Até alguns anos atrás os estudiosos da mente humana qualificavam ‘inteligente’ uma pessoa que possuía capacidade de especular, calcular e racionalizar. É, genericamente falando, a chamada inteligência racional. Hoje, parece haver consenso que o grande desafio da pessoa é possuir a inteligência emocional, sem excluir a outra, a racional. A inteligência emocional se caracteriza, em primeiro lugar, pela capacidade que a pessoa tem em saber lidar com conflitos, tensões, frustrações, decepções e pressões de todo tipo.
Saber lidar com isso não significa ser imune a sentimentos de angústia, escuridão e sofrimento interior que delas, naturalmente, derivam. É, ao contrário, possuir a capacidade e a habilidade em saber encarar e integrar a ‘provação emocional’ sem fugir e sem reprimir. Ver nisso não algo escandaloso, e sim uma dimensão essencial que faz parte do processo de crescimento/maturidade do ser humano. Observa-se como está crescendo hoje em dia, de forma assustadora a adoção e o uso de drogas por parte de um número sempre maior de pessoas como meio de amenizar ou ludibriar o sentimento de angústia que experimentam ao saber que devem tomar decisões, optar e escolher, ser pressionados ou manter níveis de trabalho estressante. Tal atitude não deixa de ser uma fuga-refúgio que não ajuda não somente a cultivar a inteligência emocional exigida para tais situações, mas deixa de ‘viver a vida’ real com suas alegrias e dores.
Alguém se perguntará qual o sentido dessas reflexões preliminares à luz do evangelho desse domingo. Pois bem, Jesus nos oferece, através do relato de João, uma prova cabal da sua inteligência emocional (o que poderia ser mero psicologismo!) ladeada, entretanto, da sua capacidade de manter clareza, firmeza e coerência quanto a um plano-projeto previamente fixado. É interessante observar que tudo inicia a partir de um desejo-curiosidade de alguns gregos em ‘ver-conhecer’ Jesus. Estes usam como intermediários Filipe e André. A resposta de Jesus parece inicialmente incompreensível, pois não responde direta e explicitamente ao que lhe foi solicitado. Jesus, diferentemente do esperado, apresenta uma comparação descrevendo o processo de germinação do ‘grão de trigo’. Isso, contudo, é a nossa chave de leitura.
De forma indireta Jesus nos diz que para vê-lo e conhecê-lo teremos que fazer a mesma experiência que o grão de trigo faz para ser germinativo e produtivo. Realmente o trigo ilustra coerentemente o que Jesus quer nos dizer. O trigo nas terras e climas temperados é semeado em outono (mês de outubro). Terá que passar cinco meses debaixo da terra fria e escura até esperar a primavera para poder brotar e amadurecer. É assustador imaginar como uma semente possa permanecer tanto tempo debaixo da terra, sobreviver a geadas e frio e germinar depois de tão longo período. Parece até que o poder germinativo do trigo seja forjado justamente no frio e na escuridão da terra! Para quem lida com agricultura, meias palavras bastam. Tudo aparece claro!
Difícil, entretanto, é aceitar a mensagem e a prática que a comparação aponta. Jesus, com efeito, nos diz que é na nossa capacidade de enfrentar a escuridão da vida, a frieza da indiferença humana, no enfrentamento da morte interior, na sensação de solidão e abandono que podemos germinar para uma vida nova. Ao contrário, quantos acham que poderão ‘salvar a própria vida’, se sentir bem e serem felizes ao não enfrentar as experiências que provocam sofrimento, dor, angústia interior, conflito, mas delas fugir e se refugiar em falsas seguranças, irão perder ‘ a própria vida’. Ou seja, irão deixar de ser germinativos, de ter poder de dar vida a algo novo. Numa sociedade que faz tudo para não sentir dor, sofrimento e angústia, achando que pode criar situações artificiais de bem-estar permanente não está educando os seus membros a possuírem a inteligência necessária para compreender que a vida tem que ser enfrentada e ‘vivida’ justamente a partir de suas contradições. É dentro delas que forja o seu poder germinativo. É nelas que nos 'conhecemos' e somos conhecidos!
Jesus não exaltou a cruz, a morte, o sofrimento. Ele também ficou ‘perturbado e angustiado’ diante da perspectiva do conflito, da morte física, mas não pediu que o Pai o livrasse de algo que Ele mesmo considerava inevitável para poder testemunhar coerência e fidelidade não a princípios, e sim, a pessoas. O Pai, de fato, não o livrou, mas lhe deu a força interior para enfrentar o que todo humano terá que enfrentar. Deu-lhe a ‘inteligência emocional’ para encarar a sua morte sem desespero e sem fugas artificiais.
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