Ao longo de quase 4 intermináveis anos, na década de '90, frequentemente sonhava que caminhava por uma estrada infinita ou que me encontrava dentro de uma igreja ou de um templo enorme, e via grandes concentrações de pessoas a velar um corpo deitado dentro de um caixão. Inicialmente não entendia o porquê daquela concentração de pessoas, mas à medida que abria espaço entre as centenas de pessoas amontoadas descobria que era um caixão contendo uma pessoa, em geral desconhecida. Às vezes o caixão estava sem cobertura, outras vezes estava fechado com a clássica tampa. Quando assim se encontrava, exigia que as pessoas a retirassem para poder identificar o finado.
Percebia que as pessoas atendiam ao meu pedido. Começava a fixar intensamente aquele corpo sem vida. Imediatamente o morto começava a abrir os olhos e me olhava com um olhar intenso e suplicante, mas só eu percebia. Começava a alertar as pessoas que o morto estava vivo, mas ninguém me dava atenção. Chamava um e outro para que olhassem para dentro do caixão e comprovassem que era verdade, mas ninguém ligava. Improvisamente, num gesto surpreendente me acercava mais ainda do finado, estendia a minha mão, e ele me oferecia a sua, até se encontrarem, e com firmeza o puxava para fora do caixão. Só nesse momento, já fora do caixão, as pessoas percebiam que o caixão estava vazio e que aquele corpo agora com vida já se encontrava no meio deles. E todos faziam festa pela vida devolvida. Ao ler o trecho que a liturgia hodierna nos propõe (a vida devolvida ao filho da viúva de Naim) não posso esquecer desses sonhos que me acompanharam ao longo de vários anos, e que tentei interpretar de diferentes maneiras.
O nosso desejo profundo de estarmos sempre ao lado das pessoas queridas e amadas se confunde frequentemente com a nossa revolta em não aceitar que um dia isso pode acabar. A morte, pelo menos na nossa cultura ocidental, é quase sempre vista e vivida como tragédia, como uma intervenção externa e alheia ao processo existencial humano. Uma dramática interrupção da vida que, supostamente, deveria ser perpétua. Vida e morte, amor e ódio são duas faces da mesma e única moeda. Nós somos vida e morte ao mesmo tempo, existência e negação, permanentemente.
Jesus, ao devolver a vida ao jovem de Naim acabou mostrando à mãe dele, viúva que já havia perdido uma outra pessoa querida, e a todos os presentes, que nós somos chamados a devolver esperança e motivação a todas as pessoas que fizeram alguma experiência 'de morte', de desespero, e falta de perspectivas. Não se trata de 'revitalizar um cadáver', pois não foi isso que Jesus fez. Trata-se de perceber que existem pessoas, - aqui representadas simbolicamente por um órfão morto e por uma viúva desesperada, ou seja, as categorias mais fragilizadas segundo a bíblia - que os seguidores de Jesus são chamados a oferecer condições para que possam refazer uma nova existência. Numa linguagem religiosa: ajudar a renascer, a ressurgir!
Não há como ignorar o alto número de 'mortos vagantes', de desesperados e desmotivados nas estradas e cidades desse planeta a procurar que alguém se aproxime, e sem medo os toque e lhes diga: 'Levanta-te'!
Que os sonhos se tornem realidade!
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