terça-feira, 13 de março de 2018

Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados (Mt. 5,4)

A lavradora dona Verônica Milhomem perdeu os dois únicos filhos, dois irmãos, dois sobrinhos e uma cunhada no massacre perpetrado por pistoleiros em Pau D'Arco, no Pará, em maio do ano passado. Ela dependia dos filhos para viver, pois fazia tratamento de hemodiálise. Após o brutal assassinato de sete familiares, ela começou a apresentar um quadro de agravamento da doença, assim como uma tristeza muito grande. Em setembro passado, teve a perna amputada, e veio falecer no dia 05 de fevereiro deste ano. Em momento algum, qualquer esfera do poder público a procurou para prestar auxílio. Os familiares e os amigos de dona Vera haviam assumido a missão de ajudá-la em tudo e, principalmente, de ‘consolá-la’. Os aflitos, segundo Mateus, - ou os que choram, na versão de Lucas, - são os que são violentamente maltratados e oprimidos por pessoas e instituições sem escrúpulos. Mergulham no desespero, e não conseguem sair de lá com suas próprias forças. Jesus, na segunda bem-aventurança, os declara bem-aventurados porque graças àqueles irmãos compassivos que fizeram a ‘livre opção de estarem ao lado dos pobres’ - os da primeira bem-aventurança, - serão, em breve, consolados. Consolar não é confortar. Tampouco é conformar os desesperançados para que ‘aceitem dignamente’ a sua situação! É, ao contrário, lutar para extirpar ou, pelo menos, aliviar o peso da sua opressão dilacerante. Daí vem a palavra ‘solidariedade’, ou seja, ‘dar e sentir alívio juntos’! É essa atitude que permite superar a violência de fazendeiros, de policiais violentos, de governos cúmplices, e de tantos outros prepotentes que se lixam da dor alheia. 

Na bíblia temos o testemunho de Jó, um ‘aflito inconformado’. Quando foi reduzido a uma situação de abandono extremo, recebeu a visita de três amigos que foram até ele para ‘confortá-lo’. Ele, porém, reagiu indignado, afirmando que aquela tentativa dos amigos era a pior desgraça, pois eles agiam como ‘confortadores inconvenientes’! (Jó.16,1). Jó não precisava de doces palavras, mas de alguém que assumisse a sua dor e o ajudasse a sair daquela situação de desespero. Da mesma forma, o profeta Isaías no cap.61, ao descrever o dia da vinda do ‘messias libertador’, nos diz que aquele será o dia em que ele ‘consolará os aflitos enlutados’. O enviado de Deus virá para tirar o ‘jugo da opressão, e as roupas de luto’. Para tanto ‘quebrará o chicote do capataz, e queimará as botas e as roupas ensanguentadas dos soldados...’ que produzem dor e lágrimas (Is.9.1-6). Jesus se identificou com essa missão profética, e a assumiu para si. ‘Consolar o seu povo’ significou para Ele, concretamente, libertá-lo não somente da dominação militar estrangeira, construindo o reino da paz, mas também superar a violência religiosa dos sacerdotes e escribas que com seus preceitos criavam sentimentos de culpa nas pessoas. O nosso País, hoje, vive momentos dramáticos de uma violência que brota das entranhas das instituições públicas e da sociedade. É a violência física da polícia que tortura e mata, mas também a do crime organizado que alicia jovens para o comércio das drogas e das armas. Milhares de mães mergulham no luto e na dor ao assistirem impotentes a eliminação física de seus filhos. Outras vezes é uma violência encoberta, mas letal, em que setores influentes do aparato judiciário demoram em julgar ou, pior, condenam, ilegalmente, pais de família, deixando esposas e filhos na angústia. Somos alimentados por uma violência que entrou nas nossas vísceras e cultura, e que nos obriga a nos refugiar em nossas casas fortificadas. Pagamos as consequências da violência econômica daqueles que consideram a ‘coisa pública/república’ um patrimônio pessoal, e se lixam do órfão, da viúva e do povinho sem emprego. Famílias inteiras estão perdendo a alegria de viver, e sofrem na solidão. Bem-aventurados aqueles aflitos que encontram ainda pessoas que não se deixam contaminar pela indiferença. Que continuam sentindo ‘compaixão e indignação’ ao tocar com mão a dor de tantos enlutados. Que resistem e não desistem em enfrentar os senhores das armas, do dinheiro, das drogas, que ceifam vidas e violentam as esperanças e os sonhos de paz de milhões de ‘Donas Vera’! 
(As bem-aventuranças são publicadas mensalmente no O Jornal do Maranhão da Arquidiocese de São Luis)

Nenhum comentário: