segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Ecologia - Extrativismo ou ecologia? Um artigo de Boaventura de Sousa Santos

Eis uma síntese do artigo publicado em Carta Maior.

Antes da crise financeira, a Europa era a região do mundo onde os movimentos ambientalistas e ecológicos tinham mais visibilidade política e onde a narrativa da necessidade de complementar o pacto social com o pacto natural parecia ter uma grande aceitação pública. Surpreendentemente ou não, com o eclodir da crise tanto estes movimentos como esta narrativa desapareceram da cena política e as forças políticas que mais diretamente se opõem à austeridade financeira reclamam crescimento econômico como única solução e só excepcionalmente fazem uma ressalva algo cerimonial à responsabilidade ambiental e à sustentabilidade. O modelo de crescimento que estava em vigor antes da crise era o alvo principal da crítica dos movimentos ambientalistas e ecológicos precisamente por ser insustentável e produzir mudanças climáticas que segundo os dados da ONU seriam irreversíveis a muito curto prazo, segundo alguns, a partir de 2015. Este desaparecimento rápido da narrativa ecológica mostra que o capitalismo tem precedência não só sobre a democracia como também sobre a ecologia e o ambientalismo. Ora, é hoje evidente que,  no limiar do século XXI,  o desenvolvimento capitalista toca os limites de carga do planeta terra. Em meses recentes, diversos recordes de perigo climático foram ultrapassados nos EUA, na Índia, no Ártico, e os fenômenos climáticos extremos repetem-se com cada vez maior frequência e gravidade. Em vários países da América Latina a valorização internacional dos recursos financeiros permitiu uma negociação de novo tipo entre democracia e capitalismo. As oligarquias e, nalguns países, sectores avançados da burguesia industrial e financeira altamente internacionalizados perderam boa parte do poder político governamental mas em troca viram aumentado o seu poder económico. Os países mudaram sociologica e políticamente a ponto de alguns analistas verem nelas a emergência de um novo regime de acumulação, mais nacionalista e estatista, o neodesenvolvimentismo,  tendo como base o neo-extrativismo.Seja como for, este neo-extrativismo tem na sua base a exploração intensiva dos recursos naturais  e, portanto, levanta o problema dos limites ecológicos (para não falar nos limites sociais e politicos) desta nova (velha) fase do capitalismo. 

As locomotivas da mineração, do petróleo, do gás natural, da fronteira agrícola são cada vez mais potentes e tudo o que lhes surge no caminho e impede o trajeto tende a ser trucidado enquanto obstáculo ao desenvolvimento. O seu poder político cresce mais do que  o seu poder econômico, a redistribuição social de rendimento confere-lhes uma legitimidade  política que o modelo de desenvolvimento anterior nunca teve, ou só teve em condições de ditadura.Nestas condições, torna-se difícil acionar princípios de precaução ou lógicas de longo prazo. Que se passará quando o boom dos recursos terminar? Quando for evidente que o investimento nos recursos naturais não foi devidamente compensado com o investimento em recursos humanos? Quando não houver dinheiro para políticas compensatórias generosas e o empobrecimento súbito criar  um  ressentimento difícil de gerir em democracia? Quando os níveis de doenças ambientais forem inaceitáveis e sobrecarregarem os sistemas públicos de saúde a ponto de os tornar insustentáveis? Neste contexto, só é possível perturbar o automatismo político e econômico deste modelo mediante a ação de movimentos e organizações  sociais suficientemente corajosos para  darem a conhecer o lado destrutivo deste modelo sistematicamente ocultado, dramatizarem a sua negatividade e forçarem a entrada deste denúncia na agenda política.  A articulação entre os diferentes fatores de crise deverá levar urgentemente à articulação entre os  movimentos  Tal como acontece com a democracia, só uma consciência e uma ação ecológica robusta, anti-capitalista, pode fazer frente com êxito à voragem do capitalismo extrativista. Ao “ecologismo dos ricos” é preciso contrapôr o “ecologismo dos  pobres”  assente numa economia política não dominada pelo fetichismo do crescimento infinito e do consumismo individualista, e antes baseada nas ideias de reciprocidade, solidariedade, complementaridade vigentes tanto nas relações entre humanos como nas relações entre humanos e a natureza.(Fonte: Carta Maior)

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