sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Índio Potiguara perseguido pela ditadura volta ao Brasil e confirma massacres cometidos pelos militares contra as aldeias indígenas

Perseguido pela ditadura, José Humberto Costa do Nascimento, o Tiuré Potiguara, abandonou seu trabalho na Funai, viveu escondido na floresta amazônica e, após conseguir deixar o Brasil, foi reconhecido como refugiado pelo governo do Canadá. Agora, de volta ao país, ele aguarda a Comissão de Anistia julgar seu pedido de reconhecimento como vítima do regime e quer a ajudar a Comissão Nacional da Verdade a resgatar a história do que classifica como “genocídio indígena praticado pela ditadura”. Em entrevista exclusiva à Najla Passos e publicada por Carta Maior, 02-08-2012, Tiuré descreve o que testemunhou das atrocidades cometidas pela ditadura contra os índios. Aqui abaixo uma síntese da entrevista.

Qual a sua etnia, a sua região de origem?Eu sou da etnia potiguara, do litoral da Paraíba.E como foi seu envolvimento com a ditadura militar? Na década de 1970, eu era funcionário da Funai e, lá dentro, eu pude ver a política oficial da ditadura com relação aos índios. Impossibilitado de conviver com aquilo, abandonei o órgão e, convidado pelo líder de uma aldeia Parkatejê, fui embora para a Amazônia, ajudá-los a se organizar para combater os militares. A aldeia ficava no sul do Pará, numa região já marcada pelo combate à Guerrilha do Araguaia. Era uma região de forte presença dos militares.

E a ditadura tinha, de fato, essa política de dizimar aldeias, cometer abusos e violações de direitos humanos contra os indígenas? Isso hoje tá comprovado. Havia um coronel chamado Amauri, chefe da Funai em Belém, que usava de todos os métodos para exploração.... Ele usava a repressão, a violência, atirava...o grupo Parkatejê já era considerado exterminado. De 1964 até 1975, a etnia perdeu mais de mil pessoas. Um processo de dizimação mesmo, porque já estava em andamento a tática da ditadura de ocupação da Amazônia, com os grandes projetos, como a transamazônica. Já existia um entendimento para desocupação desta área para exploração dos grandes projetos, como Carajás, Tucuruí, as grandes linhas de transmissões, a ferrovia, Serra Pelada...e os índios atrapalhavam, porque estavam em cima dessa região.

Como os suruís lidavam com a violência praticada pelos militares? Isso acabava com eles. Os suruís tiveram muitas índias estupradas. Se você for hoje na aldeia, ainda há filhos de militares do Exército, de soldados e mesmo dos de patentes altas.

Você já pediu reparação ao estado brasileiro pelos crimes cometidos contra você? Eu já dei entrada no pedido de anistia política. Não pelo dinheiro, mas por acreditar que meu reconhecimento como anistiado vai abrir uma porta para que outros índios, como os Suruís, também consigam. Estou aguardando o retorno das autoridades, mas até agora nada.

Você acha que existe algum tipo de resistência em incluir os índios como vítimas da ditadura? Como se os índios fossem os excluídos dos excluídos? A sociedade brasileira vem de uma herança colonizadora que já soma 500 anos de exclusão indígena. Até hoje nós não temos nossa história contada por nós mesmos. Há sempre uma história oficial que se sobrepõe. Então, esse reencontro da sociedade branca com a sociedade indígena, a tal reconciliação de que tanto se fala hoje, passa por esse reconhecimento do outro, pela aceitação dos primeiros habitantes desta terra, da sua cultura, da sua herança cultural para o povo brasileiro. Infelizmente, ainda não temos esse respeito. A resistência à aceitação dos índios como vítimas da ditadura é muito grande.

Na sua experiência na Funai, você deve ter convivido com os irmãos Villas Boas. Qual foi o papel deles neste contexto todo? Eu tenho uma crítica muito grande aos Villas Boas. Eles são considerados os humanistas, não sei nem como ainda não foram laureados pelo Nobel, porque conseguiram uma publicidade incrível. Mas eles participaram desse processo de aprisionamento das nações indígenas, como se quisessem criar um zoológico. O Xingu é isso. Na época da ditadura, os interesses de deslocar as aldeias para desenvolvimento da economia levou os militares a usar os Villas Boas para criar aquele Parque do Xingu, que não é nada mais do que você colocar diferentes aldeias, muitas delas que viviam em guerra culturais seculares, todas juntas. Línguas diferentes, culturas diferentes, tudo no mesmo território. E os Villas Boas participaram disso e acabaram criando um cenário de propaganda do regime.


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