Judas sai do espaço/contexto em que Jesus acabava de mostrar que o que vale na vida é servir (lava-pés), numa atitude de gratuidade, sem aparecer, sem mandar e sem manipular. Judas abandona o ‘líder’ Jesus e o seu grupo por ter compreendido que o suposto ‘messias’ já não iria satisfazer as expectativas que ele havia alimentado até então. O próprio Jesus, conscientemente ou não, as havia mantido acesas até o final. Judas, a partir disso, deixa de ser um mero personagem ‘historicamente identificável’ e se eleva a ‘imagem’ de todas aquelas pessoas que se sentem ludibriados em seus sonhos pessoais e projetos sociais e políticos. E, ao perceberem que não há mais volta, o melhor que lhes resta a fazer é ‘destruir’ quem as iludiu.
É nesse contexto de conluio, de dupla traição, de ‘traidor traído’, de vingança política, - pois disso se trata, - que João vê a ‘glorificação’ de Jesus, e a emergência do ’novo mandamento’. Paradoxalmente, João vê na traição de Judas e na conseqüente morte-ressurreição de Jesus a sua glorificação, e o reconhecimento/confirmação por parte do próprio Deus.
João, na prática, tenta encontrar uma justificativa teológica para algo que representou, historicamente, um verdadeiro ‘escândalo’, um ‘trauma coletivo’ para os discípulos e seguidores históricos de Jesus de Nazaré: a sua morte mediante a crucificação. Uma pena esta reservada a escravos rebeldes, a grupos de oposição armada que insurgiam contra os romanos ou, enfim, a cidadãos suspeitos de ter colaborado com os insurgentes anti-romanos. Uma pena cruel que tinha o propósito de não somente erradicar os opositores declarados, mas de inibir futuras tentativas de se opor à força do império. Uma pena ignominiosa para quem a subia e para os familiares e amigos do condenado. Se já é um trauma a morte em si mesma, a morte de cruz assumia conotações de tragédia que ia além da perda biológica de uma pessoa querida. Era, afinal, símbolo de humilhação e derrota humana e social.
João e a sua comunidade, muitos anos após a morte de Jesus, se encontram a ter que enfrentar novos e inéditos acontecimentos que trazem novos sofrimentos e provações para a igreja de Jesus. Sentem-se, porém, mais fortes, pois possuem uma consciência que à época do Jesus histórico não possuíam, ou seja, que nem a cruz, nem a espada, nem a fome, nem as tribulações haviam conseguido matar o legado do profeta de Nazaré.
Em seu cotidiano carregado de novas traições, de desistências e perseguições ‘re-aparece’ no meio deles (na comunidade) Aquele que nunca havia sido eliminado na sua memória e celebração da vida. João e a sua comunidade percebem que é ‘quando são fracos, carregados de dúvidas e com medo é que são efetivamente fortes!’ Descobrem que, como havia acontecido ao mestre de Nazaré, a morte é, paradoxalmente, um sinal da presença (glória) de Deus, pois ela desencadeia relações e sentimentos que apontam sempre para a sua (morte) superação.
Em lugar de se deixar vencer e dominar pelo medo coletivo, pelo escândalo da ‘cruz/sofrimento/vergonha’ à comunidade só lhe cabe uma coisa: amarem-se uns aos outros. Em lugar de desistir e fugir, se fortalecer e se solidarizar. Em lugar de competir e rivalizar, amar e se deixar amar.
Afinal, a prática do ‘agape/amor fraterno e terno’ é que pode dar sentido a uma existência que cotidianamente tem que lidar com intolerâncias, ódio, truculência, arrogância, traições e violência. É na adoção de relações humanas alicerçadas no respeito, na mansidão, na paciência, na paz, na justiça – e não mediante as nossas solenes liturgias - que podemos ser reconhecidos como autênticos ‘seguidores de Jesus’.
Bom domingo para todos!
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