A semana santa para quem viveu no interior até alguns anos atrás tinha um sabor totalmente diferente do atual. A semana santa era vivida entre um misto de medo e respeito. De um lado a crença/memória de um acontecimento (morte de Jesus) carregado de gestos e imagens ligadas ao sofrimento, à dor, à compaixão e, portanto, - digno de respeito e veneração - e, do outro, a necessidade de obedecer a um conjunto de cuidados que garantissem esse ‘respeito’ ao clima místico.
O descumprimento desses cuidados provocava, supostamente, de um lado algum tipo de prejuízo ao ‘desrespeitado’ (Jesus crucificado) e do outro, penalidades/punições morais ao ‘infrator desobediente’. Em que pesem os diferentes cuidados que deviam serem tomados nas diferentes etapas (Quaresma, semana santa, sexta feira santa...) e em diferentes regiões do Maranhão-Nordeste, havia uma unidade intencional de fundo: manter um determinado controle social fortalecendo alguns aspectos/valores da vida social/comunitária e/ou familiar, utilizando positivamente o acontecimento da morte de Jesus. Pode ser que ‘os cuidados especiais’ que eram assumidos na semana santa soem um tanto hilários para a nossa sensibilidade atual, urbanizada e laicizada, mas tinham, de alguma forma, a função de manter uma determinada unidade social visando o restabelecimento permanente de hierarquias intra-familiares e a reconstituição de solidariedades ameaçadas. Lá vamos nós, lembrando alguns desses cuidados:
1. Não se podia ao longo da quaresma ouvir músicas e rádios, pois Jesus podia ter ‘dor de cabeça’
2. Não se podia brincar e gritar, e nem falar palavrões, principalmente na sexta feira santa. Nesse dia não se jogava futebol com medo que, ao bater na bola, se podia ‘bater na cabeça’ de Jesus.
3. As mulheres de nome Maria, na sexta feira santa, não podiam pentear o cabelo.
4. Na sexta feira santa não se podia comer frutas.
5. Na sexta feira santa as crianças deviam tomar a bênção ajoelhadas.
6. Não se podia rachar lenha, pois era como que ferir o próprio Jesus.
7. Guardava-se o tição da sexta feira santa para outros dias, pois ele era abençoado.
8. Na sexta feira santa havia proibição de manter relações sexuais sob pena de ter graves prejuízos para os dois. Em algumas regiões a abstinência devia ser guardada ao longo de toda a quaresma.
9. A comida, já a partir da quinta feira santa, principalmente bolos de tapioca, devia ser doada/trocada com outras famílias.
10. Na sexta feira santa era ’permitido/tolerado’ se apossar de galinhas e frangos alheios para serem comidos comunitariamente, por exemplo, depois da meia noite, já no sábado santo.
1. Não se podia ao longo da quaresma ouvir músicas e rádios, pois Jesus podia ter ‘dor de cabeça’
2. Não se podia brincar e gritar, e nem falar palavrões, principalmente na sexta feira santa. Nesse dia não se jogava futebol com medo que, ao bater na bola, se podia ‘bater na cabeça’ de Jesus.
3. As mulheres de nome Maria, na sexta feira santa, não podiam pentear o cabelo.
4. Na sexta feira santa não se podia comer frutas.
5. Na sexta feira santa as crianças deviam tomar a bênção ajoelhadas.
6. Não se podia rachar lenha, pois era como que ferir o próprio Jesus.
7. Guardava-se o tição da sexta feira santa para outros dias, pois ele era abençoado.
8. Na sexta feira santa havia proibição de manter relações sexuais sob pena de ter graves prejuízos para os dois. Em algumas regiões a abstinência devia ser guardada ao longo de toda a quaresma.
9. A comida, já a partir da quinta feira santa, principalmente bolos de tapioca, devia ser doada/trocada com outras famílias.
10. Na sexta feira santa era ’permitido/tolerado’ se apossar de galinhas e frangos alheios para serem comidos comunitariamente, por exemplo, depois da meia noite, já no sábado santo.
11. Na sexta feira santa ao varrer a casa era preciso guardar o lixo atrás da porta.
12. Sempre na sexta feira santa os padrinhos tinham que acolher em suas casas todos os seus afilhados que eram encaminhados pelos compadres para lá comerem e conviverem.
13. Na semana santa os conjuges tinham a obrigação moral de estar juntos sob o mesmo teto.
Estes e mais outros cuidados eram mais fortemente observados lá onde não havia a possibilidade de celebrar de forma clássica a semana santa (lava-pés, adoração da cruz, missa de aleluia, etc.) É como se fosse uma ‘espiritualidade social’ nascida e desenvolvida à margem da religião oficial. Na ausência do padre e dos ritos clássicos da semana santa num determinado lugar, o povo do interior reformulava e recriava ritos e crenças, e os adaptava às suas exigências de convivência social.
A progressiva ‘quebra’ desses cuidados especiais, ao não acarretarem nenhum prejuízo físico ou moral para as pessoas, contribuiu para que inúmeros outros tabus sociais, sexuais, religiosos, etc. fossem ‘quebrados’. A inicial ‘ unidade intencional’ de fundo foi se esvaindo progressivamente afetando a própria ‘estrutura ética’ social e pessoal. Se de um lado o rompimento de tabus liberta de certas formas consideradas criadoras de dependência e de aceitação passiva de uma determinada ordem social, do outro lado escancaram definitivamente as portas da flexibilidade ética. Tudo é permitido, pois nada pega! Não quero fazer moralismos, e sim tentar compreender o fenômeno. Esta é só uma simples explicação, entre as muitas possíveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário