quarta-feira, 3 de junho de 2009

Assaltos no trecho indígena entre Barra do Corda e Grajaú: uma Carta Aberta de entidades indigenistas aos poderes públicos e à sociedade


Algumas semanas atrás havia colocado algumas reflexões, numa postagem, sobre esse problema angustiante para muitas pessoas. Domingo passado, um adolescente Guajajara de 14 anos foi morto em mais uma tentativa de assalto a um ônibus no trecho indígena. Um segurança da empresa de transporte progresso, segundo informações de pessoas do local, abriu fogo e atingiu o jovem indígena na cabeça matando-o. Algo deve ser feito e já! Aqui vai a íntegra da carta!

A Diocese de Grajaú, o Secretariado da CNBB NE V, e a Associação “Carlo Ubbiali”,

diante dos lamentáveis fatos que vêm ocorrendo na BR 226 no trecho indígena envolvendo assaltos, agressões físicas e morais supostamente praticados por alguns indígenas da região, queremos manifestar o nosso firme repúdio e nos solidarizar com todas as vítimas marcadas pela violência física e moral. Ao mesmo tempo, queremos nos solidarizar também com aquelas famílias indígenas da região - que são a grande maioria - que sem ter cometido nenhum ilícito são tachadas de bandidos e assaltantes por numerosos não indígenas da região só pelo fato de serem ‘indígenas’ da região.

Queremos denunciar, outrossim, as formas manipuladoras de determinada mídia e setores sociais da região que divulgam de forma capciosa os acontecimentos responsabilizando única e exclusivamente os indígenas pelos assaltos, agressões e outras violências que vem ocorrendo na BR dentro da terra indígena.

A permanente exposição midiática desses fatos com suas interpretações nem sempre objetiva alimenta a revolta, o preconceito e o ódio, e fortalecem a prática grosseira da generalização indiscriminada, ofendendo a verdade e a dignidade dos mais de 7.000 indígenas que moram naquela terra indígena Canabrava e que nunca agrediram e ameaçaram ninguém! Sem contar com o fato que isso não ajuda a pensar coletivamente formas positivas e afirmativas para solucionar esses problemas.


Temos consciência de que herdamos da nossa história e cultura numerosos preconceitos seculares que nos levam ou a idealizar ou a demonizar os povos indígenas. Na idealização irreal, a–histórica, imaginamos que os povos indígenas são perfeitos, inocentes, puros, ‘crianças inofensivas’ esquecendo que fazem parte de sociedades históricas, concretas e que, como tais, estão sujeitos a inúmeras contradições como todas as demais sociedades humanas. Eles também como todos os povos da terra produzem dentro de si seus pequenos ou grandes monstros!

Louvamos a atitude tomada por várias lideranças da T. I. Canabrava, das autoridades policiais, do Ministério Público e do Poder Judiciário de Barra do Corda ao realizarem uma audiência pública em fins de janeiro de 2009, procurando somar esforços para a solução de tais problemas. Entretanto, até o presente momento esse esforço não redundou em maior segurança e paz.

Poucos sabem, e pouco se divulga que quem arquiteta e dirige efetivamente a violência na região, semeando insegurança e medo, não são somente alguns indígenas locais, e sim pessoas não indígenas, em sua grande maioria fugitiva da justiça. Esses criminosos conseguem, de forma ardilosa, se infiltrar no seio das comunidades indígenas locais. Seduzem algumas jovens, começam a conviver com elas, se tornam membros da sua família. Acreditam poder ter direitos formais como os demais indígenas e, principalmente, pretendem poder agir à margem da lei desrespeitando quem, ingenuamente, os acolheu.


Esses membros não indígenas das aldeias do ‘trecho indígena’ conseguiram aliciar para o crime alguns jovens indígenas oferecendo-lhes perspectivas de vantagens fáceis e de enriquecimento rápido. Do seu lado os criminosos não indígenas contam com o medo dos próprios indígenas aliciados e ludibriados por esses ‘veteranos do crime organizado’ e o com o medo da comunidade indígena que se vê frequentemente ameaçada em caso de denúncia. Não se pode esquecer também que eles contam com a ausência/omissão do governo federal e com a permanente disputa entre os vários órgãos administrativos que ficam tergiversando quanto às suas competências formais em garantir segurança aos que transitam dentro de uma terra indígena federal.

Entristece-nos constatar que esses jovens indígenas aliciados para o crime organizado veem em muitos setores da população não indígena local péssimos exemplos de respeito, onde a falta de honestidade, a prática de ilícitos, de violência e agressões físicas e morais são praticados com uma intensidade vergonhosa, e muitos deles sem sofrer qualquer tipo de punição. Sem falar no fato que, secularmente, esses setores sociais locais marginalizam e detestam os indígenas de forma ostensiva e igualmente revoltante. Tudo isso favorece o surgimento da mentalidade e prática de que não é possível e nem vale a pena dialogar e conviver harmoniosamente.

Ao afirmar isso não queremos retirar e eliminar a responsabilidade pessoal desses indígenas que vêm cometendo esses crimes provocando sofrimentos físicos e morais em muitas pessoas do nosso Estado. Ao contrário, em que pesem as formas de aliciamento, de cooptação e ameaças praticadas por não indígenas para que membros indígenas se juntem a eles para praticarem crimes, apelamos à justiça para que tome medidas enérgicas contra quem quer que seja que praticou esses crimes. Ao mesmo tempo, apelamos para que juntos possamos pensar em formas eficazes para garantir segurança e paz aos transeuntes. Alguns caciques da região já prenderam e entregaram à justiça alguns jovens indígenas pegos em flagrante em um dos assaltos e se comprometem a continuar em sua ação fiscalizadora.
Temos, enfim, que desencadear iniciativas sociopedagógicas junto ás comunidades, inibindo não só o ingresso de jovens indígenas nesses crimes, mas abrindo-os à beleza da convivência harmoniosa, à educação, ao lazer, ao esporte, à valorização de sua cultura.

Enquanto Igreja católica que procura testemunhar o reino da justiça e da paz a todos os seres reafirmamos o nosso compromisso em continuar ao lado dos povos indígenas para:

a: realizar visitas sistemáticas às aldeias da T.I. Canabrava a fim de ouvir, dialogar e perceber suas necessidades e potencialidades;

b. Realizar oficinas com educadores em escolas indígenas, com mulheres, jovens, lideranças sobre os cuidados com a vida, sobre direitos e deveres contemplados na legislação indigenista e nas práticas tradicionais;

c. Uma prática evangelizadora explícita, respeitosa e libertadora, que ajude a despertar para o sentido da vida, no respeito à terra como dom do Criador, e na preservação de todos os seres vivos.

Aos poderes públicos a quem cabe primordialmente o dever constitucional de garantir segurança e integridade física aos cidadãos e cidadãs, propomos:

a. Que seja deflagrada uma enérgica ação interinstitucional dos órgãos de segurança (estadual-federal) para que mediante um conjunto de ações de inteligência identifiquem e neutralizem os responsáveis pelos assaltos e violências praticadas por quem quer que seja no trecho indígenas da BR de forma a restabelecer a segurança física na região.


b. Que os órgãos competentes ao realizar eventuais buscas e apreensões, e detenções o façam dentro da legalidade estabelecida. Que tudo isso seja amplamente divulgado de forma transparente, inclusive os nomes dos responsáveis onde evitar possíveis manipulações, mas fazendo emergir a verdade.


c. Que se continue mantendo vínculos de colaboração e diálogo entre os representantes das comunidades indígenas e os órgãos de segurança e da justiça local no sentido de encontrar medidas sociais e políticas aptas a estabelecer e manter a segurança física no trecho indígena. Sugerimos, por exemplo, um cadastramento de todos os membros não indígenas que moram, vivem ou freqüentam sistematicamente as aldeias indígenas, não com o intuito de persegui-los, mas como forma cautelar de prevenção para salvaguardar a segurança e a paz das próprias comunidades indígenas também elas expostas à ação de aventureiros sem escrúpulos.


d. Que a FUNAI, o IBAMA e a Polícia Federal fiscalizem e combatam de forma implacável todo tipo de exploração madeireira na terra indígena Canabrava e o comércio de entorpecentes, pois tudo isso atrai para as aldeias pessoas e grupos que vivem à margem da legalidade. Estas exercem um poder agressivo de aliciamento, corrupção e ingerência deletéria sobre várias pessoas das comunidades indígenas.


e. Que haja por parte dos governos estadual e federal uma real presença afirmativa e respeitosa junto ás comunidades indígenas no sentido de implementar políticas públicas específicas oferecendo reais perspectivas de futuro e de realização pessoal e coletiva para os indígenas da região. Tais ações poderão em médio prazo favorecer o surgimento de uma nova cultura de paz, de respeito e de convivência harmoniosa independentemente de cultura, religião, ideologia e pertença social.

Grajaú, 31 de maio, 2009 – dia de Pentecostes -

3 comentários:

NÍCOLAS MONTEZUMA disse...
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Unknown disse...
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Unknown disse...

Estou aqui para pedir as altoridades que fazem patrulhamento dessa area entre Barra do Corda e Grajaú para que possam tomar alguma providencia. Pois passo toda semana por esse trexo e fico preocupado com minha segurança. Obrigado pela compreençao.