Pouco se fala na
imprensa local da real situação socioeconômica e sanitária das comunidades
indígenas no Maranhão. Afinal, algo é publicado somente em casos de violência
explícita, ou de ameaças a indígenas que vêm se destacando pelo seu protagonismo
na defesa dos territórios. O dia-a-dia das famílias indígenas em seus
territórios não chama a atenção, e não produz compaixão e nem revolta. A cotidianidade
indígena quando não marcada por uma espetacular dramaticidade, não se torna
objeto de debate, nem de denúncia, e nem de intervenção institucional. Adquiriu,
tragicamente, o status de realidade oculta, não socialmente relevante!
Entretanto, é na cotidianidade das numerosas e diminutas aldeias, feita de convivências
e de ações corriqueiras, de necessidades e de ausências que os dramas e as
angústias pela sobrevivência assumem sua forma trágica.
Nas visitas
pelos territórios indígenas Arariboia, Canabrava, Bacurizinho, por exemplo, nos
municípios de Grajaú, Arame, Jenipapo dos Vieira, Buriticupu, Santa Luzia, chama
a nossa atenção, de imediato, a ‘falta de registros de nascimento’ de muitos
indígenas. Em sua maioria, adultos, o que torna o processo de reconhecimento de
sua existência, ainda mais complicado. Ousamos afirmar que, atualmente, são
centenas de ‘sem registros’! São contabilizados, mas para o estado não são
cidadãos, pois não existem! Eles não têm acesso a programas institucionais, não
podem se matricular numa escola, e não existe, - pelo menos localmente, - um
plano da Funai para sanar esse grave problema. No caso específico da CTL
(Coordenação Técnica Local) da FUNAI de Grajaú, o coordenador em lugar de
auxiliar e apoiar, ele encaminha os indígenas a um escritório particular em que
trabalha a própria esposa que é advogada. Os seus honorários são pagos mediante
os recursos dos diferentes ‘auxílios federais’, para quem tem acesso. A
Defensoria Pública que é disponível para colaborar para sanar esse pecado
social pouco ou nada é solicitada! Parecem ter se esgotado as iniciativas de
outrora, - raras, diga-se de passagem, - de promover ‘forças-tarefas’ interinstitucionais
para debelar definitivamente, o que ainda envergonha o Brasil em pleno século
XXI: a existência de milhões de cidadãos sem registro de nascimento!
Seguindo,
idealmente, as etapas da vida constata-se, no cotidiano das comunidades
indígenas daquela região indígena do centro-sul do Maranhão, a ausência quase
que total da educação escolar. Bem antes da pandemia, a educação escolar
indígena, - cuja competência é do Governo do Estado, seguindo as diretrizes
básicas federais, - vinha mergulhando no caos mais completo. Entra governo, sai
governo, de direita ou de esquerda ou, supostamente, tais, em nada tem
contribuído para modificar a estrutura, a infraestrutura e a prática de
ensino-pesquisa de uma educação escolar indígena que, teoricamente, deveria se
alicerçar nos princípios da interculturalidade, do bilinguismo e da
especificidade. A explosão da pandemia serviu para o Estado como pretexto para se
ausentar e omitir ainda mais, fazendo com que a educação escolar indígenas regredisse
de decênios em todos os aspectos! O corpo docente continua fortemente marcado
pela atuação de ‘professores monolíngues não indígenas’, escolhidos mediante um
seletivo arcaico, sem nenhuma introdução mínima à realidade social e cultural
do povo a quem são chamados a ‘alfabetizar’. Cursos de formação continuada para
professores indígenas e não, foram sumariamente suspensos há muitos anos atrás.
Ao longo desse período não se conseguiu criar uma cultura de diálogo e de parceria
fecunda entre o governo do Estado/Secretaria de Educação e comunidades
indígenas, de forma que um continua desconfiando do outro, um acusando e
denunciando o outro. É, contudo, um fato irrefutável que, por exemplo, nesses
últimos 8 anos o governo do Estado, através da Secretaria de Educação, não construiu
sequer uma escola em nenhuma aldeia indígena. E pouquíssimas ele chegou a reformar....
Outro desafio
que salta aos olhos na cotidianidade indígena é o higiênico-sanitário. É desses
dias, início de março de 2022, por exemplo, a veiculação de várias denúncias de
inúmeras comunidades indígenas da região de Arariboia e Bacurizinho da falta de
água potável. Os carros-pipa contratados para fornecer água potável a várias
aldeias que não possuem poço artesiano estão deixando de fazê-lo por não terem
ainda alcançado um acordo-contrato com a SESAI (Secretaria de Saúde Indígena)
do Maranhão. Centenas de famílias indígenas são obrigadas a recolher a água da
chuva ou de cacimbas improvisadas para se abastecerem. Nem se fala da ausência
sistemática de remédios, de consultas e visitas médicas, internações e outros
cuidados e ações preventivas. A ausência de estradas trafegáveis torna ainda mais
complicado o acesso de ambulâncias ou transportes para emergências graves! Em
que pese tudo isso e muito mais, não deixa de passar despercebida nas pequenas,
mas caprichadas roças familiares, a fartura de milho, feijão, fava, mandioca,
arroz, abóboras. Por um instante a nossa mente começa a viajar, sonhar,
imaginar....como seriam as aldeias do Maranhão se houvesse um mínimo de investimento e de acompanhamento
institucional, criterioso e sistemático. Não para criar dependências, nem para
praticar assistencialismos baratos e humilhantes, mas para provar àquelas
famílias que elas são parte ativa e indispensável de uma sociedade maior.
Manifestar com políticas respeitosas de incentivo, de presença amiga, de
parcerias sólidas e solidárias que chegou a hora de encurtar e eliminar o distanciamento
e o abandono a que têm sido relegadas.
A hora é agora, antes que os déspotas
desse País mandem invadir e ocupar mais ainda seus territórios e suas almas, pisoteando
seus sonhos, arrancando suas esperanças, sangrando suas matas, quebrando seus
maracás e sufocando seus cantos....