sem providências para sua regularização, que totalizou 857 casos; conflitos relativos a direitos territoriais, que teve 154 registros em 114 Terras Indígenas em 19 estados; e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, com 230 casos, que atingiram 159 Terras Indígenas em 21 estados do Brasil. Os casos registrados neste capítulo têm relação direta com a fragilização dos direitos indígenas ocasionada pela Lei 14.701, reconhecida pela própria Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Incitado a comentar o efeito da lei por meio de questionamento feito via Lei de Acesso à Informação (LAI), o órgão admite que a medida afeta potencialmente “todas as Terras Indígenas que se encontram em fase administrativa anterior à regularização”.

Violência contra a Pessoa

Reunidos no segundo capítulo do relatório, os casos de “Violência contra a Pessoa” totalizaram 424 registros em 2024. As nove categorias nas quais é dividida esta seção registraram os seguintes dados: abuso de poder (19 casos); ameaça de morte (20); ameaças várias (35); assassinatos (211); homicídio culposo (20); lesões corporais (29); racismo e discriminação étnico-cultural (39); tentativa de assassinato (31); e violência sexual (20). Os três estados com maior número de assassinatos têm se mantido constantes nos últimos anos. Em 2024, Roraima (57), Amazonas (45) e Mato Grosso do Sul (33) registraram os números mais altos, com destaque também para a Bahia, onde 23 indígenas foram assassinados. Os dados, que totalizaram 211 assassinatos, foram compilados a partir de consultas a bases do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e de secretarias estaduais de saúde, além de informações obtidas junto à Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena (Sesai) via LAI. Foram graves e numerosos os ataques armados a comunidades indígenas em luta pela demarcação de suas terras, e tiveram implicações e desdobramentos registrados em diferentes categorias desta seção. Os assassinatos de Nega Pataxó Hã-Hã-Hãe e de Neri Ramos da Silva, morto durante uma operação policial contra uma retomada Guarani e Kaiowá na TI Ñande Ru Marangatu, destacam-se pela brutalidade e pela participação da Polícia Militar. Além do terror, das ameaças e dos ferimentos por agressões e tiros nos diversos ataques que atingiram comunidades como as das TIs Tekoha Guasu Guavirá, no Paraná, e Panambi – Lagoa Rica, em Mato Grosso do Sul, muitos indígenas relataram casos de discriminação e preconceito ao buscar atendimento médico em hospitais, evidenciando um contexto de racismo e desumanização.

Violência por Omissão do Poder Público

As “Violências por Omissão do Poder Público”, organizadas em sete categorias, são reunidas no terceiro capítulo do relatório. Segundo os dados obtidos junto ao SIM, a secretarias estaduais e à Sesai, foram registrados 208 suicídios de indígenas em 2024. Como no ano anterior, Amazonas (75), Mato Grosso do Sul (42) e Roraima (26) registraram os números mais altos, que se concentraram, no país, majoritariamente entre indígenas de até 19 anos (32%) e entre 20 e 29 anos de idade (37%). Dados obtidos junto às mesmas fontes registraram 922 óbitos de crianças de 0 a 4 anos de idade em 2024, com maior número de casos nos estados do Amazonas (274 óbitos), de Roraima (139) e de Mato Grosso (127). Novamente, a maioria dos óbitos de crianças indígenas de até quatro anos de idade foi provocada por causas consideradas evitáveis, entre as quais destacam-se as mortes ocasionadas por gripe e pneumonia (103); por diarreia, gastroenterite e doenças infecciosas intestinais (64); e por desnutrição (43). Ações adequadas de atenção à saúde, imunização, diagnóstico e tratamento poderiam evitar ou diminuir consideravelmente o desfecho fatal nestes casos.  Também foram registrados os seguintes dados nesta seção do relatório: desassistência geral (47 casos); desassistência na área de educação (87); desassistência na área de saúde (83); disseminação de bebida alcóolica e outras drogas (10); e morte por desassistência à saúde (84), totalizando 311 casos. Muitas das situações registradas neste capítulo são recorrentes e referem-se à falta generalizada, em aldeias do país inteiro, de infraestrutura escolar e de saúde, assim como à ausência de saneamento básico e de água potável. As inundações e acúmulo de chuvas, no Rio Grande do Sul, e a seca, no norte do país, agravaram estas circunstâncias e provocaram, em alguns casos, vulnerabilidade severa a comunidades inteiras. (Fonte: CIMI)


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