Reproponho parcialmente as reflexões sobre a quinta feira santa que havia postado um ano atrás. Acredito que continuem válidas!
É comum achar que na quinta feira santa fazemos memória do momento em que Jesus teria instituído o sacramento da "ordem", ou seja, o sacerdócio ministerial. Entretanto, não há algum dado que comprove ou aponte para isso! O que temos, desde um ponto de vista histórico, é a convocação de Jesus para que se celebre a páscoa. Uma páscoa que para Ele já havia adquirido um sabor todo especial...Um banquete pascal não no templo, mas numa casa particular. Não através de um rito formal, solene, mas uma celebração "caseira", familiar.
Sabemos que, por ser uma celebração pascal, todos os membros da grande família extensa eram convocados. Devemos supor, portanto, com razoável segurança, que não havia só os "doze" (mais simbólico que real) e sim, além deles, todos os seus familiares (esposas, filhos e pais) ou, pelo menos, os familiares dos que viviam em Jerusalém e redondezas...representando simbolicamente toda a humanidade.
Sabemos também, que o próprio rito da páscoa hebraica exigia, por exemplo, a presença de crianças que, com suas perguntas pré-estabelecidas, pediam explicações ao 'senhor da festa' , o ancião, sobre os vários símbolos utilizados na festa. E mais: se isso é verdadeiro, temos que deduzir que Jesus ao pronunciar aquelas palavras sobre o pão e o vinho as estava dirigindo a todos os presentes dando-lhes o poder-missão de reproduzir o gesto e as palavras. Por quê, então, não se faz nenhuma menção a isso nos evangelhos e só informam a presença de '12' somente?Avançamos a hipótese de que a versão da "última ceia" tenha sido uma "apropriação" da igreja cristã incipiente que manifestava os seus primeiros "surtos hierárquicos e...exclusivistas".....Mesmo assim, ela não pôde deixar de colocar na versão da última ceia o seu caráter subversivo, a saber:
1. Todo banquete-celebração eucarística se dá dentro de um contexto social, econômico e político bem definido. Não é algo asséptico, a - histórico, que flutua no ar. O banquete de Jesus se deu num clima de conluio, armação, de tensão e conflito: eliminar o profeta Galileu! Hoje a grande maioria das nossas ‘missas’ são simplesmente... ”missas”, em lugar de serem banquetes contextualizados que trazem para “a mesa dos convidados” dramas sociais e pessoais, conflitos de toda ordem, sonhos de mudança e transformação. São ritos frios que não empolgam e não comprometem ninguém. E quando são ‘ritos quentes’ alegres, animados, criativos, não deixam de serem, muitas vezes, ritos separados do cotidiano.
2. Na última ceia aprendemos que não é mais o templo o lugar da celebração da vida, da libertação, da fraternidade, da memória do fim da escravidão, e sim a casa. No templo não se pode mais "fazer memória". Ele se tornou um lugar ‘profanado’ pelo clientelismo e pela corrupção e, portanto, inadequado para o culto verdadeiro. A casa, na intimidade familiar, nas relações de mútua proteção, afeto, solidariedade, defesa da integridade do ‘outro’ e na partilha radical é o espaço apropriado onde acontece a verdadeira celebração da vida. O verdadeiro culto!
3. A ceia do Senhor não é, portanto, memória de "sacrifícios e imolações" e sim, momento de "comum-união, fraternidade, divisão de bens, fim de toda exclusão e de toda norma de pureza ou impureza....". Não uma celebração sacrifical em que supostamente se faz memória do ‘sacrifício-oblação’ de Jesus para acalmar uma suposta ira de um Deus sedento de sangue, e sim a realização histórica da profecia-utopia do grande banquete “preparado por Deus sobre um alto monte onde são servidas carnes cevadas, vinhos seletos, onde todos podem aceder sem precisar de dinheiro....” É o símbolo da nova fraternidade universal, sem desigualdades e exclusões.
4. Fazer memória da Ceia do Senhor é a assunção, enfim, do compromisso de arcar com as consequências da partilha do pão, ou seja, servir a humanidade faminta e denunciando os abastados que seguram o pão para si, e negam a vida para os famintos e necessitados! Reproduzir historicamente tudo isso, fazendo memória do testemunho de Jesus de Nazaré, não é missão de "doze" pessoas somente, mas como o próprio número simboliza (12), é missão da "totalidade" dos homens e mulheres que como "reino de sacerdotes e sacerdotisas" se colocam a serviço da comunhão e da vida... FAZENDO A EUCARISTIA ACONTECER!
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