A história da igreja tem sido desde o seu nascimento uma história de tensão entre ‘carisma’ e ‘poder institucional’. De um lado a consciência de que a igreja é portadora de um conjunto de ‘dons’ que escapam do seu controle – por serem maiores do que ela – e do outro, a vontade de controlar, segurar e administrar e monopolizar dons e pessoas.
O carisma é fruto do inédito, do surpreendente, do ‘anárquico’ que vem do Espírito do Ressuscitado. Algo que surge sem alguma programação e vontade humana. É dom gratuito, livre, desconstituído de ‘reconhecimento formal’ e que na grande maioria das vezes aparece à margem da instituição eclesial. É pentecostes!
Carisma e poder tem convivido de forma tensa – e às vezes até de forma antagônica - dentro da mesma igreja. Ora prevalece um, ora prevalece o outro. Embora cada uma dessas dimensões tenha uma metodologia e esferas próprias fazem parte da mesma realidade. Há complementação e superação recíproca.
Pentecostes, contudo, revela e enfatiza a dimensão do ‘carisma’ na igreja e na humanidade. É a supremacia do dom/inspiração gratuito, livre de qualquer tentativa de controle e de aprisionamento institucional. Carisma que é dado por mera generosidade de Deus, independentemente de uma pessoa pertencer a uma igreja ou uma religião.
Assim, se deu pentecostes: uma tomada progressiva de consciência, de caráter coletivo, por parte de um conjunto de comunidades de diferentes culturas e origem étnica que tinham em comum somente a ‘memória de Jesus’, dos seus ditos, gestos e ações. Cada comunidade lembrava, celebrava e aplicava os gestos de Jesus segundo uma inspiração e uma metodologia própria, de acordo com suas necessidades e sensibilidades diversificadas. Não havia aparecido ainda, historicamente, uma instituição de caráter hierárquico que dissesse o que era canonicamente permitido ou não. A única e comum referência a Jesus de Nazaré dava sentido e motivava um conjunto de discípulos e discípulas que sentiam herdeiros do Ressuscitado.
Assim nasceu a igreja de Jesus que, - pelo que sabemos, - nunca a havia planejado. De fato, Ele pregava e articulava a construção do reinado de Deus. Nasceu, contudo, a igreja, e nasceu ‘carismática’(nenhuma referência ao movimento de renovação carismática de igreja católica!), ou seja, um conjunto de comunidades heterogêneas, autônomas, leigas, conscientes de possuir diversidade de dons, de riquezas humanas e culturais, com sensibilidades, especificidades e legitimidades próprias.
Pentecostes é o desdobramento e a continuidade do incipiente movimento proto-cristão que se constituiu alguns anos após a morte de Jesus e que, a partir da sua fé na ressurreição de Jesus, se sentiu progressivamente responsável em dar prolongamento à Sua ação na Galiléia, principalmente.
Diante da evidente recusa e oposição dos vários movimentos farisaicos ao reduzido movimento dos ‘cristãos’, estes acabam pregando e narrando os ditos e feitos de Jesus aos ‘pagãos estrangeiros’ ou hebreus da diáspora que viviam fora da Palestina. Nestes, houve uma razoável aceitação permitindo que surgisse uma consciência nova, desligada do templo, do sacrifício, das normas de pureza, etc. É a ‘linguagem’ do testemunho (anúncio e serviço) assumida definitivamente por essas comunidades, que é entendida por ‘todas as nações’
Comunidades que, - como diz o evangelista João – receberam o ‘sopro/pneuma’ de Jesus, o ressuscitado, permitindo que superassem de um lado a decepção da morte do mestre, e do outro assumindo com coragem e valentia destemida a missão de anunciar e denunciar.
De comunidades medrosas e trancafiadas se tornam, - graças ao ‘sopro’/hálito do Ressuscitado - ‘novas criaturas’, novos Adãos. Cheias e vivas graças ao hálito do Deus vivificador, ‘Renascem’ definitivamente para que por sua vez, ‘recriem’ a própria humanidade, dando vida, sopro, respiro, dignidade e consciência a outros “Adãos e Evas”!
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