Transcrevo abaixo uma carta aberta dos bispos do Mato Grosso do sul diante das relações conflituosas entre indígenas, latifundiários e Órgãos Públicos. Lamentamos que os senhores bispos não apontem soluções por declarar 'sua incompetência' no assunto. Hoje em dia, pode-se apontar soluções pedindo pareceres e fazendo consultas junto a pessoas/instituições sérias e competentes. A arcaica argumentação de que a igreja não tem competência para apontar soluções pode ser um pretexto para evitar 'assumir posição' pública e tomar partido. Parece não ser esse o caso. Boa leitura!
Eu vi a opressão do meu povo, ouvi o seu grito de aflição e conheço os seus sofrimentos» (Ex 3,7)
A fidelidade ao Deus que se solidariza com os que são excluídos pela sociedade, nos impede de permanecer indiferentes ante a marginalização que há anos atinge a maior parte da população indígena do Estado, expropriada e banida de suas terras de origem. Trata-se de uma situação insustentável e iníqua, fruto de uma sociedade de consumo que privilegia o lucro, e cuja solução, adiada indefinidamente, nada faz senão aumentar a angústia e a revolta de todos, colocando em margens opostas cidadãos de uma nação que proclama a igualdade de direitos e de deveres de todos.
A relutância em buscar políticas públicas que sanem, de uma vez por todas, o clima de desespero e de ódio entre produtores rurais e índios, faz com que cresça, a cada ano que passa, o número de vítimas, outorgando ao nosso Estado o triste primado de mortes de pessoas indefesas, que lutam para sobreviver em meio ao descaso e à perseguição que as cercam de todos os lados – mortes e assassinatos que normalmente atingem os indígenas, não os donos de fazendas. E já que no Brasil nada se consegue senão com pressão, quando os índios se atrevem a buscar seus direitos, são tratados e eliminados como animais por milícias e seguranças a serviço do agronegócio, ou acabam apodrecendo anos a fio em nossos presídios, já que são cada vez mais raros os advogados que ousam tomar a sua defesa.
“A paz é fruto da justiça”, lembrava a Campanha da Fraternidade promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil na quaresma desse ano. Contudo, a justiça só é verdadeira e completa quando engloba também os indígenas, sujeitos dos mesmos direitos dos demais cidadãos brasileiros. Com isso, não estamos nos posicionando contra os produtores rurais (sobretudo os pequenos agricultores), que adquiriram suas terras legalmente e as cultivam com o suor de seu rosto. O que afirmamos é que não se pode prolongar um estado de coisas que, além de nos humilhar perante a opinião pública mundial, é uma tremenda injustiça que se comete contra uma multidão de brasileiros – e a injustiça sempre gera violência!Não cabe a nós, Bispos, indicar soluções, pois fogem à nossa competência. A outras instâncias pertence a responsabilidade de conduzir a política indigenista, definindo se se deva optar pela demarcação de terras “ancestrais”, como pedem os índios, ou pela compra, por parte do Governo, de propriedades situadas nas cercanias das atuais aldeias indígenas, como sugerem os produtores rurais, ou ainda partir para a utilização de terras devolutas no Estado. De nossa parte, o que não podemos deixar de questionar é se o Brasil, que dispõe de verbas para obras de envergadura em todo o território nacional, não tem também recursos para realizar, de uma vez por todas, as justas expectativas de uma população cada vez mais vulnerável e explorada em sua dignidade.
Ao solicitar das autoridades civis e judiciais uma atitude firme e corajosa, fruto do diálogo entre as partes envolvidas, sob a tutela e a garantia do Ministério da Justiça, não somos levados simplesmente por motivos religiosos, mas, antes de tudo, humanos. Nem estamos afirmando que a única exigência para a uma convivência justa e pacífica entre índios e não índios seja dar terra a quem não tem. Junto com ela, o que os índios precisam é das mesmas condições de vida que se oferecem aos demais brasileiros, sobretudo no campo da educação, da saúde, da moradia e do emprego, para que sejam protagonistas de seu desenvolvimento e de sua história.
Apraz-nos encerrar com as palavras proferidas por nossos irmãos, os Bispos da América Latina, reunidos em Aparecida, em maio de 2007: «Nosso serviço pastoral à vida plena dos povos indígenas exige que anunciemos Jesus Cristo e a Boa Nova do Reino de Deus; que denunciemos as situações de pecado, as estruturas de morte, a violência e as injustiças internas e externas; e que fomentemos o diálogo intercultural, interreligioso e ecumênico. Jesus Cristo é a plenitude da revelação para todos os povos e o centro fundamental de referência para discernir os valores e as deficiências de todas as culturas, incluindo as indígenas. Por isso, o maior tesouro que podemos oferecer a eles é que cheguem ao encontro com Jesus Cristo ressuscitado, nosso Salvador» (Documento de Aparecida, 95).
Campo Grande, 12 de dezembro de 2009,
festa de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira dos povos indígenas
Dom Vitório Pavanello, SDB, Arcebispo de Campo Grande
Dom Eduardo Pinheiro da Silva, SDB, Bispo auxiliar de Campo Grande
Dom Antonino Migliore, Bispo de Coxim
Dom Redovino Rizzardo, CS, Bispo de Dourados
Dom Segismundo Martinez Alvarez, SDB, Bispo de Corumbá
Dom Jorge Alves Bezerra, SSS, Bispo de Jardim
Dom José Moreira Bastos Neto, Bispo de Três Lagoas
A fidelidade ao Deus que se solidariza com os que são excluídos pela sociedade, nos impede de permanecer indiferentes ante a marginalização que há anos atinge a maior parte da população indígena do Estado, expropriada e banida de suas terras de origem. Trata-se de uma situação insustentável e iníqua, fruto de uma sociedade de consumo que privilegia o lucro, e cuja solução, adiada indefinidamente, nada faz senão aumentar a angústia e a revolta de todos, colocando em margens opostas cidadãos de uma nação que proclama a igualdade de direitos e de deveres de todos.
A relutância em buscar políticas públicas que sanem, de uma vez por todas, o clima de desespero e de ódio entre produtores rurais e índios, faz com que cresça, a cada ano que passa, o número de vítimas, outorgando ao nosso Estado o triste primado de mortes de pessoas indefesas, que lutam para sobreviver em meio ao descaso e à perseguição que as cercam de todos os lados – mortes e assassinatos que normalmente atingem os indígenas, não os donos de fazendas. E já que no Brasil nada se consegue senão com pressão, quando os índios se atrevem a buscar seus direitos, são tratados e eliminados como animais por milícias e seguranças a serviço do agronegócio, ou acabam apodrecendo anos a fio em nossos presídios, já que são cada vez mais raros os advogados que ousam tomar a sua defesa.
“A paz é fruto da justiça”, lembrava a Campanha da Fraternidade promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil na quaresma desse ano. Contudo, a justiça só é verdadeira e completa quando engloba também os indígenas, sujeitos dos mesmos direitos dos demais cidadãos brasileiros. Com isso, não estamos nos posicionando contra os produtores rurais (sobretudo os pequenos agricultores), que adquiriram suas terras legalmente e as cultivam com o suor de seu rosto. O que afirmamos é que não se pode prolongar um estado de coisas que, além de nos humilhar perante a opinião pública mundial, é uma tremenda injustiça que se comete contra uma multidão de brasileiros – e a injustiça sempre gera violência!Não cabe a nós, Bispos, indicar soluções, pois fogem à nossa competência. A outras instâncias pertence a responsabilidade de conduzir a política indigenista, definindo se se deva optar pela demarcação de terras “ancestrais”, como pedem os índios, ou pela compra, por parte do Governo, de propriedades situadas nas cercanias das atuais aldeias indígenas, como sugerem os produtores rurais, ou ainda partir para a utilização de terras devolutas no Estado. De nossa parte, o que não podemos deixar de questionar é se o Brasil, que dispõe de verbas para obras de envergadura em todo o território nacional, não tem também recursos para realizar, de uma vez por todas, as justas expectativas de uma população cada vez mais vulnerável e explorada em sua dignidade.
Ao solicitar das autoridades civis e judiciais uma atitude firme e corajosa, fruto do diálogo entre as partes envolvidas, sob a tutela e a garantia do Ministério da Justiça, não somos levados simplesmente por motivos religiosos, mas, antes de tudo, humanos. Nem estamos afirmando que a única exigência para a uma convivência justa e pacífica entre índios e não índios seja dar terra a quem não tem. Junto com ela, o que os índios precisam é das mesmas condições de vida que se oferecem aos demais brasileiros, sobretudo no campo da educação, da saúde, da moradia e do emprego, para que sejam protagonistas de seu desenvolvimento e de sua história.
Apraz-nos encerrar com as palavras proferidas por nossos irmãos, os Bispos da América Latina, reunidos em Aparecida, em maio de 2007: «Nosso serviço pastoral à vida plena dos povos indígenas exige que anunciemos Jesus Cristo e a Boa Nova do Reino de Deus; que denunciemos as situações de pecado, as estruturas de morte, a violência e as injustiças internas e externas; e que fomentemos o diálogo intercultural, interreligioso e ecumênico. Jesus Cristo é a plenitude da revelação para todos os povos e o centro fundamental de referência para discernir os valores e as deficiências de todas as culturas, incluindo as indígenas. Por isso, o maior tesouro que podemos oferecer a eles é que cheguem ao encontro com Jesus Cristo ressuscitado, nosso Salvador» (Documento de Aparecida, 95).
Campo Grande, 12 de dezembro de 2009,
festa de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira dos povos indígenas
Dom Vitório Pavanello, SDB, Arcebispo de Campo Grande
Dom Eduardo Pinheiro da Silva, SDB, Bispo auxiliar de Campo Grande
Dom Antonino Migliore, Bispo de Coxim
Dom Redovino Rizzardo, CS, Bispo de Dourados
Dom Segismundo Martinez Alvarez, SDB, Bispo de Corumbá
Dom Jorge Alves Bezerra, SSS, Bispo de Jardim
Dom José Moreira Bastos Neto, Bispo de Três Lagoas
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