Ao longo da vida podemos ter a sensação de ver desmoronar o universo de valores, crenças e um conjunto de experiências de vida que dão sentido ao nosso existir. A sensação de nadar contra correnteza, de ser minoria ínfima e insignificante que caminha na contramão. Diante disso podemos assumir duas posturas principais: a primeira é a de largar tudo e entrar na onda da maioria adaptando-nos e conformando-nos ao senso e agir comum; a outra é a de começar a procurar outras pessoas que compartilham conosco as nossas visões e opções de vida que levem adiante aquilo em que nos cremos!
Lucas nos descreve o pior momento vivenciado por Jesus na sua missão evangelizadora. Ele avalia que a sua missão na Galiléia, - em que pesem os êxitos pontuais obtidos - havia fracassado. Acolá não havia mais nada a acrescentar e a conseguir. A força-tarefa que queria organizar em favor da Realeza de Deus havia redundamente falido. "Os beneficiados" e os convocados por ele não haviam compreendido a urgência do seu apelo e não o haviam acolhido. Só lhe restava deixar um último sinal para a cidade de Jerusalém. Não tanto uma aposta na sua mobilização quanto um extremo gesto profético ao povo e aos dirigentes: morrer sem abrir mão do seu sonho de que Deus insistia ainda em lhes oferecer graça e não desgraça.
A partir dessa nova consciência, Jesus concebe o seu futuro imediato como uma urgência urgentíssima, inadiável, um caminhar incansável e insistente em busca de novos seguidores. Jesus parece perceber que o tempo se esgotou e que se não conseguir outros adeptos o sonho morreria com o seu sonhador. Ao mesmo tempo, porém, deixa claro que eles deverão possuir uma estrutura humana capaz de segui-lo no caminho para o calvário de Jerusalém e oferecer a Israel, como ele pretendia fazer, o extremo sinal.
Lucas apresenta 3 exigências para o seguimento de Jesus nessa nova fase de vida. São condições que parecem responder a modelos padronizados, - com boas probabilidades adotados para os catecúmenos - mas que, no fundo, respondem coerentemente à prática histórica de Jesus de Nazaré.
1. "Deixa que os mortos enterrem seus mortos. Tu vens e anuncia a Realeza de Deus". Como o Deus de Jesus é o Deus dos vivos e não dos mortos, é bastante evidente que Jesus está deixando claro que a sua missão extrema, agora, é para com aqueles que ainda podem manifestar abertura e adesão ao seu apelo (os vivos) e não mais com aqueles que o recusaram (os mortos). Esgotou-se o tempo de querer recuperar quantos já manifestaram uma clara rejeição à pessoa e à mensagem de Jesus. Que eles se enterrem a si mesmos! O Reino de Deus não pode esperar mais por eles!
2. "As raposas têm tocas e os passarinhos têm ninhos, mas o filho do homem não tem onde repousar a cabeça". Jesus sempre foi honesto e realista com os que queriam segui-lo. Nunca lhes prometeu vantagens, segurança econômica, proteção e reconhecimento público. Antes o contrario: deixou claro que encontrariam cruz, insegurança e perseguição. Com isso Jesus nos oferece a identidade do verdadeiro discípulo: é aquele que agüenta o ‘tranco’, que aceita e entra no ‘que der o vier’, destemido, generoso e corajoso.
3. "Aquele que põe mão no arado e se arrepende (olha atrás, ao seu passado) não é apto a anunciar o Reino". Ser seguidor de Jesus não é uma opção pontual e circunstancial, seguindo os ventos das conveniências pessoais ou de grupo. É uma escolha radical de caráter irreversível. Olhar atrás, ao seu passado, ao que ele era antes de fazer a sua opção em favor do Reino, seria a prova clara de que o seguidor, na realidade, não passava de um nostálgico oportunista que diante das primeiras dificuldades e provações abria mão de uma opção tão necessária para o sucesso da Realeza de Deus.
Os próprios afetos familiares tão essenciais e indispensáveis para a realização humana das pessoas deviam ser entendidos e vivenciados à luz da construção de uma ‘família maior’, a família humana do Reino de Deus que estava para nascer graças à sua adesão.
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