sábado, 29 de maio de 2010

Trindade:humanos divinos, divinos humanos!

Como apagar da nossa memória catequética imagens e conteúdos ligados a três personagens divinos representados por um ‘senhor de barba e cabelos brancos cumpridos’ dominando sobre os outros dois: um jovem de barba e cabelos cumpridos tendo uma coroa real na cabeça a segurar um globo, e uma pomba de asas abertas quase a abraçar os dois? Diziam-nos que era a Santíssima Trindade, pois era formada pelo Pai, o Filho e o Espírito Santo.

Acrescentavam os nossos dedicados catequistas que os três, embora sendo três ‘pessoas’ (inclusive a pomba!), eram, na realidade, um Deus somente. Mais tarde, na teologia dogmática, com professores mais sofisticados, nos instruíam para compreender que o Filho Jesus, - o único do qual possuímos dados históricos, - procede do Pai, possui a sua mesma substância, é gerado, mas não criado... Quanto ao Espírito Santo, também Ele Deus, procede do Pai e do Filho, e que como os dois é ‘adorado e glorificado’....

Evidentemente não estou fazendo gracinhas a respeito de tudo isso. Queria somente enfatizar como é um tanto complicado e como não é nada didático apresentar dessa forma a ‘ícone/realidade’ da Santíssima Trindade. E mais, como é difícil se identificar com aquilo que ela (a Trindade) poderia manifestar no nosso cotidiano. Lembro que quando questionávamos o sentido e a lógica de ‘três pessoas e um só Deus’ respondiam-nos que isso era um mistério, e que diante dele só cabia aceitar e contemplar...não compreender!

É inegável que nós queremos sim, compreender, pelo menos lá onde é possível. E sem negar a dimensão de fé e mistério que toda realidade possui. Saber, por exemplo, que muitas dessas formulações que tentam explicar a relação Pai-Filho-Espírito Santo são frutos de concílios e disputas teológicas que têm como pano de fundo disputas por influências políticas territoriais, patrocínios e pressões imperiais para controlar, mediante símbolos e instituições religiosas, mentes, culturas e relações sociais. Além disso, para complicar, ao expressar ‘verdades de fé’ utilizavam-se categorias e conceitos filosóficos próprios da cultura hegemônica da época. Isto tornava uma determinada formulação teológica um pouco mais compreensível para aquela cultura, mas não para as demais...inclusive para as nossas, hoje!

De lá para cá continuamos a professar o mesmo ‘credo’, com a mesma linguagem conceitual. Ninguém se atreve a fazer uma hermenêutica e/ou uma reinterpretação e readequação daquelas fórmulas, imaginando que ao fazer isto estaria não somente ‘ferindo’ o ‘dogma trinitário’ já consagrado e inquestionável, mas poderia ‘atacar’ também a ‘imagem-essência’ do próprio Deus que, diga-se de passagem, ‘é o totalmente Outro’, ‘Aquele que não se deixa a conhecer’, ''cujo nome sequer pode ser pronunciado....'

Celebrar a Santíssima Trindade significa, para mim, celebrar a integração entre o divino e o humano, superando toda tentativa de separação entre as duas dimensões. O divino é tal porque profundamente humano e vice-versa. Os humanos, de quem Jesus de Nazaré foi a expressão máxima e mais perfeita, são ‘o espelho de Deus’. Embora imperfeitos, não deixam de manifestar a grandeza e a humanidade de um Ser que está dentro e no meio de nós. Não se trata de dar um rosto ou uma essência clara e distinta a um Ser que por sua natureza não se deixa a conhecer, e que não se deixa enjaular nas nossas categorias humanas.

Trata-se de compreender e, sobretudo, de vivenciar a comunhão que deve existir entre os seres vivos criados e criadores, sacramentos/sinais do sopro/espírito que gera vida, e que aponta para uma comunhão mais ampla, infinita, como são infinitos os braços acolhedores de um Deus que não possui limites.

Ferir, machucar, humilhar e matar, por exemplo, os humanos e as suas condições de vida, - a terra, as águas, o ar, os seres vivos em geral, - estaríamos ameaçando o ‘pneuma/espírito’ de Deus que continua dando vida àqueles que têm o poder de manifestá-Lo!

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Índio Ka'apor é barbaramente assassinado no Centro do Guilherme! A vingança dos madeireros demora, mas não falha!

Chegou, ontem, a São Luis uma comissão de quatro índios Ka’apor de diferentes aldeias da Terra Indígena Alto Turiaçu para denunciar o brutal assassinato de Hubinet Ka’apor na cidade de Centro do Guilherme, MA. Ao relatar os fatos ao Procurador da República no Maranhão e ao delegado da Polícia Federal, o cacique Valdemar Ka’apor esclareceu que no dia 16 de maio o jovem Hubinet da aldeia Axiguirenda foi barbaramente assassinado a pauladas por vários moradores do Centro do Guilherme.

O índio que havia ido à cidade para fazer compras, ao passar em frente de um bar despertou a raiva e o ódio de alguns freqüentadores que em evidente estado de embriaguez passaram a agredi-lo sem motivo evidente. Em poucos instantes a horda desferrava pauladas raivosas e fatais contra o jovem deformando o seu rosto e deixando-o inerme. Ninguém na cidade tomou providências para deter os responsáveis desse crime hediondo.

O bárbaro assassinato deve ser entendido dentro do clima de tensão e conflito existente na área. Um número sempre maior de madeireiros e plantadores de maconha da cidade de Centro de Guilherme quer usufruir sistematicamente da terra indígena para seus fins torpes.

Cerca de 4 anos atrás um madeireiro da cidade invadiu a terra indígena para roubar madeira nobre, mas ao ser flagrado por um grupo de Ka’apor tentou reagir violentamente agredindo-os com uma moto-serra. A resposta dos índios foi imediata e fatal. A cidade inteira ficou revoltada com a reação, jurando vingança. A raiva, entretanto, deve ser entendida não somente por causa da morte do invasor, mas pelo fato que os Ka’apor não aceitavam negociar a venda da madeira. Tudo leva a crer que o jovem Hubinet foi o alvo escolhido, - embora de forma aleatória, - da vontade reprimida de vingança daqueles moradores.

Aguarda-se que a Polícia Federal instaure inquérito formal que leve a identificar os autores do homicídio e à sua captura. As outras medidas que já deviam ter sido tomadas há muito tempo na região, consistem numa imediata e radical execução de políticas duras de fiscalização e intervenção para reprimir o tráfico de maconha e de comércio ilegal de madeira. Hoje, o Centro do Guilherme virou mais uma nova Buriticupu, 'sem lei e sem...rei’!

sábado, 22 de maio de 2010

É Pentecostes!

Quando deixarmos de lado os planos pastorais rigorosamente sistematizados, e aprendermos a ouvir o sopro da vida, será pentecostes!
Quando deixarmos de ser guiados pelas fórmulas dogmáticas e os credos ortodoxos, e proclamarmos com gestos coerentes o ‘hino à caridade’, será pentecostes!
Quando deixarmos de competir com outras igrejas para ver quem faz mais sinais prodigiosos, e balbuciarmos a linguagem do diálogo fraterno, será pentecostes!
Quando deixarmos de colocar barreiras litúrgicas e alfândegas teológicas a povos e etnias, culturas e religiões, e juntos cantarmos comunhão e praticarmos inculturação, será pentecostes!
Quando formos intolerantes com a nossa intolerância, os nossos preconceitos e racismos, e apertarmos com firmeza e ternura a mão do ‘outro’, será pentecostes!
Quando tirarmos a máscara dos espetáculos e dos teatros da fé, e começarmos a acreditar na fé do pequeno excluído e anônimo, será pentecostes.
Quando renunciarmos aos títulos eclesiásticos altissonantes, às vestes litúrgicas multicoloridas e aos altares sacrificantes, e nos vestirmos só de compaixão e serviço, será pentecostes!
Quando aprendermos que Deus não se adora nem na igreja, nem no templo, nem na sinagoga, nem na mesquita, nem no céu infinito, mas em ‘espírito e verdade’, em toda montanha, em toda planície, em toda mata, em todo riacho e mar, em todo coração manso, em todo hálito de vida, será pentecostes!
Quando descobrirmos pela fé que o ‘espírito do Ressuscitado’ é o espírito de todos aqueles que seguiram o exemplo de Jesus de Nazaré, e que continuam a nos lançar impávidos nos braços da humanidade para humanizá-la, será pentecostes!
Quando, enfim, deixamos de falar ‘as línguas’ da ganância e da ambição, da truculência e da corrupção, da violência e da arrogância, e partimos o pão da fraternidade nas casas, nas ruas, nas praças, nos hospitais, e nas escolas, é PENTECOSTES!

segunda-feira, 17 de maio de 2010

perdendo a capacidade de se indignar?!

Peguei dois sustos hoje pela manhã. O primeiro: no Bom dia Brasil desta manhã foi dada a informação que mais um padre de Londrina foi detido após ter sido flagrado bêbado e pelado num carro, depois de ter participado de uma festa de casamento em que ele teria assediado um adolescente e um policial. O advogado do padre, na entrevista, justificou o fato alegando que o clérigo havia ingerido comprimidos antidepressivos com bebidas alcoólicas que teriam causado transtorno momentâneo. Para o sim ou para o não, mais um padre é objeto de manchete, e sempre pelos mesmos motivos.

O que vem me chamando a atenção nessas denúncias de pedofilia cometidas por padres da igreja católica pelo mundo afora é que todos os envolvidos até agora denunciados pertencem à igreja eufemisticamente chamada ‘conservadora’. Todos eles, padres e bispos até aqui denunciados com provas e claros indícios de responsabilidade nos casos de pedofilia, são ferrenhos inimigos da teologia da libertação, das pastorais sociais, da igreja popular, das CEBs, da democracia na igreja, etc. Ao mesmo tempo, são defensores intransigentes da moral sexual vaticana, do clericalismo mais despótico, do papismo monárquico, e da liturgia fundamentalista, mas tolerando as show-missas dos padres-artistas. Ah, esqueci: o padre de Londrina era um ‘show-clerical-men’ que reunia até 50.000 pessoas nas missas....se é que elas podem ser definidas assim!

O segundo susto...à toa!

O segundo susto: a foto da governadora do Maranhão ladeada pelos dois caciques do PT Regional do Maranhão no jornal O Estado do Maranhão. Não que estranhe tal aliança, afinal estava no ar. Poucos haviam engolido aquela votação em que 87 delegados petistas contra 85 haviam rejeitado a aliança com o PMDB maranhense. Tampouco fico escandalizado por esse eventual casamento entre um setor do PT (no caso aquele que manda!) e o PMDB, afinal a política partidária nesses tempos tem o poder de ‘nivelar’ e achatar todos.

Todos se equivalem. Nenhum partido hoje em dia pode se arvorar em ser mais puro e honesto que outro. Puro e impuro, honesto e corrupto, direita e esquerda, conservador e progressista, oligarca e democrata estão a formar uma unidade indissociável, uma espécie de ‘amasio’ consentido, embora não sacramentado. Faces pluriformes da mesma moeda. Nesse contrato carnal ‘todos são de todos’....melhor dito: ‘ninguém é de ninguém’, mas estão juntos, hoje!

Mas venhamos ao susto. Em que consistiria, afinal, o meu susto? Ele está exatamente nisso: na minha incapacidade de me assustar, de experimentar estranheza, indignação, escândalo diante das imponderáveis pirotecnias da política partidária maranhense.

Aos recém-amasiados, cuidado: fidelidade mesmo só com o bicho ‘águia’....que é por sua natureza....fiel, mas só ela!

sexta-feira, 14 de maio de 2010

ASCENSÃO DE JESUS: O CÉU NA TERRA PARA DIVINIZÁ-LA

Frequentemente ao longo da nossa vida fazemos a experiência de uma dúplice dimensão dentro de nós mesmos. De um lado vivemos a plena materialidade, a concretude, mas percebemos que ela tem uma vida que a anima e que a transcende. Vivemos na terra finita, mas aspiramos alcançar realidades que vão além da sua finitude. Fazemos a experiência da angústia, da dúvida, mas ao mesmo tempo almejamos o seu oposto: a paz interior permanente, a certeza e a segurança, embora não na sua plenitude. Sentimos o que significa sofrimento, dor, morte, mas possuímos dentro de nós a capacidade de imaginar e desejar serenidade, vida plena....permanente.

A catequese/acontecimento da ascensão de Jesus nos faz mergulhar nas dinâmicas mais profundas da nossa vida: o morto voltou a viver, o humilhado foi exaltado, o cativo da ‘terra finita’ conquistou definitivamente o céu da liberdade plena. São duas faces da mesma moeda. Realidades aparentemente contraditórias formam uma unidade integrada do processo existencial de cada pessoa: vida e morte, terra e céu, luz e sombra, humilhação e exaltação, fidelidade e traição, medo e coragem, paz e guerra...fechamento e abertura ao outro, ao mundo!

É claro que na vida real isso não se dá de uma forma sempre clara e distinta. Nem ocorre que somos integralmente ou uma coisa ou outra. O importante é percebermos que tudo isso está potencialmente dentro de nós ao mesmo tempo, sincronicamente, e que podemos, em parte, construir historicamente uma ou outra dimensão, a depender das escolhas e opções de vida que fizermos.

Jesus anunciou e lutou pelo direito à vida, à felicidade, à saúde. Alimentou o sonho dos pobres da Palestina por uma existência que fosse além de conquistas imediatas e circunstanciais. Educou-os a sonhar ‘alto’ e olhar ‘longe’. Ajudou-os a compreender que a existência humana não acabava naquilo que eles viam e sentiam. Que era possível construir outra realidade que não fosse a ‘finita e estática’ que experimentavam, mas os ajudou a transcender a que eles eram obrigados a viver.

Propunha a eles não uma realidade ‘celestial’, desencarnada da história, mas uma realidade que transformasse definitivamente a que os mantinham limitados e cativos. Jesus fez isso em contraposição a quantos semeavam e impunham morte, sofrimento, dor, miséria e escravidão. Jesus mostrou que nas duas faces da moeda Ele escolheu e lutou por um lado: o da vida, da luz, da liberdade, da felicidade e da vida infinita como o é o ‘céu’.

Ascensão de Jesus significa reconhecer que é possível libertar-se dos condicionamentos e escravidões, de interesses materiais e mesquinhos, de tudo o que nos prende e nos apavora. Significa de um lado saber permanecer no lugar do desafio, da confrontação, em Jerusalém, mas saber compreender quando está na hora de sair para ‘Betânia’, o lugar da ‘revelação e da bênção’, a porta de entrada para o mundo. Não mais presos a um lugar específico, estreito, mas disponíveis para reiniciar em todos os lugares e tempos a mesma prática Daquele que nunca subiu para o ‘céu’ porque o céu já o havia trazido para a terra para libertá-la definitivamente de suas amarras e, enfim, divinizá-la!

quinta-feira, 13 de maio de 2010

A semana dos povos indígenas no Maranhão: oportunidade perdida?



É louvável que o Governo do Estado mediante as suas secretarias tenha criado o belo hábito de promover anualmente a semana dos Povos Indígenas do Maranhão. Não deu para fazê-lo nos dias que costumeiramente se faz em todas as regiões do Brasil, ou seja, em abril (19 dia nacional dos povos indígenas).

Aqui no Maranhão começou ontem, dia 12 de maio e se estende até o dia 15. Basicamente se reproduz o mesmo esquema: oficinas, exposições de artesanato, algumas mesas redondas, mas, convenhamos, não deixa de ser uma oportunidade para manter viva a consciência de que a nossa matriz sócio-cultural fundadora é indígena. Que somos, em parte, o que somos, graças a determinados alicerces postos por ancestrais que nos repassaram valores e visões de mundo que ‘fortalecem a nossa humanidade’.

Valores como o sentido de pertença e de solidariedade existente entre todos os integrantes de uma mesma grande família, a concepção-prática de tempo, espaço e trabalho em que tudo está subordinado não à vontade doentia de ganhar e lucrar, mas à vontade de ‘conviver, celebrar, festejar....’, o sentimento profundo de que tudo está integrado (seres humanos, seres espirituais,‘seres inanimados, natureza, etc.) entre outros, marcam a estrutura social e cultural desse Estado. Tudo isso é um patrimônio humano-moral valioso que muitos não indígenas desconhecem, mesmo se beneficiando.

Infelizmente, as ‘semanas indígenas’ não passam de ‘homenagens formais’ supostamente de caráter cultural que frisam somente o caráter ‘externo e material’ das sociedades indígenas. Os seus grandes problemas e conflitos fundiários, os direitos negados, os preconceitos raciais, as omissões e negligências institucionais para com elas, não são debatidos e enfrentados, nessas oportunidades.


O projeto-proposta que a Associação Carlo Ubbiali - à qual pertenço - de que o Estado disponibilize espaço e condições para a criação um ‘museu/espaço vivo dos povos indígenas do Maranhão’ continua encontrando indiferença e falta de interesse nas instituições públicas. Índio só incomoda, principalmente hoje!!!!!


terça-feira, 11 de maio de 2010



A campanha ’Justiça nos Trilhos’ lançada cerca de dois anos atrás por várias entidades e movimentos do Maranhão, entre os quais os Missionários Combonianos do Brasil Nordeste, editou recentemente a revista ‘Não Vale’ colocando dados e informações sobre a atuação deletéria do colosso brasileiro de mineração, a empresa multinacional VALE.


A empresa que costuma apresentar um rosto bem ‘maquiado’ com truques ambientalistas e humanitários é radicalmente desmascarada por um conjunto de artigos que não deixam margem a qualquer réplica. Desde os altos índices de poluição que a Vale produz no mundo, e especificamente em São Luis, até os impactos causados pelo trem da Vale às comunidades que vivem à beira da ferrovia, passando pelos métodos arrogantes e inescrupulosos da empresa para com o ambiente, seus funcionários e terceirizados.


Uma mistura explosiva que vale a pena ler e manter na estante da sala para uma permanente consulta. Associada à revista vai também o vídeo ‘Não Vale’ produzido pelo diretor italiano Silvestro Montanaro mostrando os dramas que o ‘orgulho nacional’ da mineração-siderurgia vem produzindo. Vale a pena adquirir. Podem entrar em contatos com este blog ou mediante o site ‘www.justicanostrilhos.org’

sábado, 8 de maio de 2010

AMAR É GUARDAR A PALAVRA-TESTEMINHO PARA GERAR MAIS TESTEMUNHO! (Jo.14, 23-29)

Vivemos em uma sociedade que produz e mercantiliza a palavra. Uma sociedade prolixa e verborrágica. Que consegue separar a palavra do seu sentido e conteúdo. Uma sociedade que consegue deturpar e manipular o que a palavra jamais quis revelar.

A palavra, muitas vezes, não é usada de forma coerente com o que o seu autor sente e pensa realmente. Ela se torna instrumento de ruptura entre o pensamento/sentimento e a ação...não correspondente. A palavra deixou de ser, progressivamente, a expressão direta e inconteste da identidade/personalidade/intencionalidade do seu autor. Tornou-se um conjunto de sons emitidos para proteger/escancarar, esconder/revelar, elogiar/caluniar, simultaneamente, os interesses, as conveniências e os projetos do seu emissor.

Manter a ‘palavra dada’ não passa de uma expressão esdrúxula. Só um otário entra nessa, de acreditar! Até a palavra registrada em cartório levanta suspeita e dúvida. Pode ser facilmente contestada. Contraditoriamente vivemos em uma sociedade que cria, inventa e utiliza de um volume incalculável de ‘palavras’, mas que sabe que elas são inconsistentes e voláteis. Um produto, enfim, descartável, como qualquer outro.

Respeitadas as devidas ressalvas (exceções e contradições) os povos da antiguidade atribuíam à palavra um valor por nós inimaginável. E não somente por não possuírem a escrita, ou por ela não ser tão desenvolvida como hoje! Era expressão do que efetivamente o seu emissor pensava e sentia. Não só: a palavra não podia ser compreendida se fosse desligada do sentido que ela veiculava, e da ação que revelava. Palavra e ação correspondente era uma coisa só! Indissociáveis. Daí o fato que no Gênesis, por exemplo, Deus cria falando. Deus disse e as coisas tomam vida!

Jesus no discurso de despedida, na versão de João, afirma que a prova que se ama alguém é ‘guardar as suas palavras’. A prova que não se ama uma pessoa consiste em ‘não guardar as suas palavras’. ‘Guardar’ não é sinônimo de ‘proteger escondendo’. Tampouco significa decorar ou divulgar e transmitir fielmente as palavras da pessoa amada.

Só podemos entender essa expressão segundo os critérios dos ‘antigos’, ou seja, manter viva a palavra-ação, a palavra -testemunho. Amar alguém significa, portanto, manter vivo o patrimônio moral e humano de alguém que deu sentido ao seu existir. Não deixar sufocar nem deturpar a sua humanidade, as suas opções, o seu testemunho de vida. Mais: amar é saber reinterpretar e readaptar as palavras do amado/a aos novos contextos, para que ‘o amor da pessoa amada’ não morra. Para que ela continue dando sentido àquele que fez a experiência de se sentir amado por ela e que, agora, ao estar sem a sua proximidade, já não pode deixar de manifestar, reproduzir e multiplicar a intensidade e a beleza de amar e ser amado...para mantê-lo permanentemente VIVO/A

No dia das mães não necessitamos fazer manifestações verborrágicas de que as amamos. É suficiente garantir a elas, a nós mesmos e aos que entram em comunhão conosco de que o testemunho do seu amor e de sua dedicação nunca irão morrer. Isto porque nós, os filhos/as do amor delas, poderemos reproduzir o seu testemunho em gestos férteis e geradores de mais amor e de mais dedicação.

É guardando as ‘palavras vivas’ desse amor que provamos que as amamos!

Feliz dia das mães!

À senhora Gina, minha mãe um grande beijo, cheio de gratidão e carinho. Que se recupere rápido da cirúrgia e volte a pessar pelas veredas dos nossos bosques.

sábado, 1 de maio de 2010

Para vencer o medo e a morte só amor, nada mais que.....amor! (Jo.13,31-35)

Judas sai do espaço/contexto em que Jesus acabava de mostrar que o que vale na vida é servir (lava-pés), numa atitude de gratuidade, sem aparecer, sem mandar e sem manipular. Judas abandona o ‘líder’ Jesus e o seu grupo por ter compreendido que o suposto ‘messias’ já não iria satisfazer as expectativas que ele havia alimentado até então. O próprio Jesus, conscientemente ou não, as havia mantido acesas até o final. Judas, a partir disso, deixa de ser um mero personagem ‘historicamente identificável’ e se eleva a ‘imagem’ de todas aquelas pessoas que se sentem ludibriados em seus sonhos pessoais e projetos sociais e políticos. E, ao perceberem que não há mais volta, o melhor que lhes resta a fazer é ‘destruir’ quem as iludiu.

É nesse contexto de conluio, de dupla traição, de ‘traidor traído’, de vingança política, - pois disso se trata, - que João vê a ‘glorificação’ de Jesus, e a emergência do ’novo mandamento’. Paradoxalmente, João vê na traição de Judas e na conseqüente morte-ressurreição de Jesus a sua glorificação, e o reconhecimento/confirmação por parte do próprio Deus.

João, na prática, tenta encontrar uma justificativa teológica para algo que representou, historicamente, um verdadeiro ‘escândalo’, um ‘trauma coletivo’ para os discípulos e seguidores históricos de Jesus de Nazaré: a sua morte mediante a crucificação. Uma pena esta reservada a escravos rebeldes, a grupos de oposição armada que insurgiam contra os romanos ou, enfim, a cidadãos suspeitos de ter colaborado com os insurgentes anti-romanos. Uma pena cruel que tinha o propósito de não somente erradicar os opositores declarados, mas de inibir futuras tentativas de se opor à força do império. Uma pena ignominiosa para quem a subia e para os familiares e amigos do condenado. Se já é um trauma a morte em si mesma, a morte de cruz assumia conotações de tragédia que ia além da perda biológica de uma pessoa querida. Era, afinal, símbolo de humilhação e derrota humana e social.

João e a sua comunidade, muitos anos após a morte de Jesus, se encontram a ter que enfrentar novos e inéditos acontecimentos que trazem novos sofrimentos e provações para a igreja de Jesus. Sentem-se, porém, mais fortes, pois possuem uma consciência que à época do Jesus histórico não possuíam, ou seja, que nem a cruz, nem a espada, nem a fome, nem as tribulações haviam conseguido matar o legado do profeta de Nazaré.

Em seu cotidiano carregado de novas traições, de desistências e perseguições ‘re-aparece’ no meio deles (na comunidade) Aquele que nunca havia sido eliminado na sua memória e celebração da vida. João e a sua comunidade percebem que é ‘quando são fracos, carregados de dúvidas e com medo é que são efetivamente fortes!’ Descobrem que, como havia acontecido ao mestre de Nazaré, a morte é, paradoxalmente, um sinal da presença (glória) de Deus, pois ela desencadeia relações e sentimentos que apontam sempre para a sua (morte) superação.

Em lugar de se deixar vencer e dominar pelo medo coletivo, pelo escândalo da ‘cruz/sofrimento/vergonha’ à comunidade só lhe cabe uma coisa: amarem-se uns aos outros. Em lugar de desistir e fugir, se fortalecer e se solidarizar. Em lugar de competir e rivalizar, amar e se deixar amar.

Afinal, a prática do ‘agape/amor fraterno e terno’ é que pode dar sentido a uma existência que cotidianamente tem que lidar com intolerâncias, ódio, truculência, arrogância, traições e violência. É na adoção de relações humanas alicerçadas no respeito, na mansidão, na paciência, na paz, na justiça – e não mediante as nossas solenes liturgias - que podemos ser reconhecidos como autênticos ‘seguidores de Jesus’.

Bom domingo para todos!