sábado, 22 de janeiro de 2011

Na periferia do Império e do templo Jesus inicia a construir o 'reino de Deus' (Mt.4,12-25)



Há escolhas e decisões que mudam radicalmente a trajetória da nossa vida. O que pode nos parecer num primeiro momento algo corriqueiro, ordinário, acaba se tornando determinante e central. As conseqüências de tudo isso nos acompanham pelo resto da nossa vida. O texto hodierno nos apresenta a tomada de decisão que foi determinante para a vida de Jesus: o afastamento físico e ideológico de Jesus do grupo de João Batista com o qual havia convivido e se identificado por algum tempo, e a sua decisão surpreendente de se transferir definitivamente a Cafarnaum. Com relação a João, Jesus quer deixar claro que a sua pregação é qualitativamente diferente da do profeta do deserto. Jesus inaugura um Reino de graça e de nova oportunidade de mudança radical. O Deus de Jesus não é o Deus da ameaça, do castigo e da pressão total. É justamente a partir do momento que João é silenciado por Herodes que Jesus inicia a sua proclamação. Um novo momento começou! Mas Jesus rompe também com ‘os seus’, os de Nazaré. O reino novo que Deus quer não pode ser iniciado tampouco na terra natal de Jesus onde ele só havia conhecido rejeição e desconfiança.

Paradoxalmente a Boa Nova começa na ‘Galiléia dos pagãos, dos pescadores ritualmente impuros’. Mas também num centro alfandegário economicamente estratégico. Na ‘estrada do mar’ por onde passavam os que queriam ir ao Egito e ao porto de Cesaréia. Na terra onde Herodes queria mostrar a Tibério César força e poder. Daí pode-se perceber que Jesus não escolheu Cafarnaum de forma aleatória. Como não escolheu a partir de uma simples olhada, a beira mar, os seus seguidores. Jesus tinha clareza que a um projeto de dominação globalizante e bem articulado tinha que se opor com igual ou superior habilidade. Uma oposição que não fosse de confrontação militar, de força física, mas simbólica. Era nesse campo, de fato, que Jesus podia jogar as suas cartas. E Ele o fez de forma magistral.

Jesus não escolhe a capital Jerusalém para dar início ao seu ministério profético, e sim, um povoado considerado ‘infiel e herético’ pela composição e religiosidade de seus habitantes e pela confluência de ‘gente de fora’, estrangeiros que contaminavam o solo e a cultura judia. Não escolhe Nazaré, onde Jesus tinha família e amigos. Deixa atrás de si segurança afetiva e familiar. Rompe com a lógica ‘étnica’ e da ‘família nuclear’, e se abre ao ‘mundo’ pluricultural e pluriétnico. Este se torna a sua família! Jesus tampouco escolhe o ‘deserto’ de João Batista, onde não havia gente. Ele escolhe lugares habitados por gente que sonha, que luta, que debate, e que trama....contra César e seus asseclas.

Jesus fala de ‘reino’ propositalmente. Para dizer que o dele se opõe ao do César e ao do bajulador Herodes. Que, aliás, é o único possível. Porque nenhum humano pode dominar e subjugar outro humano. Que somente o ‘reino de Deus’ poderia trazer a verdadeira liberdade e o reconhecimento da dignidade divina que reside em cada humano. Que esse reino se constrói a partir da ‘periferia’ e nos bastidores da história, do império e do templo. Que, afinal, o reino de César e de tantos outros, são uma farsa...ou uma ‘tragédia’!

Jesus escolhe os seus seguidores. Examina-os, e os seleciona. Não aceita qualquer um. Molda-os sem lhes tolher a sua originalidade. Não quer fanáticos, e sim pessoas ‘vividas’, que saibam o que significa ter responsabilidades. Não quer funcionários, servos, assalariados, mas pessoas maduras que tenham a capacidade de se configurarem a um projeto específico.

Que tenham coragem de serem ‘pescadores de homens’, construindo novas formas de humanidade.

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