quarta-feira, 12 de novembro de 2025

“A pós-verdade é o fim do mundo comum”. Entrevista com Máriam Martínez-Bascuñán

 Máriam Martínez-Bascuñán (Madri, 1979) é professora de Teoria Política na Universidade Autônoma de Madri. Foi também diretora de Opinião do jornal El País e é, sobretudo, uma estudiosa de Hannah Arendt, a quem recorre para analisar os desafios da pós-verdade e da credibilidade nas democracias atuais, em seu mais recente livro intitulado El fin del mundo común (Taurus, 2025). 

 Você diz que o mundo comum está acabando. Se assim for, que futuro nos espera?

Eu falo do fim do mundo comum, mas não como algo irreversível. É o diagnóstico que faço. Detenho-me no que é o mundo comum, e meu diagnóstico é que a pós-verdade é isto: o fim do mundo comum. Junto com Hannah Arendt, defino esta ideia de mundo comum como aquilo que, ao mesmo tempo, nos conecta e nos separa. A pós-verdade não está em que o político mente, pois os políticos sempre mentiram. Acontece que agora o político utiliza a verdade ou a mentira como uma arma de poder para construir uma realidade alternativa, que é uma ficção. Deixamos de habitar no mesmo mundo. O mundo comum é também a erosão de todos esses intermediários, de todas essas instituições invisíveis que ajudavam a sustentar o chão compartilhado para que fosse possível uma conversa, a deliberação pública e, inclusive, as regras do jogo democrático. Quando caem todas essas instituições invisíveis, com todos os consensos, torna-se possível acreditar em realidades alternativas e em mundos fictícios que o líder é capaz de impor

 “Sem pluralidade, não há mundo comum”, ressalta. O problema é que os partidos políticos agora buscam desprestigiar e desumanizar seus rivais?

O problema hoje é que, de alguma forma, substituímos a pluralidade pela lógica tribal. O tribalismo instaura uma lógica para o cidadão de que a verdade não exige entendimento ou preocupação; exige pertencimento. A fidelidade ao grupo vale mais do que sua própria opinião e a evidência e o julgamento crítico se tornam quase um luxo desnecessário.

 E como é possível debater essas questões em meio a tanta polarização?

É muito difícil, porque tudo já assumiu a forma de guerra cultural; qualquer assunto, até mesmo a mudança climática, torna-se uma guerra da pós-verdade. Por fim, criou-se muita confusão, ninguém sabe mais em quem acreditar. O pior não é espalhar uma mentira, mas deixar de acreditar em tudo. E deixar de acreditar em tudo significa que, se alguém diz que venceu as eleições, quando as perdeu, uma porcentagem muito significativa da população acaba acreditando. Para que isso acontecesse, tiveram de desacreditar os meios de comunicação, as instituições eleitorais, as autoridades e os jornais. Ao final, aderimos à lógica da tribo, à narrativa, que, além disso, canaliza a raiva e apresenta um rosto a ser odiado e contra quem protestar.

 No livro, você ressalta que “temos uma cidadania mais desorientada do que um povo enganado”. Será que isto acontece porque a única ideologia propositiva é a da extrema-direita?

Penso que o central é que se tornaram bons narradores políticos. Possuem uma forma de ver o mundo reconhecida por essas pessoas que se sentem de fora e que oferece uma visão coerente sobre o mundo, mesmo que seja fictícia. Eles são narradores políticos com narrativas perfeitamente coerentes e elaboradas. Tenta-se combater isto com dados e especialistas, mas os fatos por si só não convencem ninguém. Além de dados e ciência, são necessários narradores políticos que saibam contar os fatos de modo que mexam com os cidadãos e os façam ver por que são importantes.

 Devemos assumir que o debate público estará para sempre imerso em falsidades e pós-verdade?

Um programa político não deveria ser reativo; ou seja, não deveria estar o tempo todo respondendo às barbaridades do populista e não deveria se deixar colonizar pela agenda dele. Além disso, os políticos devem ser capazes de alcançar as pessoas com histórias baseadas em fatos. Penso que estamos menosprezando as emoções. Um político não pode vencer as eleições sem mobilizar as emoções. O crucial está no tipo de emoção que se mobiliza, se a raiva ou a esperança, como fez Obama. Não se alcança as pessoas apenas com autoridade científica. É preciso, com base nessa evidência científica, construir uma narrativa política que convença o cidadão e o faça se sentir protagonista, não espectador, que seja convidado a fazer parte da solução, a deliberar, a decidir junto.

 O livro termina falando dos meios de comunicação e do jornalismo com uma sentença muito dura: “O objetivo não é tanto salvar o jornalismo, mas a função pública que realizava”. Se não forem os meios de comunicação, quem serão os novos atores que realizarão esta função?

Não considero que devam ser outros atores, nem que voltaremos ao mundo de antes. O espaço público mudou e as redes fizeram isto. Há uma leitura positiva nisso: entraram opiniões que eram completamente marginais e que romperam o consenso hegemônico. Defendo a importância da crônica e da narrativa dos fatos a partir da imparcialidade homérica. A imparcialidade homérica, segundo Arendt, não guarda silêncio sobre o vencido, dá testemunho de Heitor e de Aquiles. Homero mostra todos os lados com dignidade e preserva essa pluralidade de perspectivasimparcialidade homérica não é equidistância, nem é tratar todas as afirmações como igualmente válidas, nem é dar o mesmo peso aos fatos e às mentiras. É dar testemunho dos fatos como são. Às vezes, essa falsa equidistância leva à normalização de coisas que nunca deveriam ter sido normalizadas. O central está na pluralidade de perspectivas e na imparcialidade, que não é equidistância. Não podemos voltar a assistir a casos como a cobertura da BBC nas eleições de 2024, que colocava no mesmo nível uma proposta de justiça de Kamala Harris e as declarações de Donald Trump dizendo que iria fuzilar jornalistas.

Uma pessoa "super-rica" ​​aquece o planeta em um dia tanto quanto uma pessoa da metade mais pobre da população aquece em um ano

 

Oxfam apresenta um relatório sobre a desigualdade climática que alerta para a forma como os investimentos dos maiores acumuladores de carbono do mundo contribuem enormemente para o consumo do orçamento de carbono restante da Terra, antes de ultrapassar os limites do Acordo de Paris.

desigualdade está crescendo globalmente, alimentada pela onda crescente do neoliberalismo e da extrema-direita. A riqueza dos bilionários está se multiplicando e crescendo três vezes mais rápido do que no ano passado, enquanto a maioria da população mundial está perdendo poder de compra. A situação não é diferente quando se trata de mudanças climáticas: o estilo de vida perdulário dos chamados "super-ricos" — aqueles que compõem o 0,1% mais rico da população mundial — gera em um único dia as mesmas emissões de gases de efeito estufa que uma pessoa na metade mais pobre da população emite em um ano inteiro. Este é um dos dados mais impressionantes do último relatório da Oxfam Intermón sobre desigualdade climática, publicado duas semanas antes do início da XXX Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) — um dia antes do segundo aniversário da tempestade Dana que devastou Valência em 2024 — e que traz uma série de conclusões preocupantes para o futuro.

O ponto principal é que “os super-ricos estão esgotando o orçamento de carbono restante do mundo — ou seja, a quantidade de CO2 que pode ser emitida sem causar um desastre climático”, como afirma o documento. O título da pesquisa é ainda mais explícito: Saque Climático: Como uma Minoria Poderosa Está Levando o Mundo ao Desastre.

Novos dados divulgados na terça-feira revelam que um desses indivíduos super-ricos produz, em média, 1,9 milhão de toneladas de CO2 por ano por meio de seus investimentos, 346 mil vezes mais do que a pessoa média. Para se ter uma ideia da dimensão desse número, isso seria o equivalente a um de seus jatos particulares dar 10 mil voltas ao redor do mundo — justamente um dos itens de luxo que mais emite gases poluentes na atmosfera em benefício de uma única pessoa. Em termos de peso, eles emitem mais de 800 kg de CO2 por dia, em comparação com 2 kg para os 50% mais pobres da população.

 A reportagem é de Pablo Rivas, publicada por El Salto, 29-10-2025.

3.000 famílias hoje no planeta possuem 15 trilhões de dólares...e pagam taxas irrisórias para tentar indenizar parcialmente o estrago que produzem....


“Dilexi Te”: implode a estrutura metodológica da teologia. Artigo de Jung Mo Sung

 

Na exortação Dilexi Te, que trata sobre “o amor para com os pobres”, o Papa Leão XIV, assumindo o documento preparado pelo Papa Francisco, afirma algo que teologicamente é muito importante para a Igreja e para a comunidade teológica: “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes (Mt 25, 40). Não estamos no horizonte da beneficência, mas no da Revelação” (n. 5).

O amor aos pobres e a crítica às injustiças sociais que negam aos pobres o direito de viver com dignidade não é uma mera questão do campo da beneficência ou da teologia moral ou da doutrina social da Igreja. Mas, sim da Revelação. Com isso, esse documento critica a forma “tradicional” moderna de separar (a) a teologia dogmática ou sistemática, – que trataria do “ser” de Deus e, por isso, seria o mais importante e a que merece, de fato, o título de “teologia” – da (b) teologia moral ou teologia ética, que seria uma teologia de segunda categoria que aplicaria as teses da teologia dogmática na vida pessoal e na sociedade.

Pessoas formadas nesse horizonte de teologia dogmática não entendem e não aceitam a linha teológico-pastoral assumida pelo Papa Francisco e também agora pelo Papa Leão XIV. Em parte, porque vai contra tudo que estudou ou entende sobre Deus e a revelação. Por isso, a frase “Não estamos no horizonte da beneficência, mas no da Revelação” é tão importante e conflitante. Para formação teológica “tradicional”, a Igreja pode e é bom que ajude os pobres porque essas “beneficências” seriam uma “prova” de que somos de uma igreja e religião de pessoas “boas”. Mas, essa ajuda não define se a nossa teologia é correta ou não no que se refere ao ser Deus. Porém, o Papa Francisco e o Papa Leão XIV dizem algo diferente. Para eles, amar aos pobres e fazer opções práticas para defender a vida dos pobres é a revelação do quem Deus é. Isto é, na opção pelos pobres e vítimas de injustiça entendemos corretamente a revelação do ser de Deus.

Deus se nos revela na pessoa de Jesus, Jesus esse que amou aos pobres e a todas as pessoas sofridas. Nem todas as imagens de deuses anunciados nas igrejas ou nas religiões são verdadeiramente de Deus. Muitas delas são apenas ídolos, deus-falso que é insensível aos sofrimentos dos pobres e oprimidos. Uma imagem do ser de Deus que justifica as injustiças do mundo é apenas de um ídolo. Por isso, os temas da opção pelos pobres e das estruturas do pecado social – temas fundamentais no Dilexi Te – estão diretamente ligados à revelação do quem e como Deus é.

Sensibilidade social (teologia espiritual), indignação ética frente à injustiça social (teologia do pecado social) e a opção prático-social em favor dos que têm a sua vida negada (teologia prática) são pressupostos e comprovações de que estamos no caminho correto (teologia dogmática) da compreensão da revelação de Deus.

(por motivos editoriais o artigo foi sintetizado pelo blogueiro, sem deformar o conteúdo)

 

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

GUARDIÕES DA FLORESTAS DO POVO GUAJAJARA SE REUNEM, FAZEM BALANÇO E PROJETAM AÇÕES PARA O 2026!


Caciques, coordenadores e representantes dos Guardiões da Floresta da região Ponta D’Água, Abraão, Zutiwa e Lago Branco da Terra Indígena Arariboia, Maranhão, se reuniram no dia 02 de novembro passado para fazer o ponto da situação. A reunião promovida pela Associação Carlo Ubbiali contou também com a presença do bispo da Diocese de Grajaú, Dom Giuseppe e o coordenador geral Fly, da aldeia Jenipapo. Após a apresentação dos presentes se procedeu para uma avaliação bastante completa da atuação dos Guardiões ao longo de 2025. 

Com muito realismo foram colocados os empecilhos que ainda impedem uma atuação mais consistente dos Guardiões. As diferentes intervenções de alguns dos presentes enfatizaram o seguinte: 1. ‘Há parentes que não entendem que fazemos isso de forma voluntária porque amamos a nossa terra. Eles criticam porque os guardiões não ganham, mas não é essa a questão. A questão é saber que ao garantirmos segurança no território, todos ganham. E isto cabe a nós todos’. 2. ‘Outros parentes acham que ao fazer o nosso trabalho estaríamos atrapalhando, mas não é assim, pois agimos dentro da lei. Talvez alguém esteja incomodado pelo fato que os Guardiões não deixem que pessoas que moram na terra façam o que querem com as nossas riquezas’. 3. Faltam equipamentos básicos como botas, mochilas, e de segurança: além disso, faltam instrumentos de logística (bases de apoio, drones, etc.) e transporte (moto, carro...) ou um fundo de apoio para gasolina e manutenção dos meios de transporte...4. Falta de apoio institucional, ou seja, falta apoio por parte dos organismos governamentais que têm a tarefa e a obrigação legal de proteger e fiscalizar uma terra indígena. 5. Outro ponto levantado foi a questão da ‘plena ocupação do território de Arariboia’, ou seja, há regiões que não possuem uma presença física e base fixa para fiscalizar-monitorar as possíveis invasões e ocupações externas. Precisaria criar pelo menos mais duas bases, mas de forma segura, permanente e autossustentável, ou seja, com uma população indígena no local capaz de se defender em caso de eventuais ameaças...6. Foi dito também que seria preciso pensar numa espécie de ‘institucionalização’ dos Guardiões, no sentido de serem reconhecidos formalmente, e se constituírem como um organismo valorizado pelo governo federal. Afinal, fazem um trabalho de suma importância, expondo, inclusive, a própria vida para realizar ações que caberiam, constitucionalmente, à PF. 

A segunda parte da reunião verteu sobre a identificação dos principais avanços, iniciativas concretas, pontos positivos no gerenciamento do território. 1. ‘A demarcação física da nossa terra foi uma grande conquista, mas com o tempo apareceram as ameaças que todos conhecemos. Hoje existe uma consciência renovada de que não podemos entregar esse patrimônio a pessoas ou grupos que tentam se apropriar. As novas gerações têm que conhecer a nossa história para segurar a nossa terra’. 2. ‘Hoje compreendemos que com ou sem apoio institucional estamos protegendo o que é nosso por amor, na base do voluntariado. Hoje a nossa organização é bem articulada e isso nos dá mais serenidade e esperança de que vamos conseguir manter protegida a nossa terra com a nossa união.3. Outro ponto positivo foi sem dúvida a construção de uma base local para os guardiões da nossa região Ponta D’Água e a abertura de uma trilha que permite nos deslocar para melhor fiscalizar e monitorar. 4. Mais um ponto positivo é o crescente interesse em conhecer e saber mais como lidar com a gestão do nosso território que não é somente terra e plantas, mas é também união, força política, luta por saúde, educação de qualidade, construção de um futuro que cabe a nós escolher. 5. Um outro aspecto a ser mencionado é o crescimento da nossa produção de legumes, de hortas, de pequenas experiências de reflorestamento de plantas nativas (açaí, bacaba, buriti...) e com formação específica em muitas regiões da nossa terra....

O terceiro momento da reunião se concentrou nas propostas concretas para a construção de um futuro mais esperançoso para o território de Arariboia. Concretamente, ver qual o futuro que se quer construir no território. Quais prioridades, quais iniciativas deveriam ser tomadas no que se refere ao monitoramento e à gestão do território? (sistema de proteção-fiscalização, produção, reflorestamento...). Foi enfatizado por parte da maioria que: 1. É importante investir na alimentação sustentável, sadia, investir na produção de frutas nativas, reflorestar com frutas nativas. 2. Fortalecer a educação escolar indígena, a língua nativa, mas sem descuidar da outra também. Afinal, temos que compreender sempre mais o mundo dos não indígenas e dominar seus próprios instrumentos para poder emergir socialmente e politicamente e ‘sobreviver’ com autonomia. 3. Estudar com mais afinco a proposta de construção de novas bases de apoio de forma sustentável com roças ao redor, e bastante gente. 4. Foi dito que os guardiões deveriam dar exemplo de ‘trabalho em conjunto, em mutirão’ colocando roças todos juntos e, eventualmente, dividi-las entre eles para cada um cuidar. Os presentes concordaram em iniciar algumas experiências concretas e imediatas: 1. Estudar a possibilidade de plantios de inhame em cada regional, não somente por ser algo valorizado atualmente, no mercado, mas como forma de resgatar um produto tipicamente indígena, consumido outrora e hoje pouco valorizado internamente. 2. Estudar e pensar concretamente no plantio e reflorestamento de arvores frutíferas nativas como bacaba, açaí precoce, buriti e outros, e expandir a produção de legumes com mais hortas (alface, cebolinha, coentro, pimentão, tomates....) 3.Promoção de minicursos de formação específica para realizar com sucesso as atividades indicadas, convidando técnicos parceiros ou outros.

domingo, 9 de novembro de 2025

Teologia e velocidade. Artigo de Riccardo Cristiano

Nos últimos dias, o padre Antonio Spadaro, editor de longa data de La Civiltà Cattolica e atual subsecretário do Dicastério para a Cultura e a Educação Católica, proferiu o discurso de abertura do 76º ano acadêmico da Academia Alfonsiana em Roma. Ao longo dos últimos meses, Spadaro tem conduzido uma discussão teológica sobre a necessidade de uma teologia rápida, um termo que precisa ser compreendido para que se entenda por que ela é necessária agora:

De um lado está a terra do século XX, com seus valores, ideais e tragédias; do outro, emerge um novo "continente", gerado pela revolução digital e pela rejeição dos horrores do passado, animado por uma forma diferente de inteligência. A tensão entre os dois mundos é sísmica: o século XX resiste, mas está destinado a se tornar memória, material de museu. Contudo, seu declínio não é pacífico. Como um animal ferido, o século passado, pressentindo seu fim, redescobriu sua ferocidade: a ferocidade que o levou a acreditar na guerra como solução e a considerar o sofrimento civil um preço inevitável. Assim, enquanto o novo mundo avança, o velho se debate em um espasmo final e violento, evocando suas piores sombras. Eis, então, sua proposta: uma teologia rápida, visto que não estamos em um tempo de mudança, mas sim em uma mudança de era, a percepção do Papa Francisco de alguns anos atrás, da qual sua proposta se origina. A era da Inteligência Artificial, dos algoritmos e das mídias sociais está transformando o mundo, e o faz rapidamente, capturando, carregando e arrastando, como torrentes velozes quando a chuva se transforma em tempestade.

A teologia rápida, portanto, não é um conjunto de respostas novas, fáceis e rápidas, mas uma teologia oportuna diante das mudanças de época: "A teologia rápida não exclui a lentidão, mas a integra. Não nega a profundidade, mas a vive no ritmo do presente, como quem sabe refletir enquanto caminha." A teologia rápida, portanto, é oportuna; mas, para prosseguir, há uma premissa crucial: que "teologia rápida" não é "rápida". Rapidus, por outro lado, não é aquilo que corre, mas aquilo que arrebata, arrasta, subjuga. E também é capaz de envolver atitudes, estilos de vida, compreensões da realidade, da política. A invenção da luz elétrica “capturou” o ritmo dos nossos dias; as redes sociais capturaram nossa capacidade de relacionamento; a inteligência artificial capturou nossa maneira de pensar. A teologia rápida, portanto, não é um atalho intelectual. É, ao contrário, a capacidade de apreender as questões à medida que surgem e de oferecer respostas com uma flexibilidade quase intuitiva, sem pretender ser exaustiva. Não se trata de correr atrás das notícias, mas de vivenciar a história enquanto ela acontece, superando a tentação de adiar, que é o perigo de um certo tradicionalismo. O desafio crucial é reconhecer que o Espírito de Deus age em tempo real, no meio das crises e das mudanças. "A rapidez do mundo contemporâneo gera confusão, ansiedade e solidão. É por isso que a teologia não pode se limitar a interpretar processos: ela deve ter empatia com as pessoas que os vivenciam. Uma teologia rápida é uma teologia empática. Significa permitir-nos ser tocados pelas feridas do tempo, escutar os medos, reconhecer em novas linguagens — mesmo aquelas frágeis ou temporárias — um desejo autêntico de sentido. Não há rapidez sem compaixão. A intuição espiritual mais rápida é sempre a do amor."

Portanto, este período tempestuoso é o momento de partir para o mar, e a referência evangélica é muito clara: à noite, Jesus está diante da multidão junto ao Mar da Galileia, um corpo d'água exposto a repentinas tempestades de vento. Ele fala de um pequeno barco balançando nas ondas. Naquele exato momento — talvez o menos oportuno — ele os convida a atravessar. Está escuro. Não será uma travessia à luz da lua: o caos chega na forma de águas turbulentas. De repente, "houve uma grande tempestade de vento, e as ondas se quebravam no barco, de modo que ele já estava se enchendo de água". O caos não perturba Jesus. De fato, ele está deitado na popa, dormindo sobre seu travesseiro. E esse sono deve ter sido profundo, se ele não acordou nem mesmo com o bater das ondas e a água que invadiu o barco! O caos não perturba o repouso. O Senhor é sempre o senhor da situação, mesmo quando "dorme". E assim ele intervém como um libertador. Então, imediatamente, "o vento cessou, e houve uma grande calmaria". Jesus pode, portanto, dizer aos seus discípulos: "Por que vocês estão com medo? Vocês não têm fé?"

Esta cena do Evangelho expressa poderosamente a condição da Igreja neste tempo de correnteza: somos chamados a uma fé que não espera a tempestade passar para partir, mas que a atravessa, certos de que o Senhor está conosco, mesmo que pareça estar dormindo.

 

"No mundo de Caim, a esquerda precisa enfrentar o medo. Não pode ser apenas contra". Entrevista com Massimo Recalcati

 Por que agora mais nenhuma expressão de ódio desqualifica quem a profere?

Vivemos num tempo de fanatismo ideológico. Veja bem, existem dois tipos de ignorância. Uma é aquela simples ignorância de quem desconhece um assunto. A outra é mais disseminada e é a verdadeira marca do nosso tempo. Diz respeito a quem tem certeza de possuir a verdade. Disso brota todo tipo de fundamentalismo.

O que mais lhe causa impressão nessa violenta metamorfose da linguagem?

A palavra é o que humaniza a vida. Estabelece a diferença mais profunda em relação à vida animal. Ela nos permite tornarmo-nos humanos renunciando ao atalho da violência. Onde há ódio e violência, deparamo-nos com o caminho oposto: a violência mata a palavra. Isso também acontece quando a palavra se transfigura em arma; o insulto torna-se então uma palavra projétil.

Qual a importância das novas tecnologias na criação de um ecossistema dominado que recompensa a agressão?

Nas redes sociais, a relação entre a palavra e as suas consequências é rompida. Toda agressão se torna lícita. Não há barreira considerada inviolável: doença, morte, Holocausto... É uma forma radical de imaturidade psíquica.

As raízes do ódio. Desenvolvimento.

O ódio e a violência não podem ser explicados como uma regressão do humano ao animal, ao bestial. Os animais usam a violência para sobreviver. Nós somos a única forma de animal que sente prazer no exercício da violência. É o ódio de Caim que nega a experiência de Abel, isto é, o outro de si, o Dois que força o Eu a renunciar ao seu poder narcisista. Se preferir uma definição rigorosa de ódio, é esta: o esforço para levar o Dois de volta ao regime fechado do Um.

O ódio escraviza?

O ódio, dizia Jacques Lacan, ‘é uma carreira sem limites’.

É assim que explicamos a crise das democracias, desafiadas por dentro e por fora pelos Cains das autocracias e dos populismos?

A democracia é a experiência da morte do Um e da descoberta do Dois. As guerras eclodem porque faltou o tempo coletivo para a elaboração simbólica do luto pelo Um. Pense no conflito russo-ucraniano: em vez de encaminhar a Rússia para a democracia — experiência da morte do Um — Putin gostaria de refundar o império, negando a experiência do Dois.

O mesmo acontece dentro das democracias, com a construção do inimigo.

A busca do inimigo é uma vocação paranoica que permeia todo regime iliberal. Ela engessa cada identidade em uma narrativa que nega o Dois: o diverso é vivido como uma ameaça, como um obstáculo à nossa plena realização.

Em suma, a armadilha das identidades.

Walter Benjamin dizia: 'A democracia nos obriga ao exercício contínuo da tradução'. Em uma democracia, de fato, existem mais línguas, e todos somos obrigados a um esforço de tradução da língua do outro. Nos regimes iliberais, ao contrário, todos falam a mesma língua...

O caldo de cultura para tudo isso é o medo que autocratas ou aspirantes a autocratas se empenham em transformar em ódio?

O soberanismo psíquico, dizíamos, é a destruição de Abel, em nome do Uno, sozinho. As massas do século XX, como observou Wilhelm Reich, não sofreram passivamente os regimes totalitários. Pelo contrário, houve um desejo ativo pelo fascismo. Isso é o que mais desconcerta.

Atualizando, equivale a se questionar por que hoje, o povo, onerado pela crise, está disposto a abrir mão de um pouco de liberdade em troca de segurança, ou da ilusão dela.

Exatamente. É um desejo de proteção que pode comportar a fuga, como diria Fromm, da liberdade. Existe, de fato, uma profunda ambivalência do ser humano diante da liberdade. Por essa razão, Spinoza pôde dizer que o homem pode preferir suas correntes à liberdade.

Por que, no consenso, a narrativa é mais importante do que os resultados?

O fundamento do populismo é uma equivalência substancial entre o Povo e o Bem. O líder não representa seu povo, mas o encarna em suas pulsões mais básicas. Trata-se de uma relação hipnótica e não de delegação. O excesso de sociedade líquida, para usar as palavras de Bauman, levou a um retorno de identidades sólidas e à busca por pais primordiais, líderes da guerra e das armas, como Netanyahu, Trump ou Putin.

O erro histórico das elites tradicionais e da esquerda é contrapor a tudo isso apenas o politicamente correto?

Não há dúvida. A esquerda é apenas 'contra': contra Trump e contra Meloni, de maneira quase obsessiva. Mas ser contra não amplia o consenso. Pelo contrário, o estreita sectariamente.

Em outras palavras, a esquerda coloca a identidade acima do país.

Exatamente. Cultiva a horta de sua identidade e de seus seguidores. Em vez disso, deveria recomeçar a falar com a maioria do país, não apenas com as minorias.

A esquerda também está acorrentada ao seu Caim?

Ser democráticos é um esforço de longo prazo. Estar sozinho contra bloqueia o país e bloqueia junto ao país também a esquerda. (IHU)

 

sábado, 8 de novembro de 2025

Solenidade da Dedicação da basílica de João do Latrão - Chega de profanar corpos e templos, fora imperadores e mercadores da religião!

Não se pode adorar a Deus e idolatrar o dinheiro ao mesmo tempo! Abusar dos espaços próprios da espiritualidade e da fé e transformá-los em máquinas para lucrar é algo inaceitável. Quando o binômio templo e mercado se alimentam reciprocamente é imperativo destruir o templo que se deixou contaminar pelo mercado! O corpo de Jesus é a verdadeira ‘tenda’ – não santuário, - que Deus escolheu para habitarNão são as belas e imensas basílicas e catedrais, e sim, a ‘carne humana e fragilizada’ que foi escolhida pelo ‘Onipotente’ para habitar, humano, entre nós. São as ameaças, as torturas, as violações a essa ‘casa-corpo’ que provocou a profética indignação de Jesus. Algo que deveria suscitar também em cada seguidor a mesma reação. Hoje se celebra a solenidade da ‘dedicação da primeira igreja-pedra, a de São João do Latrão’, em Roma, construída e doada pelo imperador Constantino ao Papa Silvestre, cerca de 1700 anos atrás. A partir disso somos incentivados a nunca permitir que imperadores, especuladores e cambistas de toda espécie se apropriem e profanem corpos-templos e os espaços reservados aos corpos-pessoas adorarem e servirem o único Deus. E expulsar todos aqueles que em nome de Deus fazem dos corpos-templos uma mercadoria!