Celebramos ontem a Sagrada Família exaltando suas virtudes, mesmo que desde um ponto de vista histórico não tenhamos informações fidedignas. Proclamamos a tríade de Nazaré como uma família perfeita, mas dificilmente poderemos nos identificar com algo perfeito. Afinal, poucos de nós foram acolhidos, amados, protegidos, educados por um pai e uma mãe biológicos como o foi Jesus. Quando isto ocorre, as ausências, as violências, os autoritarismos, os abandonos, as discriminações levadas adiante por pais e irmãos deixam as suas marcas indeléveis no corpo e na mente. Que família é essa, afinal? Qual, a de Nazaré ou a nossa? A primeira super idealizada, mas irreal. A segunda, contraditória, imperfeita, mas real, concreta, histórica. Esta é a nossa! Mesmo assim, continuamos a repetir para nós mesmos e para o mundo que a família verdadeira é a de Nazaré: papai, mamãe e filhinhos amados. Este modelo de família implodiu há muitas décadas no ocidente e no oriente. A redução do controle social de caráter moralista, as mudanças ocorridas no mundo do trabalho/economia em que a mulher entrou de forma ativa, a pan-sexualização das relações inter-pessoais, as disputas e as rivalidades sociais que são incorporadas e reproduzidas em âmbito ‘familiar’, o fim da perseguição contra pessoas com opções sexuais específicas e diversificadas, o desaparecimento crescente de formas de solidariedade familiar alicerçadas no sangue, no compadrio, na reciprocidade, e muitos outros elementos permitiram o surgimento de inúmeras formas de ‘ser família’. Independentemente de estruturas culturais herdadas e consolidadas.
O desafio para o ser humano que vem escolhendo se organizar ainda mediante formas de coesão social, agremiação, convivências de toda ordem é saber se ainda há espaço para sentimentos e emoções. Se as nossas estruturas sócio-familiares ainda acreditam e conseguem proporcionar acolhida, proteção, ternura, e por que não amor....aos seus membros, ou se na sofisticação e no crescente individualismo das formas de coesão social ‘todas essas coisas’ não passam de elementos obsoletos. Incapazes de responder aos verdadeiros anseios ‘humanos’. Do humano do futuro. Se são ‘coisas de gente piega e igrejeiros’ ou dimensões que realizam integralmente o ser humano. Pessoalmente já fiz a minha opção. O ‘bicho homem’, ou seja, a espécie hominídea, para sobreviver e garantir um futuro equilibrado para si e para o ambiente que o mantém vivo precisa sim de amor. Não importa se oferecido por um casal de sexo diferente, ou do mesmo, por um tio ou uma avó, por um irmão mais velho ou por uma madrinha, por um ‘estranho ou uma vizinha’. A capacidade de oferecer amor, de proteger, de cuidar, de estar próximo, de conduzir pela mão e sentar no colo de alguém ainda é a saída para a família planetária. Não será perfeita como a de Nazaré, mas permitirá que não surjam mais monstros e que não seja autodestrutiva.
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