domingo, 27 de dezembro de 2009

Festa da 'Comum' Família de Nazaré:construir a grande família planetária, para além dos laços de sangue!

Tradicionalmente sempre houve dentro da igreja a tendência em idealizar a ‘Família de Nazaré’. Apresentada frequentemente como modelo de vivência familiar, a família de Nazaré foi despida de toda concretude histórica. Foi, abusivamente, sacralizada, distanciando-a, assim, da nossa realidade comum, cotidiana e normal. A conseqüência disso foi a assunção de concepções e práticas históricas meramente moralistas e intimistas da família. O trecho evangélico de Lucas escolhido para ilustrar o comportamento da família nuclear que educou Jesus nos revela, ao contrário, as normais tensões e incompreensões que se dão numa família ‘normal’. Evidentemente, Lucas não devia possuir grandes informações sobre a infância de Jesus. Nem era seu interesse resgatar historicamente as relações familiares que marcaram a vida de Jesus na sua primeira infância.
Objetivo de Lucas era outro: mostrar aos seus interlocutores, leitores e discípulos que Jesus desde que se tornou ‘religiosamente adulto’ (aos 12 anos!) já tinha consciência da sua missão e reivindicou logo a sua autonomia perante formas de ‘condicionamentos e obrigações familiares’. Ao mesmo tempo queria mostrar que Jesus, ao cumprir essa missão, encontrou logo sinais de incompreensão dentro de sua própria família de sangue. Lucas, na verdade, projeta no passado (antecipa) as incompreensões que o Jesus adulto, já missionário do Pai, encontrou junto à sua família extensa. A prova de que o trecho evangélico hodierno não é um relato ‘histórico’ e sim uma catequese, é o fato que um casal ‘normal’ –e com maior razão, o casal de Nazaré – dificilmente teria se esquecido de procurar em Jerusalém o seu único filho dando fé que não estava como eles somente após um dia de viagem! Paradoxalmente voltam à capital e acham Jesus depois de 3 dias (número evidentemente simbólico) no templo!
Na realidade, Lucas descreve a prática de um Jesus já adulto, autônomo na sua missão, ocupado em levar adiante o seu projeto de evangelização ‘para além das preocupações estritamente familiares’. O trecho revela de forma explícita as tensões e os conflitos que Jesus teve para com a sua ‘família extensa’, a família biológica e de pertença religiosa em Nazaré da qual se separou por ter manifestado visões e práticas religiosas divergentes, encontrando nisso rejeição interna. A conseqüência histórica disso foi a decisão de Jesus de mudar residência: ir a Cafarnaum e conviver com os ‘impuros’ pescadores e mendigos da cidade. Isto fez com que Jesus fosse considerado pelos seus próprios parentes um ‘louco’.
Lucas, todavia, quer nos mostrar que Jesus já apontava a superação de uma concepção demasiadamente biológica ou étnica de ‘família’ ao definir como ‘sua mãe, irmãos, primos, etc. todos aqueles que escutam a palavra Dele e a põem em prática’! Jesus, sem rejeitar ou desconhecer a importância dos afetos familiares proporcionados por quem o havia educado e formado – é só constatar o papel insubstituível de Maria - aponta para uma prática familiar universalista: a missão do discípulo de Jesus é construir a grande família planetária, para além das relações de sangue, genéticas, nacionais, partidárias.... Para Jesus ‘amar o nosso próximo’ (ou seja, os nossos familiares e co-nacionais) como a nós mesmos’ significa estender infinitamente os limites do nosso amor e respeito amando também aqueles que têm compaixão dos ‘assaltados e feridos’ da vida - como o samaritano- e, principalmente, ‘amar os inimigos’!
Resgatar as concepções/práticas que Jesus tinha de sua própria família deveria nos ajudar a não cairmos na armadilha do fácil julgamento e condenação de quantos não são ‘devidamente casados’, ‘ de quantos não obedecem a seus pais’ (só por serem pais biológicos!), de ‘quantos divorciaram e construíram uma outra família, sem necessariamente rejeitar a primeira’....e assim por diante. Sem abrir mão de valores como a dedicação, o amor, as manifestações de carinho, os cuidados especiais e as proteções para com os membros de uma mesma família biológica (independentemente da sua estrutura cultural ou jurídica), Jesus nos propõe o desafio de irmos sempre mais além... e aceitar o desafio de construir a ‘grande família universal’. Talvez, justamente pelo fato de termos sido amados e protegidos desde a nossa infância pelos nossos pais de sangue tenhamos mais segurança em reproduzir e multiplicar laços de fraternidade, paternidade e maternidade sócio-afetiva para com todos aqueles ‘seres humanos’ que nunca fizeram a experiência de serem amados por um pai ou uma mãe ou irmãos biológicos!

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

NATAL: RE-ENCONTRAR-SE COM A SUA PRÓPRIA HUMANIDADE

Há uma tentação que nos acompanha permanentemente para quem fala e escreve sobre o Natal: a de intelectualizá-lo e/ou de ‘sentimentalizá-lo’. Dois extremos, entretanto, que podem encontrar seu ponto de convergência e de complementação. Na concepção meramente sentimental-tradicional se dá a rejeição de quaisquer referências ao sentido original e profundo, histórico-teológico do Natal e se acolhe ingenuamente uma construção cultural que faz referência direta somente a luzes, perfumes, a cenários intimistas, surpresas, cheiros e brilhos típicos da temporada natalina seria um erro imperdoável. Não podemos desconhecer a força atávica da tradição cultural natalina, mas não podemos desvinculá-la totalmente de determinados significados primordiais sob o perigo de manipular e transformar tudo em artificialismos. Há ambigüidades em todas as realidades, mas é preciso ter consciência aonde elas podem nos levar. Há mercantilização simbólica, - e é difícil de nos livrar dela - mas é preciso perceber até onde vai a nossa dependência e o nosso cinismo.
Há, por outro lado, a tentação de ‘intelectualizar’ o Natal, desconhecendo a força dos sentimentos, das emoções e comoções que ele desencadeia e que afloram com um vigor ‘arcaico’ nesse período. Na ‘intelectualização’ tudo deveria ser explicado e canalizado para um determinado rumo e lógica. Tudo deveria encontrar significados e significantes supostamente sem contaminação, capazes de ‘purificar’ definitivamente uma festa considerada pelo senso comum ‘sempre mais pagã e consumista’.
Ilude-se que, mediante uma bem sistematizada reflexão bíblico-teológica, e ‘politicamente correta’ sobre o Natal, estaríamos recuperando a sua pureza original, e falando ao coração do ser humano atual. Falar e escrever sobre o Natal ignorando como as pessoas o sentem e o vivem de fato, com suas luzes e brilhos, com suas confusões simbólicas seria um descolamento a-histórico perigoso da realidade em que vivemos.
O Natal real é, afinal, a mistura de tudo isso. Não importam suas ambigüidades e contradições. Natal tem a magia inspiradora de criar um clima especial, único, na trajetória e experiência pessoal de cada pessoa para cada um se re-encontrar com sua própria humanidade.
Não existe uma outra festa como Natal, religiosa ou social – ou a mistura das duas – que tenha o poder de ‘arrebatar’ uma pessoa para o seu passado para fazer memória das etapas da sua existência. Explícita ou implicitamente o Natal acaba nos fazendo mergulhar no conjunto de expectativas, cuidados, proteções, sonhos que os nossos familiares vivenciaram em ocasião do nosso natal.
É sempre em época de Natal que, tendencialmente, voltamos ao passado, à nossa infância. De lá recuperamos lembranças boas ou ruins de fatos e palavras, valores e traumas que acabaram influenciando bem ou mal o nosso hoje. O Natal, de alguma forma, nos permite uma sã autoterapia. Facilita, para quem sabe acolher as suas provocações, a confrontação e a reflexão sobre os verdadeiros sentidos da nossa vida.
Ao recuperar gestos e palavras do passado nos sentimos provocados a dar respostas para um futuro que continua sempre aberto. Para uma vida que pode ser reinventada e ser diferente daquela que vivemos hoje. Enfim, criarmos as condições para que outros ‘nascimentos’ sejam possíveis. FELIZ RE-NASCIMENTO A TODOS VOCÊS!

Teólogo Susin afirma que igreja deveria estar lá onde está o pobre!

Trascrevo abaixo parte de uma entrevista concedida pelo teólogo Luis Carlos Susin ao Instituto Humanitas Unisinos on line sobre as atuais tendências da igreja católica hoje .

IHU On-Line – O pontificado de Bento XVI está prestes a completar cinco anos. Que perspectivas esse papado abre para o futuro da Igreja no século XXI?
Luiz Carlos Susin
– Cinco anos foi o tempo do pontificado de João XXIII . Esta comparação é quase inevitável. Aquele Papa foi confiante e audaz. Este é prudente, e aprendeu da sua própria teologia o método da suspeita. Mas há tempos em que o papado faz história, e há tempos – que são mais frequentes - em que a história acontece nas periferias das instituições. A menos que aconteçam alguns fatos ainda mais graves do que os que vieram sacudindo os últimos tempos, Roma não está para peixe. Creio que há um esforço enorme em torno de um sonho impossível: a restauração do catolicismo europeu de tempos que não voltam porque a cultura da Europa, atualmente, de modo geral, tem muita estética, mas pouca alma de verdade, e virou turismo e savoir vivre. A parte mais viva da Europa está entre os imigrantes, mesmo católicos. Mas grande parte não é católica.
IHU On-Line – O ano de 2009 foi repleto de “polêmicas” envolvendo a Igreja de Roma: a revogação da excomunhão dos lefebvrianos, os escândalos na Irlanda e entre os Legionários, as investigações sobre religiosas nos EUA, a questão dos anglicanos etc. Qual a sua avaliação dos caminhos que a Igreja vem tomando ultimamente?
Luiz Carlos Susin
– Até mesmo vaticanistas mais conservadores, como Sandro Magister , reconhecem que a novidade vem pelo lado tradicionalista: são oficialmente bem-vindos e ganham apoio e prestígio. Mas por eles vieram também os constrangimentos da última década. Há uma dose de violência institucional junto com o tradicionalismo, certa embriaguez de poder, ainda que frequentemente seja apenas simbólico. E isso cria armadilhas a médio prazo, como estas aparentes surpresas em torno de desequilíbrios humanos elementares porque estavam até certo ponto “sublimados”. Numa centralização muito hierárquica acontece também uma disfunção de comunicação entre o centro, o topo, e as bases, a periferia. Vivemos uma época em que oficialmente tudo parece se tornar melhor disciplinado, mas na verdade há muito desencontro vital.
IHU On-Line – Diversos analistas apontam que o grande embate da Igreja atual, sob o papado de Bento XVI, é contra o secularismo. Em sua opinião, o secularismo é também uma preocupação da Igreja latino-americana?
Luiz Carlos Susin
– O secularismo é um fenômeno “ocidental” muito ligado às contradições da própria Igreja. Lembra o título do último livro de Ivan Illich , A corrupção do melhor engendra o pior. Por isso, quanto mais se vai para o centro da instituição, mais se percebe perto dela o clima de secularismo, que vai além do reconhecimento da autonomia das realidades sociais – a secularidade do mundo – mas um clima de mútuos ressentimentos, acusações e cobranças. Quanto mais se vai para as periferias menos se sente este clima. Na América Latina, isto é sentido de forma vertical: o povo que está na base integra melhor seu cotidiano com sua fé, mas quando se sobe na sociedade, são mais marcantes as incongruências entre fé e vida social, que chega por aqui também a uma dissociação e até a um secularismo eticamente cínico.
IHU On-Line – Quais são os "sinais dos tempos" que mais inquietam a Igreja institucional hoje? E que outros sinais, também importantes, passam despercebidos?
Luiz Carlos Susin
– Estamos repletos de sinais, há muitos sinais. Por exemplo, a eleição de Obama, mesmo que ele revele limites com o passar do tempo. Quando o presidente da mais poderosa nação do mundo, em tempo de férias, sai caminhando com um boné na cabeça para ir à padaria comprar o pão para sua família, isso é um grande sinal. Há uma vontade de identificação e de participação que provém de povos que até agora estavam calados, como os indígenas por toda a América Latina. Há uma movimentação migratória igual às que marcaram as grandes etapas da história. Reciclador de lixo tem discurso político. As mulheres têm palavra própria. São sinais de empoderamento. A única forma de tratar estes sinais é a interlocução sem tutela.
IHU On-Line – O Papa Bento XVI diz que a fome é o pior sinal da pobreza, chama a um estilo de vida austero, levanta sua voz contra o desperdício alimentar, além de pedir uma economia mais justa com a publicação da "Caritas in veritate". Por outro lado, cresce o número de famintos e pobres em todo o mundo. Quais são as grandes tendências da Igreja hoje com relação aos mais pobres? Concretamente, eles ainda são uma "opção preferencial" da Igreja do século XXI?
Luiz Carlos Susin
– De fato, a fome é o absoluto antidivino ao lado do absoluto de Deus, os únicos dois absolutos. “Quem tem fome tem pressa”, dizia o saudoso Betinho. E quem tem fome se torna perigoso, pois só quem come é pacificado. Da proposta de economia do Papa, inspirado na economia do “dom”, pode-se desenhar uma economia mais humana. Mas, na realidade, são os pobres que mais costumam praticar a economia sem exagero de medidas, própria do dom. A opção preferencial pelos pobres é, nesse ponto, uma aprendizagem, mas é também uma experiência evangélica sem retorno. No século XIX, repetiu-se muito, para o bem da unidade da Igreja num mundo hostil, que onde está o Papa aí está a Igreja (Ubi Petrus ibi Ecclesia). Isso soa ao “universal concreto” de Hegel, cujo outro exemplo era Napoleão. Talvez toda autoridade institucional tenha este estatuto. Mas a Igreja institucional tem um problema: Jesus! Ele disse que “onde está um pequenino, aí eu estou”. O universal concreto da Igreja de Jesus só podem ser os pequeninos, os pobres. Portanto, onde está o pobre, aí está a Igreja (ubi pauper ibi Ecclesia). Todo retorno seria cínico.
Luís Carlos Susin cursou mestrado e doutorado em Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, Itália. Leciona na PUCRS e na Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – ESTEF, em Porto Alegre. É autor de inúmeras obras, entre as quais citamos Teologia para outro mundo possível (Paulinas, 2006). Atualmente é professor da Pontifícia Universidade

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Nota da CNBB do Mato Grosso do sul sobre a questão indígena

Transcrevo abaixo uma carta aberta dos bispos do Mato Grosso do sul diante das relações conflituosas entre indígenas, latifundiários e Órgãos Públicos. Lamentamos que os senhores bispos não apontem soluções por declarar 'sua incompetência' no assunto. Hoje em dia, pode-se apontar soluções pedindo pareceres e fazendo consultas junto a pessoas/instituições sérias e competentes. A arcaica argumentação de que a igreja não tem competência para apontar soluções pode ser um pretexto para evitar 'assumir posição' pública e tomar partido. Parece não ser esse o caso. Boa leitura!
Eu vi a opressão do meu povo, ouvi o seu grito de aflição e conheço os seus sofrimentos» (Ex 3,7)

A fidelidade ao Deus que se solidariza com os que são excluídos pela sociedade, nos impede de permanecer indiferentes ante a marginalização que há anos atinge a maior parte da população indígena do Estado, expropriada e banida de suas terras de origem. Trata-se de uma situação insustentável e iníqua, fruto de uma sociedade de consumo que privilegia o lucro, e cuja solução, adiada indefinidamente, nada faz senão aumentar a angústia e a revolta de todos, colocando em margens opostas cidadãos de uma nação que proclama a igualdade de direitos e de deveres de todos.

A relutância em buscar políticas públicas que sanem, de uma vez por todas, o clima de desespero e de ódio entre produtores rurais e índios, faz com que cresça, a cada ano que passa, o número de vítimas, outorgando ao nosso Estado o triste primado de mortes de pessoas indefesas, que lutam para sobreviver em meio ao descaso e à perseguição que as cercam de todos os lados – mortes e assassinatos que normalmente atingem os indígenas, não os donos de fazendas. E já que no Brasil nada se consegue senão com pressão, quando os índios se atrevem a buscar seus direitos, são tratados e eliminados como animais por milícias e seguranças a serviço do agronegócio, ou acabam apodrecendo anos a fio em nossos presídios, já que são cada vez mais raros os advogados que ousam tomar a sua defesa.

“A paz é fruto da justiça”, lembrava a Campanha da Fraternidade promovida pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil na quaresma desse ano. Contudo, a justiça só é verdadeira e completa quando engloba também os indígenas, sujeitos dos mesmos direitos dos demais cidadãos brasileiros. Com isso, não estamos nos posicionando contra os produtores rurais (sobretudo os pequenos agricultores), que adquiriram suas terras legalmente e as cultivam com o suor de seu rosto. O que afirmamos é que não se pode prolongar um estado de coisas que, além de nos humilhar perante a opinião pública mundial, é uma tremenda injustiça que se comete contra uma multidão de brasileiros – e a injustiça sempre gera violência!Não cabe a nós, Bispos, indicar soluções, pois fogem à nossa competência. A outras instâncias pertence a responsabilidade de conduzir a política indigenista, definindo se se deva optar pela demarcação de terras “ancestrais”, como pedem os índios, ou pela compra, por parte do Governo, de propriedades situadas nas cercanias das atuais aldeias indígenas, como sugerem os produtores rurais, ou ainda partir para a utilização de terras devolutas no Estado. De nossa parte, o que não podemos deixar de questionar é se o Brasil, que dispõe de verbas para obras de envergadura em todo o território nacional, não tem também recursos para realizar, de uma vez por todas, as justas expectativas de uma população cada vez mais vulnerável e explorada em sua dignidade.

Ao solicitar das autoridades civis e judiciais uma atitude firme e corajosa, fruto do diálogo entre as partes envolvidas, sob a tutela e a garantia do Ministério da Justiça, não somos levados simplesmente por motivos religiosos, mas, antes de tudo, humanos. Nem estamos afirmando que a única exigência para a uma convivência justa e pacífica entre índios e não índios seja dar terra a quem não tem. Junto com ela, o que os índios precisam é das mesmas condições de vida que se oferecem aos demais brasileiros, sobretudo no campo da educação, da saúde, da moradia e do emprego, para que sejam protagonistas de seu desenvolvimento e de sua história.

Apraz-nos encerrar com as palavras proferidas por nossos irmãos, os Bispos da América Latina, reunidos em Aparecida, em maio de 2007: «Nosso serviço pastoral à vida plena dos povos indígenas exige que anunciemos Jesus Cristo e a Boa Nova do Reino de Deus; que denunciemos as situações de pecado, as estruturas de morte, a violência e as injustiças internas e externas; e que fomentemos o diálogo intercultural, interreligioso e ecumênico. Jesus Cristo é a plenitude da revelação para todos os povos e o centro fundamental de referência para discernir os valores e as defi­ciências de todas as culturas, incluindo as indígenas. Por isso, o maior tesouro que podemos oferecer a eles é que cheguem ao encontro com Jesus Cristo ressuscitado, nosso Salvador» (Documento de Aparecida, 95).

Campo Grande, 12 de dezembro de 2009,
festa de Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira dos povos indígenas



Dom Vitório Pavanello, SDB, Arcebispo de Campo Grande
Dom Eduardo Pinheiro da Silva, SDB, Bispo auxiliar de Campo Grande
Dom Antonino Migliore, Bispo de Coxim
Dom Redovino Rizzardo, CS, Bispo de Dourados
Dom Segismundo Martinez Alvarez, SDB, Bispo de Corumbá
Dom Jorge Alves Bezerra, SSS, Bispo de Jardim
Dom José Moreira Bastos Neto, Bispo de Três Lagoas

sábado, 12 de dezembro de 2009

Uma nova ética de salvação segundo João Batista:equidade, sobriedade, honestidade (Lc.3,10-18)

Eis uma pregação não alicerçada nas exigências rituais e nos dogmas de uma religião, e sim no vigor da fé. Uma fé existencial que movida pela compaixão ilimitada pela humanidade aponta para uma mudança radical de uma realidade histórica cheia de contradições. Esta fé existe e toma forma em João independentemente da sua pertença formal a uma religião que, inclusive, nos é desconhecida (pelo menos no seu aspecto formal!)
Diante da escravidão ritualista, das proibições e ameaças proferidas pelo ‘templo urbano’ e hierárquico, João, - em oposição a ele, - a partir do deserto antiurbano propaga um compromisso real para uma mudança socioeconômica das condições de vida do povo de Israel. Algo que o templo ignora. Duas visões antagônicas, duas práticas opostas. Duas visões divergentes de conceber Deus, duas formas irreconciliáveis de senti-Lo presente no cotidiano das pessoas.
Nós só podemos entender integralmente João Batista e o alcance de sua pregação se confrontado com as práticas religiosas formais do templo e de seus asseclas. Só podemos, também, compreender Jesus, o Galileu do norte, se colocado ao lado de João Batista e da instituição ‘templo’ tal como vigorava na sua época.
O evangelho de hoje mostra essencialmente elementos ou dimensões:

1. João o Batista esperava a intervenção próxima de um ‘mediador’ de Deus (ou, talvez, do próprio Deus!) para fazer justiça a quantos haviam se mantido fiéis aos mandamentos da Torá, não aos preceitos do templo. Ou seja, o mediador de Deus viria para defender os justos e compassivos, e manifestaria o seu repúdio (castigo) aos infiéis. A prova que em Israel estava reinando a infidelidade ‘a Deus e ao próximo’ eram os altos níveis de desigualdade social e econômica, de corrupção dos aparatos governamentais da fazenda e da segurança, de indiferença e insensibilidade para com os pobres e os mendigos que tomavam de conta das praças e das ruas das cidades. Isso aparece claro a partir das exigências impostas por João para quem lhe pedia o batismo.
O Deus de João é, portanto, o Deus que vai inverter a ordem das coisas. Vai premiar alguns e punir outros, mas com o intuito de ‘fazer justiça’, pois é esta que está ausente em Israel. João, com toda probabilidade, não tinha conhecimento do papel e da missão de Jesus. Certamente não se referia a Ele (a Jesus) quando João anunciava a vinda daquele que ‘batiza com o Espírito santo e fogo’ ou ‘que tem a pá na mão para limpar a sua eira...preservando o trigo e queimando a palha’ ou que segura ‘o machado para cortar a árvore que não produz fruto’...! Na expectativa de João só Deus poderia fazer tudo isso e somente...‘Aquele Deus’! Jesus de Nazaré provou que ‘esse’ não era o seu estilo de atuação!

2. O batismo por si só não salva, não inclui e nem limpa de algum pecado herdado de outros. Tampouco o fato de pertencer ao povo de Israel não significa, por si só, se safar da ‘ira/julgamento de Deus’. O que está em jogo para João não é a adesão a formalidades rituais ou a dogmas, ou a identidades nacionais exibidas, inclusive, como passaporte para uma suposta salvação espiritual. O que está em jogo é o futuro de uma nação e de seus filhos e filhas. Para tanto, as formalidades e preceitos religiosos são inadequados, segundo João. Para ele, que se coloca no mesmo caminho que Elias, Isaias, Amós, etc. o futuro de Israel/humanidade passa por uma adesão explícita de ‘todas as camadas sociais’ (povo em geral, cobradores de impostos, aparatos policiais, etc.) aos princípios/valores da equidade, da sobriedade de vida, da honestidade, do correto uso do dinheiro público (impostos), do respeito para com a integridade física e moral das pessoas (policiais).
Em outras palavras, mais moderninhas: só se pode construir salvação real para si mesmo e para a humanidade se houver respeito aos direitos individuais e coletivos, socialmente reconhecidos. Para João, isto vale para quem tem religião e para aquele que não a tem.
Jesus ‘herdou’ todo esse patrimônio profético de João, mas acrescentou ao lado da justiça de Javé, a Sua misericórdia. O Deus de Jesus não o Deus do templo, dos dogmas, dos preceitos e dos ritos sacrificais; tampouco é o Deus de João, inflexível e impiedoso com os infiéis, mas um Deus-Pai, preocupado em construir com seus filhos e filhas uma nova ordem para a humanidade que está à beira da falência: o reinado de Deus e a Sua justiça....’ Bem-aventurados aqueles que têm fome e sede dela, pois dela se abastecerão’!

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Justiça suspende novo julgamento do assassino de irmã Dorothy: CRIME COMPENSA!

A defesa de Rayfran das Neves Sales, réu confesso do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, pediu a suspensão do novo julgamento, que estava marcado para ontem (10) no Fórum Criminal de Belém. O pedido foi aceito pelo juiz Raimundo Moisés Alves Flexa, presidente do 2º Tribunal do Júri de Bélem.
Segundo documento apresentado pela advogada Marilda Eunice Cantal “o réu não quer mais submeter-se a uma situação vexatória de um julgamento popular e por isso pediu desistência do recursos de protesto por novo júri e acatou a sentença proferida em 2005 para cumprimento de pena de 27 anos de reclusão”. A partir de agora, a defesa também vai aguardar a resposta da Vara de Execução Penal ao pedido de progressão de regime de Rayfran.
Hoje faz quatro anos que Rayfran foi preso e, segundo o Código Penal vigente à época, ele já pode ser beneficiado com o regime semi-aberto. A advogada informou também que Rayfran confirmou ter cometido o crime a mando de “uma pessoa, mas não iria receber nenhum valor por isso”. Desde o início do caso, Rayfran já foi ouvido 13 vezes e apresentou versões diferentes em alguns dos depoimentos.

Fonte: Agência Brasil - EBC Link: http://www.agenciabrasil.gov.br/

Governo vai dar anistia de R$ 10 bi para desmatadores: preparando a campanha para o 2010!

Após adiar para 2012 a punição de proprietários rurais que desrespeitaram o limite de corte de vegetação nativa em suas terras, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ontem suspender a cobrança de multas aplicadas aos desmatadores que passarem a cumprir a lei. As informações são do jornal Folha de S. Paulo.
O valor estimado dessa anistia é de R$ 10 bilhões, montante similar à despesa anual com o Bolsa Família. O cálculo foi feito com base nas multas aplicadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que cobra cerca de R$ 13 bilhões em multas, das quais a maior parte tem como motivo o desmatamento ilegal.
Esse perdão faz parte do programa Mais Ambiente, criado por decreto presidencial a ser publicado na edição de hoje do "Diário Oficial da União". Trata-se da resposta de Lula à pressão de ruralistas, que resistiam a cumprir a exigência de registro da área de reserva legal de suas propriedades. Na Amazônia, a reserva legal corresponde a 80% da vegetação do imóvel. As punições deveriam ter entrado em vigor no ano passado.
Até junho de 2011, não é prevista nenhuma punição. A partir daí, o decreto ainda estabelece prazo de até um ano e quatro meses para a notificação dos infratores e a adesão desses ao programa de regularização. Só depois disso é que haverá cobrança de multas diárias de até R$ 500 por hectare de terra desmatada ilegalmente.
A intenção do decreto é abrir caminho para que proprietários de terra do país comecem a cumprir o que diz o Código Florestal, desde 1965. Conforme a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), mais de 90% dos produtores não registraram a reserva legal de seus imóveis porque não detêm mais áreas equivalentes de vegetação nativa em suas propriedades.
O ministro Carlos Minc (Meio Ambiente) reagiu à anistia aos produtores multados, dizendo que pedirá a revisão do decreto. "O acordo não era esse, isso vai ter de ser corrigido", disse. Minc defendeu as demais facilidades aos proprietários que aceitem regularizar suas terras. "É desagradável adiar, mas a verdade inconveniente é que não se cumpria a lei no país".
Fonte: Amazonia.org.br Link: http://www.amazonia.org.br

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

O Maranhão comemora 100 de nascimento de Dom Hélder Câmara. O legado do ' Santo Rebelde' no testemunho de Pe. Marcos Passerini

Reproduzo, abaixo, o discurso pronunciado por Pe. Marcos Passerini em ocasião da solenidade da comemoração dos 100 anos de nascimento de Dom Hélder Câmara, na Assembléia Legislativa do Maranhão, em São Luis.
Dom Hélder havia sido nomeado bispo de São Luis, em 1964, mas não chegou a assumir por causa do falecimento do bispo do Recife, lugar que ele acabou ocupando. No lugar de Dom Héder veio para a sede de São Luis Dom Mota procedente de Sobral (CE)
'Dom Helder, o Santo Rebelde, cidadão do mundo, bispo da Igreja porque bispo voltado para o mundo, cristão de fé prática, cristão de práticas revolucionárias não a partir de alguma teoria política, mas a partir de uma intuição que é maior do que qualquer teoria... a intuição que ele tinha do amor, da misericórdia e da justiça.
Intuição concretizada no compromisso profundo com o mundo, com a justiça, com os pobres. Compromisso alicerçado na mística fruto do encontro com Deus e a ternura da graça divina. Duas dimensões que em Dom Helder se traduziam no rigor e vigor no discurso... na hora da denúncia...... Ao mesmo tempo, aquela profunda ternura com as pessoas, com as coisas, com toda a natureza, especialmente com os mais humildes.

O que mais me fascina e me intriga em dom Helder é sua extraordinária sensibilidade: a sensibilidade do Bom Pastor com os olhos e os ouvidos do coração (permitam-me a expressão bíblica), sempre “antenados” nos pequenos e grandes acontecimentos da vida das pessoas e da história.
Muito embora considerado um dos pais da Teologia da Libertação Dom Helder nunca foi propriamente um teólogo nem tampouco um intelectual. Mesmo assim, com sua extraordinária sensibilidade a tudo que acontecia, conseguia captar logo todos os sinais, todas as coisas. Daí sua capacidade de seduzir, convencer, orientar, sua habilidade inteligente de se aproximar das pessoas, de interferir, de aglutinar, conseguir alguma coisa, de como mudar estratégia, até onde insistir.... Reações essas que não vinham da intelectualidade, mas de uma sensibilidade com raízes profundas numa espiritualidade que harmoniza o humano com o divino (Não estará faltando exatamente isso, hoje, nas lideranças religiosas, política e sociais?)

Leonardo Boff diz que temos que pensar Dom Helder como “um fenômeno teológico, pois nele há uma densidade do sagrado, junto com a densidade do humano que desafia a compreensão”. (Gandhi!?) E é por aí que eu vejo parte do legado que Dom Helder deixa antes de tudo aos cristãos, e em particular aos que por vocação exercem dentro da Igreja o ministério sacerdotal e episcopal.
Legado que precisa ser retomado com extrema responsabilidade e urgência: aprender a unir história e realidades concretas com a utopia, unir o reino de Deus com a revolução radical feita de opções reais capazes de revelar um pouco desse reino, abraçar sem ambiguidades ou demagogia a causa dos pobres, repensar as estruturas eclesiásticas, hoje muito engessadas, e voltar a acreditar que a missão/identidade da igreja de Cristo é ‘ser fermento e luz’ para as multidões esquecidas mediante pequenas comunidades eclesiais de base com a compaixão de sempre, mas com novos parâmetros e nova metodologia. Repensar um ecumenismo em pé de igualdade, não a partir de dogmas ou doutrinas, mas a partir do compromisso de conversão radical de cada um de nós e da defesa intransigente da vida para todos, somar forças com as organizações sociais que buscam de verdade resgatar a dignidade dos humildes... abraçar e defender toda criação e criatura como templos de Deus.
PARTE II

Tenho a impressão que apesar da guinada operada pelo Vaticano II e pelas Conferências Episcopais Latino Americanas nossa Igreja Católica (não falo das demais igrejas!) volte a sofrer de uma antiga doença chamada eclesiocentrismo. Os sintomas dessa doença são: angústia causada pela evasão dos “fiéis”, fobia das outras religiões encaradas como “seitas sedutoras”, preocupação exagerada em manter a “platéia” entretida nos templos e nas liturgias midiáticas, mentalidade de cruzada para “reconquistar” as “ovelhas perdidas...
Para muitos pastores acometidos por esta doença, “evangelizar” deixa de se o imperativo do testemunho do amor gratuito de Deus e da esperança cristã em meio às realidades mais sofridas e desumanas. Sem falar da dificuldade de como instaurar o diálogo evangelizador, de igual para igual, também com os intelectuais, os profissionais liberais e os demais formadores de opinião. De consequência, leigos e leigas que militam nas pastorais sociais ou que se engajam nas organizações sociais em busca de uma transformação estrutural da realidade sócio-econômica, recebem pouquíssima atenção e quase nenhum incentivo.
No desdobramento desse legado, Dom Helder Câmara nos lembra ainda, que se o cristianismo não coloca no centro a causa do pobre, ele não está em conformidade com a prática de Jesus de Nazaré. Mas é bom que se diga: Dom Helder nunca teve um conceito pauperista dos pobres. O pobre é aquele que tem dignidade, que tem criatividade, que tem inteligência, que tem fé, que tem esperança e, apesar disso, ele nunca é escutado. É duplamente pobre: pobre por não ter condições de sobrevida e pobre porque a riqueza espiritual e antropológica que ele possui não é reconhecida e valorizada.....
Ao mesmo tempo Dom Helder continua nos alertando a buscarmos sempre as causas que geram o pecado da pobreza. E esse é um ponto ainda não assimilado por muitos cristãos e não cristãos que persistem numa visão moral de comiseração para com os pobres e nunca de luta permanente para extirpar as causas estruturais que geram sempre mais exclusão e dependência. No documento de Puebla – faz 30 anos – já se dizia que “a pobreza é conseqüência de mecanismos econômicos, políticos, culturais”.... E é por isso que hoje somos obrigados a reconhecer que a pobreza foi e continua sendo uma produção humana diabólica que vai gerando mais empobrecimento. Esse pecado social, como toda injustiça, clama perante o Deus Criador.

Esse legado dos pobres e da denúncia da causa que gera empobrecimento seja talvez o grande testamento espiritual, intelectual e teológico de Dom Hélder que, se não for assimilado pela sociedade, vai contribuir para perpetuar os paternalismos das políticas de boa vontade e meramente assistencialistas que só sabem produzir medidas econômicas compensatórias. Dom Helder muito antes do aparecimento das crises financeiras mundiais já apontava para a necessidade de políticas estruturantes capazes de atingir as causas geradoras de injustiça. Estou percebendo que nada acrescentei ao testemunho vivo da palavra de Dom Helder. Espero, pelo menos, não ter estragado o encantamento e a sedução de suas palavras.
Permitem-me, finalmente concluir dizendo que Dom Helder terá que ser lembrado não somente como bispo e cidadão brasileiro que, preocupado com as distorções da ditadura militar, tentou derrubar o muro de silêncio que ela havia imposto à imprensa nacional e aos cidadãos do País denunciando-a internacionalmente. Dom Helder, já vislumbrava, mundo afora, qual democracia poderia ser construída no Brasil ou em qualquer outro país.
Não uma democracia dirigida por iluminados vanguardistas, nem a democracia formal do capital liberal, nem a democracia populista de caráter messiânico, e sim uma democracia que surgia dos pobres compreendidos como ‘força social’.
Como já lembrado, os pobres embora não possuindo bens, possuem ‘uma força de pensamento’ (os pobres sabem pensar!) capaz de transformar o País.
Sem mistificá-los, dom Hélder compreendeu que eles, de um lado revelam as contradições sociais e econômicas existentes e, do outro, apontam e constroem do seu jeito uma sociedade mais equânime, menos egoísta e arrogante, pois a verdadeira revolução ‘começa’ desde o interior das pessoas, no coração e na mente...
E aqui vale a pena concluir mesmo com a célebre frase de Dom Helder: “Feliz daquele que sabe que tem que mudar muito para ser sempre o mesmo”...'

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Krepum de Itaipava de Grajaú reivindicam energia elétrica como seus vizinhos 'brancos'!

Os índios Krepum, povo de cultura macro-Jê, que habitam a Terra Indígena Geralda/Toco Preto, uma região próxima de Itaipava de Grajaú, são atualmente cerca de 200 pessoas, distribuídos em três aldeias.
O acesso à cidade - que dista cerca de 100 km de Grajáu, - não conta com estrada asfaltada e, no inverno, se torna quase intransitável. Para chegar às aldeias indígenas que ficam a cerca de 20 km da sede do município, as dificuldades aumentam assustadoramente. Em Itaipava de Grajaú não há correio, banco, Juiz ou Promotor, mas há sede da Prefeitura, supostamente um braço executivo do estado para facilitar e promover o desenvolvimento social e humano dos cidadãos.
A energia elétrica chegou recentemente, mas só nesses últimos meses é que foi efetivamente universalizada na região...menos nas aldeias dos Krepum! Em 2009 os índios continuam sendo um mero detalhe no mapa do Governo Federal. Ironia quer que o ministro seja um maranhense que já propalou inúmeras vezes que a rede elétrica seria levada para todas as comunidades urbanas e rurais do Estado principalmente no centro sul do Estado.
Efetivamente, devagar, está chegando até ás últimas comunidades mais isoladas desse sertão, inclusive naquelas ficam bem em frente das aldeias dos Krepum, mas não para eles! Os Krepum, justamente, estão se organizando e mobilizando como fizeram recentemente os Guajajara da Terra Araribóia ao verem que a energia chegava só para os ‘seus vizinhos’ e não para eles! Vêm conseguindo, embora na marra. E ainda há quem diga que índio ‘é brabo’ quando este reivindica um direito que lhe é vergonhosamente negado!

Os Krenyê de Barra do Corda à procura da terra 'prometida'!

Os índios Krenyê de Barra do Corda há anos vêm reivindicando um território para si e garantir, dessa forma, um espaço necessário para a sua reprodução físico-cultural. Eles são filhos e netos de remanescentes provenientes de terras situadas numa região próxima de Bacabal. Anos atrás haviam sido abrigados dentro de uma terra indígena habitada por alguns grupos de Guajajara, no município de Barra do Corda, mas a convivência, - sempre bastante tensa – fragilizou-se alguns meses atrás tornando-a inviável.
Hoje, os Krenyê vivem na cidade à procura de pelo menos um espaço que, embora reduzido, lhes dê garantia de construir provisoriamente suas casas e plantar algo. Eles, de fato, são extremamente criativos e produtivos e ao não ter terras agricultáveis disponíveis não só passam necessidades reais, como vêem debilitada a sua ‘dignidade’ de povo altivo.
O ano passado alguns Krenyê mais velhos fizeram uma viagem à antiga terra em que moravam na região de Bacabal e lá foram reconhecidos por várias pessoas idosas que viviam próximos deles quando de sua ‘habitação tradicional’ na região. Já está tramitando na Procuradoria da República um processo para o reconhecimento daquelas terras originárias dos índios Krenyê que eles desde sempre habitavam, mas tiveram que abandonar pelas pressões de grileiros e fazendeiros.
Acredita-se que o desejável reconhecimento formal da secular ocupação daquelas terras por parte dos Krenyê irá devolver esperança e futuro a um povo numericamente reduzido, mas testemunha singular de uma página comovente de resistência!

sábado, 5 de dezembro de 2009

Do deserto da vida uma nova história de salvação é iniciada, pois do lugar da esterilidade pode surgir uma terra onde corre a justiça (Lc.3,1-6)

Para quantos têm dificuldades estruturais para contextualizar um acontecimento de grande envergadura ou apresentar o início de uma nova etapa histórica eis aqui um exemplo perfeito a ser seguido: ‘No ano quinze do império de Tibério César....’ (v.1).
Com isso Lucas nos diz, desde logo, que entramos definitivamente no campo da história, aquela verdadeira, que conta, escrita com ‘H’ maiúscula. Ou seja, inicia-se, agora, um novo ciclo histórico em que a história não é mais feita e escrita a partir do ‘Império’, e sim, escrita e feita a partir do ‘deserto’.
Um ‘deserto’ havia se tornado Israel sob Tibério César, Pilatos, Herodes, Filipe e os sumos sacerdotes Anás e Caifás. O deserto estava se espraiando pela alma de um povo cansado de esperar e lutar, reduzindo a sua capacidade de resistência. Um deserto havia se tornado a religião oficial dos ritos vazios e formais do templo, incapazes de motivar e devolver a esperança de um povo dominado e estéril, pois era incapaz de produzir frutos de justiça.
É o deserto dos esquecidos, dos invisíveis, dos que vivem longe da cidade-capital, dos lugares que contam, mas é também o ‘deserto’ de quantos sabem resistir às tentações de voltar novamente para o Egito da escravidão e da tribulação. De quantos fazem da memória das longas e duras caminhadas dos seus ancestrais pelas ásperas terras do deserto à procura da terra livre, prometida, rica em mel e leite, a fonte da sua esperança e resistência ativa.
Paradoxalmente, é a partir desse ‘deserto’ - que é muito mais do que um lugar geográfico, - que a esperança de reconstrução de um novo Israel deve ressurgir. João o Batista torna-se, historicamente, o seu profeta provocador e iniciador. Ao longo da bacia do Jordão, no rio da esperança que renasce ele prega um redirecionamento nacional de opções, atitudes e comportamentos sociais.
É a partir do ‘Jordão’ da água que revigora, que purifica, que mata a sede de justiça que a esterilidade do deserto pode virar fertilidade. É nessa perspectiva que o novo Israel terá que ‘se batizar’. É a partir desse binômio deserto - água (morte – vida; dependência - liberdade) que Israel deverá iniciar uma nova época de insurreição e ressurreição social e espiritual.
João se compreende a si mesmo como um legítimo continuador da pregação dos profetas clássicos do antigo Israel (Isaias, Amós, Jeremias...), mas diferentemente deles que exigiam mudanças somente dos príncipes e governantes, João é um profeta que exige mudanças radicais por parte de todos, indistintamente. Não se dirige exclusivamente a uma categoria de pessoas, e sim, a todos, para dizer que todos, afinal, somos responsáveis pelo deserto em que vivemos. Alguns porque o impõem com a força e a lei. E outros porque não têm a coragem de combatê-lo. Todos, portanto, têm que assumir o compromisso de transformar o deserto, a esterilidade, a morte que existe dentro deles em espaço habitado, acolhedor, grávido de esperanças renovadas, de vida nova e de liberdade.
Por isso, os montes terão que perder ‘seus cumes’, e os vales terão que perder ‘suas depressões e achatamentos. Alguns serão abaixados e outros elevados. Uma nova ordem deverá ser estabelecida. É nessa procura de ‘igualdade’, de mudança e inversão de opções de vida, de superação de dificuldades aparentemente intransponíveis, que a salvação (o caminho do Senhor) fará a sua irrupção e se manifestará.
João, longe de pregar uma vinda messiânica fatalista, impessoal e fanática nos convida a construir desde já, na história real feita de impotências e esterilidades (deserto), de contradições e desigualdades (montes e vales) a salvação que brota da água fértil do Jordão que corre pelos desertos da vida e os transforma. Da esperança frágil que não morre, mas que renasce sempre para continuar a fecundar o deserto a fim de que se torne ‘terra onde corre leite e mel’ para todos.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

OS SINGELOS MODOS DE VIVER DA FAZENDA ESCRAVAGISTA DO JUIZ BALOCHI. O TJ/MA O ABSOLVE!

Enquanto no ginásio do Colégio Dom Bosco, ontem, dia 01 de dezembro, os movimentos sociais do Estado participavam de mais uma sessão do Tribunal Popular do Judiciário do Maranhão denunciando abusos de poder, omissões, descasos e negligências cometidas por esse órgão, o TJ desse Estado ‘respondia’ a essa indignação popular com a decisão, por 12 votos a 4, de não aceitar a denúncia contra o Juiz Estadual Marcelo Barlochi por envolvimento em trabalho escravo.
Na votação, 11 membros acompanharam o voto do relator Antônio Guerreiro Júnior, que se posicionou contra a instalação de processo criminal contra o magistrado que chegou a fazer parte da "lista suja" do trabalho escravo. No final, o placar terminou com 12 votos pela absolvição sumária do denunciado contra apenas quatro favoráveis à instauração do processo, providência que foi defendida em voto do desembargador José Joaquim Figueiredo dos Anjos. Em defesa da absolvição, Antônio argumentou que "não vislumbra que haja prova de materialidade delitiva (do crime)", conforme descrito na ementa da decisão. Para o relator, ainda de acordo com a ementa, "não bastam condições degradantes de trabalho, é imprescindível a completa sujeição da pessoa que tenha relação de trabalho ao poder do sujeito ativo do crime".
Equipe do grupo móvel de fiscalização - formada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Polícia Federal - libertou 25 pessoas, incluindo um jovem de apenas 15 anos, de situação análoga à escravidão da Fazenda Pôr do Sol, sob responsabilidade de Marcelo Baldochi, em setembro de 2007. Assinada pelo procurador-geral de Justiça Francisco das Chagas Barros de Sousa, a peça acusatória descreve uma série de irregularidades, com esteio na fiscalização trabalhista: condições precárias de alojamento; problemas nas frentes de trabalho e alimentação (exíguo intervalo e falta de água potável); não fornecimento de equipamentos de proteção; ausência de assistência médica; indevida retenção de salário; utilização de mão-de-obra de adolescente de 15 anos; e sistema de servidão por dívidas.
"A rigor, esses eventos, por si só, não são suficientes para dar azo à reprimenda criminal, não obstante outro seja o entendimento no âmbito da responsabilidade civil e administrativa, notadamente à luz das leis que regem as relações laborais", justifica, em seu voto escrito, o relator. "Sucede que o crime em espécie exige representativa submissão do sujeito passivo ao poder do agente, suprindo o status libertatis, posto que apenas desta forma anila-se por completo a liberdade de escolha da vítima, a qual é forçada a sujeitar-se a uma situação que atenta contra a sua dignidade", completa.
Pela rejeição da denúncia, o desembargador relator minimiza o quadro de servidão de dívida e faz menção às possíveis confusões que podem existir entre o que chamou de "singelos modos de viver" e casos efetivos de trabalho escravo contemporâneo. "Há de se convir que o trato da vida envolto a uma fazenda é traçada com singelos modos de viver, o que não podem (sic) ser confundidos com condições degradantes de vida"

Além de Antônio Guerreiro, rejeitaram a denúncia no último dia 11 de novembro: Antonio Fernando Bayma Araújo, Jorge Rachid Mubárak Maluf, Cleonice Silva Freire, Nelma Sarney Costa, Mário Lima Reis, Maria dos Remédios Buna Costa Magalhães (que mudou o voto), Anildes de Jesus Bernardes Chaves Cruz, Raimunda Santos Bezerra, Lourival de Jesus Serejo Sousa, Jaime Ferreira de Araújo e José Bernardo Silva Rodrigues. Acompanharam o voto divergente de José Joaquim Figueiredo dos Anjos os desembargadores Benedito de Jesus Guimarães Belo, Paulo Sérgio Velten Pereira e Raimundo Nonato de Souza. Cleones Carvalho Cunha absteve-se.
O MPE/MA deve recorrer da decisão. A procuradora da Justiça Nilde Sandes, uma das responsáveis pela denúncia assinada pelo procurador-geral, se reuniu com a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e representantes do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH) de Açailândia (MA), da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), em 20 de novembro, para tratar das próximas medidas que serão adotadas pelo órgão. (Fonte: Repórter Brasil)
É bom fazer notar que em caso de aceitação da denúncia contra o Balochi não teria sido julgamento. A decisão envolvia somente o fato de aceitar ou não a denúncia para, posteriormente, proceder a um justo julgamento. Nem isso ocorreu. Com certeza, depois de mais 'essa' o TJ/MA estará mais uma vez sob suspeição, o que não é novidade para esse Estado, e o número de desembargadores investigados ( já 16 até o momento) pelo CNJ deverá aumentar! JUSTIÇA JÁ!
PS. Acreditamos que pelas motivações alegadas pelo Sr. Desembargador Relator (singelos modos de viver da fazenda) o magistrado deve fazer parte de algum movimento franciscano intencionado a resgatar a radicalidade de vida do grande mestre de Assis...ou, se assim não for, deve estar consagrando definitivamente o cinismo como 'modus operandi'!