sábado, 12 de setembro de 2009

O profeta rejeitado: renegar os projetos de dominação e assumir as suas consequências (Mc. 8, 27-35)

Quantas cruzes e experiências de morte fazemos ao longo da nossa vida! Momentos de angústia e desânimo que parecem minar, quando não matar, a nossa vontade de lutar e viver. Experiências em que os nossos sonhos, expectativas, ideais não encontram correspondência na realidade crua do dia-a-dia. É justamente nessas horas que construímos efetivamente a nossa identidade: quando o que queremos e imaginamos poder ser se choca com o que realmente somos, sentimos, fazemos e subimos, ou seja, com uma realidade não totalmente planejada por nós!
O trecho evangélico desse domingo põe em evidência as circunstâncias em que Jesus começa a se entender como um profeta rejeitado. Parece não existir mais espaço e condições para contemplar e se regozijar com os sinais maravilhosos de cura que operava, e com os numerosos consensos e aplausos públicos... Outros sinais que Jesus consegue captar, a partir da sua sensibilidade e capacidade de análise, lhe apontam outros desfechos para a sua missão. Começam a surgir nele outras reflexões e, principalmente, vê-se obrigado a rever integralmente a sua própria auto-compreensão e identidade.
É interessante perceber que Jesus nunca se autodefine, ou seja, Ele nunca diz que é o Cristo, ou o Filho de Deus, ou o Enviado-Messias, e também não aceita que alguém o enclausure em categorias cristalizadas que podem dar margem a distorções e especulações. Todavia, Jesus define sempre a sua missão e, geralmente, os seus efeitos e conseqüências. O trecho de hoje é paradigmático nesse sentido.....

1. Jesus utilizava frequentemente a metodologia da “sondagem” (v.27) para sentir o pulso das intenções das pessoas a seu respeito. Jesus parece não querer ignorar os impactos que o seu modo de ser e agir produz nas pessoas, embora isso não signifique ter que rever o seu plano de ação a depender dos resultados da sondagem...

2. Ao mesmo tempo, para evitar efeitos desviantes quanto à sua identidade deixava claro para as pessoas “quem ele não era”. Nesse sentido, Jesus ao proibir que Pedro reproduzisse as mesmas categorias/critérios que existiam na cabeça do povo em geral, rejeita a mentalidade judaica segundo a qual o Cristo/Messias devia ser glorioso, vencedor, triunfante, vingador, dominador. Ele não era assim!

3. Pedro que simboliza o conjunto dos discípulos que seguiam Jesus recusa a aceitar essa identidade de Jesus, pois colocava em xeque também suas próprias expectativas triunfantes e dominadoras. Para ele significava ter que ser discípulo de Jesus no sofrimento, na cruz, no abandono, na perseguição. O próprio Pedro, portanto, se sentia obrigado a rever a sua própria autocompreensão e isto lhe provocava frustração e indignação por não corresponder àquilo que sonhava e desejava.

4. O último momento incorpora todos, discípulos e povo em geral. Essas palavras de Jesus, posteriormente, foram utilizadas por setores da própria igreja católica para conformar sofredores e inocular-lhes o vírus da aceitação passiva e da negação da sua dignidade e da consciência e luta pelos seus direitos à vida plena. Renegar a si mesmo não significa rejeitar o bom e bonito que somos e temos, e ao qual temos que aspirar. Não significa tampouco renunciar a lutar e defender os nossos direitos à felicidade quando alguém nos humilha, oprime e ameaça. Ao contrário, significa para Jesus re-negar os projetos de dominação e opressão que existem dentro de nós, e assumir conscientemente as conseqüências de tal renúncia, ou seja, a cruz, a rejeição e a perseguição de quantos dominam e, enfim, partilhar a mesma experiência de Jesus, ou seja, seguir Jesus até o fim, o calvário.

A recusa a seguir Jesus no sofrimento - entendido como conseqüência natural das escolhas coerentes feitas, - significa perder o sentido da própria existência e a felicidade interior de quem se sente em paz consigo mesmo e com os outros. Cair na tentação de levar adiante os próprios projetos de dominação, de esperteza, de salvaguarda de privilégios pessoais, vai necessariamente produzir sentimentos de perdição, de infelicidade, de não realização humana.

Jesus, o profeta sofredor rejeitado nos ensina que é preciso desmascarar hoje as falsas promessas de felicidade fácil e imediata, que é preciso ir contra as tendências planetárias segundo as quais se salva e sobrevive somente aquele que sabe ser ousado e esperto em tirar proveito de tudo e de todos, sem ética e sem respeito. Quem assim agir já perdeu a sua vida, mesmo que não venha a ser “crucificado.”

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