Faz quase uma semana que alguns funcionários da SEDUC (Secretaria de Educação do Estado do Maranhão) se encontram sequestrados por índios Guajajara, no município de Arame, que exigem melhorias nas estruturas de ensino da região do Zutiwa, na Terra indígena Araribóia.
Há sempre algo de hilário e revoltante nessa prática de sequestro indígena envolvendo, geralmente, funcionários do Estado. Hilário porque sabe-se que os seqüestrados na realidade não são seqüestrados, mas simplesmente forçados a conviver com a comunidade indígena durante alguns dias até se estabelecer um diálogo formal com os responsáveis das partes. Nessas ocasiões aos seqüestrados não lhes falta comida, café, brincadeiras e socialização com a comunidade. Nada de tortura psicológica e violência. Torna-se, na prática, um momento pedagógico (embora forçado!) para os funcionários conhecerem aquela realidade que nunca tiveram vontade e/ou oportunidade de praticar. O que devia ser obrigatório para um funcionário que é chamado a lidar com determinadas questões específicas como essas, ou seja, o conhecimento prévio e básico da realidade indígena – mas que é sistematicamente ignorado pelos aparatos estatais – os índios o introduzem e realizam à sua maneira.
É hilária a situação porque o ‘sequestro indígena’ - na linguagem simbólica adotada e aceita consensual e implicitamente pelas partes (estado e comunidade indígena) é a clara manifestação política do ‘fingimento’ recíproco como instrumento para se chegar a um consenso provisório e, portanto, à superação momentânea de um suposto conflito. Os índios ‘sequestradores’ fingem que irão até às últimas conseqüências e que irão radicalizar nos seus intentos caso não sejam atendidos, mas eles sabem que o estado sabe que não o farão. O Estado, por outro lado, sabe que os índios fingem ir até às últimas consequências e, por sua vez, ele finge que adotará as medidas necessárias para ‘resolver o impasse’. Haverá, afinal, uma informal solenidade na aldeia ou em alguma repartição da secretária para selar o termo de ajuste de conduta. Talvez, na ocasião, haverá até uma grande confraternização com churrasco e danças. Os seqüestrados ao lembrar com saudade a atenção e o carinho que os índios lhes reservaram durante os dias de ‘sequestrados’ dirão que foram os dias mais lindos da sua vida. É um cliché que se repete há anos. Parece até um rito ancestral. Pelo menos nisso há que se reconhecer o bom senso de algumas instituições em não ver nessas ações de 'sequestro' um crime, e sim uma expressão cultural....
Todo ‘sequestro indígena’, entretanto, manifesta uma clara revolta, embora a ação em si seja mais simbólica que efetiva. Em que pese o tratamento gentil e atencioso dispensado pela comunidade indígena ‘sequestradora’ aos ‘seqüestrados’, não há como não reconhecer que o sequestro é sempre expressão da sua reação/revolta diante de graves omissões e negligências operadas sistematicamente pelo Estado em detrimento do seu projeto social. O caso da educação escolar indígena é emblemático.
Senão vejamos:
1. As numerosas e inéditas construções de prédios escolares construídos em aldeias indígenas nos 2 anos do governo Lago (bem superiores aos 3 últimos governos juntos!) foram de uma qualidade vergonhosa. Sem fiscalização e sem atender ao projeto arquitetônico originalmente aprovado, as construções sofriam mudanças sistemáticas (para pior) no transcorrer dos trabalhos. Isso vem irritando e revoltando justamente as comunidades indígenas.
2. Faz mais de uma década que foi institucionalizada nesse Estado a brincadeira de mau gosto da renovação tumultuada e displicente dos contratos temporários dos professores, na realização caótica do seletivo e na subseqüente e confusa contratação ou renovação contratual do corpo docente nas escolas indígenas no Estado. Perde-se o prazo hábil, as partes não cumprem com as determinações burocráticas (também porque tem a ver com índios!!!) e as aulas nesses últimos 10 anos sempre começaram no mês de maio. Sempre há uma desculpa formal para justificar tamanha irresponsabilidade e displicência. É o único Estado da Federação que age com tamanho desleixo nessa questão específica, segundo quanto afirma o próprio MEC.
3. Somente este ano, depois de 6 anos, é que foi retomada uma formação continuada para os professores indígenas em exercício e se deu início aos cursos de magistério indígena para qualificar os professores indígenas e não, que ensinam nas escolas indígenas. O número excessivo de professores concentrados num único local, a falta de acompanhamento aos professores após as aulas presenciais, a falta de material didático 'tout court', são fonte de tensão permanente.
4. A incapacidade oficial em saber lidar com as formas de ‘esperteza’ de algumas supostas lideranças indígenas que tendem a tirar proveito e a se locupletar com os diferentes fundos escolares (transporte, merenda, etc.) – dando a entender, indiretamente, ao resto da comunidade indígena, que o Estado estaria compactuando com isso – faz da educação escolar indígena no Maranhão um verdadeiro caldeirão de tensões, de chantagens, pressões em todas as direções: para dentro da própria comunidade, entre as próprias comunidades, entre estas e o estado, etc.
Torna-se urgente, - mas desconfio que o atual secretário de Educação do Estado já tenha renunciado... – um pacto para um grande entendimento sobre a educação escolar indígena no Estado. Ou seja, saber de uma vez por todas se – e quais - comunidades indígenas querem mesmo educação escolar, se concordam que esta seja fornecida a partir dos princípios oficiais (bilingüismo, especificidade, etc.) se as regras de operacionalização são aquelas que formalmente deveriam ser aplicadas ou há outras, etc. Tudo isso com a presença do MEC, dos responsáveis do Estado, e do Ministério Público Federal apto a cobrar e a mandar investigar e punir quem quer que seja, caso não se cumpra o que foi concordado. O que não pode mais continuar é o fingimento recíproco que beira o ridículo (trágico): o estado que finge que está cumprindo com suas obrigações formais constitucionais, mas que não está; e muitas comunidades indígenas que fingem que acreditam na educação escolar (não importa qual, nesse momento!) e que estão dando AULA, mas que não estão!
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