sábado, 27 de fevereiro de 2010

FESTA DA TRANSFIGURAÇÃO DE JESUS: É PRECISO SER UMA 'METAMORFOSE PERMANENTE'! (Lc. 9,28b-36)

O gênio da música popular brasileira, Raúl Seixas, cantava que era ‘uma metamorfose ambulante’. O nosso querido e saudoso Dom Hélder Câmara afirmava que ‘é preciso mudar sempre, para permanecermos os mesmos!’ Já os pais da proto-filosofia ocidental, os gregos, vinham evidenciando o que não se podia negar, a saber, ‘tudo muda, tudo corre’ e que ‘não se pode tomar banho duas vezes com a mesma água no mesmo rio’, pois ela já era uma ‘outra água’!
O ‘devir’ faz parte da nossa essência de sermos ‘seres vivos’. Quem não sabe mudar, se transformar permanentemente, deixa de ser 'ele mesmo'. Não se assustem, prezados leitores, não é aula de filosofia, é a introdução ao evangelho que a liturgia desse domingo nos propõe: a transfiguração, a metamorfose de Jesus de Nazaré. Ou seja, o relato da mudança radical (transfiguração) de perspectiva de vida Jesus para permanecer o mesmo, para manter a sua identidade de profeta.

Não se trata, evidentemente, de uma narração com o intuito de exaltar o poder glorioso, esplendoroso e magnificente de Jesus. Trata-se de uma profunda lição de vida sobre como encarar a dor, a provação, a perspectiva de uma aparente e imediata derrota humana, e como tentar superá-la. O evangelista, ao recuperar a trajetória histórico-humana de Jesus de Nazaré, mas já com os olhos da fé no Ressuscitado, - e, portanto, uma visão a-posteriori, - procura enfrentar as grandes questões humanas pelas quais o próprio Jesus passou: o sentido da vida/missão, o papel da morte, o medo, o fracasso humano, as tentativas de sua superação, etc.

A chave para entender o relato é quando se diz que ‘Moisés e Elias envoltos em glória falavam sobre a morte de Jesus em Jerusalém’. Ou seja, é o momento em que Jesus toma consciência de que poderá ser eliminado fisicamente e que a sua missão profética poderá ser varrida. Paradoxalmente, o texto inicia falando em esplendor, brancura, em transfiguração, seja de Jesus como de Moisés e Elias, mas para sublinhar que estavam falando sobre a ‘morte de Jesus’.
Tanta luz, afinal, não consegue ocultar uma realidade tão trágica quanto a morte iminente de Jesus. Lucas parece nos dizer que é preciso se transfigurar, mudar radicalmente de perspectivas, deixar de sermos nós mesmos por um instante, para podermos ter a coragem de falar e encarar a nossa morte iminente sem perdermos o controle de nós mesmos. Ou seja, numa situação de ‘normalidade’ seriamos incapazes de enfrentar uma realidade/tabu que, afinal, faz parte do nosso ‘devir humano’.

O evangelista, entretanto, nos diz muito mais: a morte é algo que deveremos enfrentar sozinhos. A força necessária para encará-la a deveremos encontrar dentro de nós mesmos. De fato, enquanto Jesus falava com Moisés e Elias, - dois profetas lutadores solitários que inspiraram Jesus em sua missão, – os três atuais líderes de Jesus (Pedro, Tiago e João) estavam dormindo, incapazes de partilhar a angústia e o medo de Jesus. Travar uma luta de resistência contra a morte, sentir medo do medo que está por vir, vislumbrar de forma realista a perspectiva de derrota de um sonho, de um projeto, não significa ser um vencido, de antemão.

Foi nessa experiência angustiante que Jesus vislumbrou também a sua superação. Ao fazer a experiência da dor educamo-nos progressivamente a lidar com ela; ao fazer a experiência da derrota, apreendemos a vencer e a superar obstáculos; ao sentir medo podemos começar a lidar com ele e amenizar os seus efeitos paralisantes.

Esta, de fato, foi a experiência iluminadora que Jesus teve ao perceber a iminência da sua prisão e do fracasso missionário. A perspectiva da paixão e da morte, em lugar de abalar Jesus, - embora o tenha turbado profundamente – permitiu que mudasse radicalmente o modo de encarar a sua missão. A metamorfose que ocorreu em Jesus foi surpreendente: na morte violenta iminente Ele se sente confirmado de que o que vinha fazendo estava certo! Após momentos de angústia e desnorteamento inicial, Jesus se sente confirmado pelo Pai de que era imperativo ir a Jerusalém e assumir as conseqüências previsíveis de tal decisão.

A morte poderia ser, afinal, o último gesto profético do ‘servo de Deus’ de Nazaré para tentar provocar uma ’metamorfose/transfiguração’ nas opções e atitudes das pessoas. Para tentar sacudir uma nação que se demonstrava incapaz de perceber a iminência do colapso moral, econômico e político. No desespero, Jesus aprende a esperar, na aparente derrota e fracasso, Jesus sente-se um vitorioso.

É nas crises extremas e aparentemente sem saída que, em geral, encontramos saídas inéditas e criativas. Que isto aconteça conosco e com a humanidade!
Bom domingo e boa Quaresma!

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