domingo, 10 de maio de 2009

Os assaltos nos 'trecho indígena' entre Barra do Corda e Grajaú. A quem servem?

Estou vindo de uma série de visitas formais aos juízes de Grajaú e Barra do Corda, e da delegacia da Polícia Civil de Barra do Corda juntamente com alguns membros da Pastoral Indigenista da diocese de Grajaú, no intuito de ‘conhecer e compreender’ a proporções da violência física praticada no ‘trecho indígena’ da rodovia que liga Barra do Corda a Grajaú. De fato cerca de 27 dos 127 km que separam as duas cidades estão dentro da terra indígena Canabrava-Guajajara. Muitas pessoas fazem o percurso somente de dia, pois à noite, no famigerado trecho, podem ser vítimas de assaltos e agressões de todo tipo. E mesmo de dia o medo e a ansiedade dominam os transeuntes. Explica-se: inúmeros assaltos a caminhões, ônibus, carros particulares ocorrem naquele trecho.

A cobertura que é feita pela imprensa regional ou estadual dá conta de que são os índios daquela terra indígena os que praticam esses crimes. A revolta da população local e de quantos já sofreram assaltos contra ‘os índios’ da região é compreensível, mas extremamente perigosa e injusta. Já se sabe que há envolvimento de jovens indígenas nesses lamentáveis episódios. Isso é inegável. Alguns, com efeito, já se encontram presos e já confessaram...

Entretanto, o que não é dito com clareza e ênfase é de que há um número significativo de ‘não indígenas’ que residem temporária ou permanentemente nas comunidades indígenas daquela terra indígena. Muitos deles fugitivos da justiça. São verdadeiros profissionais do crime organizado. Eles são os arquitetos e as cabeças da onda de violência e pânico que estão sendo semeados naquele trecho. As autoridades locais confirmam isso!

A estratégia desses ‘profissionais do mal não-indígenas’ é simples: infiltram-se nas comunidades indígenas, aproximam-se e seduzem algumas jovens, começam a conviver com elas, obtêm o consentimento dos pais das jovens indígenas para morar entre eles. Com isso, tornam-se “membros” da comunidade, inclusive para orgulho dos sogros felizes em ver que suas filhas vivem com ’brancos’. Estes começam a socializar com os demais membros da comunidade indígena e iniciam o seu trabalho de ‘sedução e aliciamento’ de jovens indígenas que eles intuem possuírem ‘predisposição e abertura’ para o mundo do crime. O time está pronto e escalado, e o jogo está feito! Por causa das práticas criminosas e violentas dessa ‘união para o mal’, numerosos cidadãos e cidadãs sofrem não somente perdas materiais, mas também ficam marcados psicologicamente pelo trauma, pela síndrome do pânico, por tremores e outros.

Em que pese a natural revolta diante desses fatos, não podemos nos deixar vencer, na hora da análise, pela irracionalidade e pela tentação grosseira em condenar de forma generalizada um inteiro povo indígena. Os preconceitos históricos que herdamos e alimentamos contra os povos indígenas nessa hora emergem com mais virulência, e podem nos cegar quando chamados a entender o fenômeno e, principalmente, na hora de buscarmos soluções.

Na nossa análise temos que abandonar de um lado a irreal idealização dos indígenas segundo a qual, supostamente, eles são seres inocentes, puros, crianças desprevenidas, primeiros habitantes do Brasil que não têm maldade e outros lero-leros. E do outro, a pura e simples demonização segundo a qual os indígenas seriam um bando de maconheiros, beberrões, traiçoeiros, preguiçosos, “bandidos e assaltantes”.

Temos que compreender que eles como as sociedades a que pertencemos têm suas claras e inevitáveis contradições, seus crimes e ilícitos. Eles como nós produzem seus pequenos ou grandes monstros. A nossa revolta contra eles, entretanto, parece ser maior do que a que sentimos diante de crimes realizados por membros de outras sociedades. Achamos, inconscientemente, na nossa idealização, de que ‘eles jamais deveriam cometer essas coisas feias, pois eles não tinham isso no seu passado!’ Ao mesmo tempo é como se o mundo ideal que nós nos construímos e a que aspirávamos e nele nos refletíamos, - representado simbolicamente pelos indígenas (inocentes, puros, sem maldade, respeitosos da natureza e do mundo, sem contaminação/primitivos...) - estivesse, de repente, se desmanchando.
É como se as ações desses indígenas estivessem destruindo definitivamente a nossa ilusão-sonho de que o nosso mundo teria ainda algum espaço para a plena bondade, o respeito e a paz total. É como se constatássemos que eles, afinal, ‘são como nós, são como todos’. Nem eles escapam de serem humanos, contraditórios, santos e demônios ao mesmo tempo! Os indígenas mais do que qualquer outro humano parecem aniquilar o nosso último sonho de que nem tudo é imprestável!

Quando não entendemos ou não queremos aceitar que as contradições fazem parte de qualquer realidade social e humana haverá sempre lugar para a generalização estúpida em que se atribui a um povo inteiro as responsabilidades de crimes que, na verdade, foram praticados única e exclusivamente por um punhado de indígenas aliciados e ameaçados por um punhado de ‘brancos’.

Fazer justiça às vítimas é um dever de todos, bem como garantir segurança e integridade física e moral aos transeuntes do “trecho indígena”, mas não só dele, pois no ‘trecho branco, não indígena’ de Buriticupu a Açailândia se assalta da mesma forma e ninguém é vilipendiado por causa disso, talvez porque, inconscientemente, esperamos dos ‘não indígena’ qualquer tipo de monstruosidade!

Ao mesmo tempo, temos que pôr em ato de forma hábil a ‘inteligência da segurança do Estado’ para identificar e neutralizar os criminosos que continuam soltos. Isso poderia ter sido feito há muito tempo!

Elaborarmos ações sociopolíticas diferenciadas e respeitosas para as comunidades indígenas da terra Canabrava que sistematicamente são agredidas e invadidas por madeireiros, traficantes e outras ‘bombas sociais vagantes’.

Que o estado, enfim, aprenda a defender o que suposta e legalmente lhe pertence: o patrimônio fundiário, florestal e ambiental da terra FEDERAL indígena Canabrava-Guajajara!

Um comentário:

JOÃO NETO disse...

Parabéns pelo texto, Padre Cláudio. O senhor acertou na mosca.
Valeu a pena tê-lo conhecido aqui no Grajaú. A omissão do Estado, nesta zona sertaneja, é tamanha e lastimável. O senhor demonstra que é um profundo conhecedor da questão indígena maranhense. Que o Deus eterno o abençoe e o proteja!
JOÃO PEREIRA NETO
Juiz de Direito
Grajaú/MA
2A. Vara