Narrações épicas de nascimentos espetaculares, entrelaçadas por mitos originais ou emprestados, diálogos e cruzamentos entre humanos e deuses, - confundindo o humano com o divino, - estão na base, muitas vezes, do surgimento de inúmeras religiões. Não assim acontece com a irrupção do ‘divino’ Jesus na história. Na versão de Mateus, a concepção e o nascimento do ‘humano’ Jesus deixam pouco espaço a mitos, a narrações épicas, a uniões elitizadas entre deuses e deusas. Tudo ocorre entre as quatro paredes de um templo familiar. Entre uma jovem mulher e um homem que, coincidentemente, possui o mesmo nome que o nascituro: José/Jesus. Sem intervenções de sacerdotes ou outros mediadores do sagrado. Numa aldeia ‘insignificante’ do ‘mapa mundi’ do império romano. Ou seja, parece ser a história da concepção de um ser comum. Nada que chame a atenção. Mas não é, tampouco, a narração de um mero evento biológico entre dois seres vivos....
Jesus é concebido como fruto da compreensão, do respeito e da delicadeza recíprocos entre esses dois seres humanos com consciência histórica. Entre dois anônimos cidadãos da ‘Galiléia das nações’, mas com identidade clara. Não há qualquer diálogo entre Maria e José. Parece que eles já sabem como devem agir, mas sem ser subservientes a um imperativo externo. Sem trair as suas percepções e sensibilidades pessoais chegam a intuir e a aceitar a missão a que são chamados, embora sem compreendê-la plenamente. Percebem que é algo maior do que o seu projeto pessoal. É o ‘anjo da consciência’ dos dois, o sentido de responsabilidade de um para com o outro, - e dos dois para com a humanidade - que permite que um novo humano tome corpo dentro e dentre eles. Para que este manifeste o divino que está neles e em cada humano.
É uma radical inversão. O divino brota, e se torna compreensível e manifesto só mediante os humanos. Humanos, porém, que possuem a consciência de que podem ser instrumentos de ‘humanização’ para outros humanos que esquecem ou negam o divino que está neles. Maria e José representam simbolicamente os humanos que se situam de forma responsável nas dinâmicas da história. Símbolos de quantos não apelam para o divino para negar o humano que está em cada ser vivo. Que não usam os ‘seres divinos’ para justificar a alienação dos humanos, a sua falta de compromisso com o mundo. Que não fazem do culto aos ‘divinos’ uma forma para escamotear o verdadeiro culto que deve ser prestado aos humanos em sua permanente procura de vida/salvação. Que procuram sentir dentro deles que, afinal, são ou podem ser...’EMANUEL’!
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