sábado, 12 de dezembro de 2009

Uma nova ética de salvação segundo João Batista:equidade, sobriedade, honestidade (Lc.3,10-18)

Eis uma pregação não alicerçada nas exigências rituais e nos dogmas de uma religião, e sim no vigor da fé. Uma fé existencial que movida pela compaixão ilimitada pela humanidade aponta para uma mudança radical de uma realidade histórica cheia de contradições. Esta fé existe e toma forma em João independentemente da sua pertença formal a uma religião que, inclusive, nos é desconhecida (pelo menos no seu aspecto formal!)
Diante da escravidão ritualista, das proibições e ameaças proferidas pelo ‘templo urbano’ e hierárquico, João, - em oposição a ele, - a partir do deserto antiurbano propaga um compromisso real para uma mudança socioeconômica das condições de vida do povo de Israel. Algo que o templo ignora. Duas visões antagônicas, duas práticas opostas. Duas visões divergentes de conceber Deus, duas formas irreconciliáveis de senti-Lo presente no cotidiano das pessoas.
Nós só podemos entender integralmente João Batista e o alcance de sua pregação se confrontado com as práticas religiosas formais do templo e de seus asseclas. Só podemos, também, compreender Jesus, o Galileu do norte, se colocado ao lado de João Batista e da instituição ‘templo’ tal como vigorava na sua época.
O evangelho de hoje mostra essencialmente elementos ou dimensões:

1. João o Batista esperava a intervenção próxima de um ‘mediador’ de Deus (ou, talvez, do próprio Deus!) para fazer justiça a quantos haviam se mantido fiéis aos mandamentos da Torá, não aos preceitos do templo. Ou seja, o mediador de Deus viria para defender os justos e compassivos, e manifestaria o seu repúdio (castigo) aos infiéis. A prova que em Israel estava reinando a infidelidade ‘a Deus e ao próximo’ eram os altos níveis de desigualdade social e econômica, de corrupção dos aparatos governamentais da fazenda e da segurança, de indiferença e insensibilidade para com os pobres e os mendigos que tomavam de conta das praças e das ruas das cidades. Isso aparece claro a partir das exigências impostas por João para quem lhe pedia o batismo.
O Deus de João é, portanto, o Deus que vai inverter a ordem das coisas. Vai premiar alguns e punir outros, mas com o intuito de ‘fazer justiça’, pois é esta que está ausente em Israel. João, com toda probabilidade, não tinha conhecimento do papel e da missão de Jesus. Certamente não se referia a Ele (a Jesus) quando João anunciava a vinda daquele que ‘batiza com o Espírito santo e fogo’ ou ‘que tem a pá na mão para limpar a sua eira...preservando o trigo e queimando a palha’ ou que segura ‘o machado para cortar a árvore que não produz fruto’...! Na expectativa de João só Deus poderia fazer tudo isso e somente...‘Aquele Deus’! Jesus de Nazaré provou que ‘esse’ não era o seu estilo de atuação!

2. O batismo por si só não salva, não inclui e nem limpa de algum pecado herdado de outros. Tampouco o fato de pertencer ao povo de Israel não significa, por si só, se safar da ‘ira/julgamento de Deus’. O que está em jogo para João não é a adesão a formalidades rituais ou a dogmas, ou a identidades nacionais exibidas, inclusive, como passaporte para uma suposta salvação espiritual. O que está em jogo é o futuro de uma nação e de seus filhos e filhas. Para tanto, as formalidades e preceitos religiosos são inadequados, segundo João. Para ele, que se coloca no mesmo caminho que Elias, Isaias, Amós, etc. o futuro de Israel/humanidade passa por uma adesão explícita de ‘todas as camadas sociais’ (povo em geral, cobradores de impostos, aparatos policiais, etc.) aos princípios/valores da equidade, da sobriedade de vida, da honestidade, do correto uso do dinheiro público (impostos), do respeito para com a integridade física e moral das pessoas (policiais).
Em outras palavras, mais moderninhas: só se pode construir salvação real para si mesmo e para a humanidade se houver respeito aos direitos individuais e coletivos, socialmente reconhecidos. Para João, isto vale para quem tem religião e para aquele que não a tem.
Jesus ‘herdou’ todo esse patrimônio profético de João, mas acrescentou ao lado da justiça de Javé, a Sua misericórdia. O Deus de Jesus não o Deus do templo, dos dogmas, dos preceitos e dos ritos sacrificais; tampouco é o Deus de João, inflexível e impiedoso com os infiéis, mas um Deus-Pai, preocupado em construir com seus filhos e filhas uma nova ordem para a humanidade que está à beira da falência: o reinado de Deus e a Sua justiça....’ Bem-aventurados aqueles que têm fome e sede dela, pois dela se abastecerão’!

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