Vivemos numa sociedade em que o ver, o constatar, o tocar continuam tendo uma importância ilimitada. O predomínio da razão absoluta parece ter esgotado a sua missão. Está dando sinais de enfraquecimento. A assim chamada ‘explicação científica’ parece não compreender e não consegue destrinchar a complexidade da realidade humana. Talvez nem o suficiente para termos algumas garantias de que o que ‘vemos’ é ‘real’! Parece haver um retorno sempre mais intenso ao ‘sentir’, ao ‘experimentar com os sentidos’. Uma espécie de retorno às emoções, aos grandes sentimentos, às experiências místicas arrebatadoras. Emoções, sentimentos que ‘nos fazem sentir bem’! Não importa a sua duração. Nem tampouco o objeto que possa ter desencadeado ‘esse sentir’. Um prevalecer do sentir sobre o ver, o tocar. A emoção intensa parece ter sentido por si mesma. E que se repita mais vezes!
Certamente a experiência pascal dos discípulos e discípulas de Jesus envolve emoção, experiência arrebatadora. Uma experiência em que o ‘ver’ é suplantado pelo ‘sentir’. Mas, diferentemente do que parece ocorrer na atual sociedade pós-moderna, o ‘sentir’ dos seguidores de Jesus está alicerçado na memória e na reprodução de gestos, ações, escolhas de vida reais e históricas de Jesus. Não um conjunto de emoções repentinas, desencadeadas por alguma ‘visão’ extraordinária, mas uma tomada de consciência inédita que envolve razão e emoção. A consciência/descoberta progressiva e coletiva de que Jesus de Nazaré continuava a perdoar como quando estava ‘vivo’ no meio dos seus. Mais: perdoava-os plenamente a eles mesmos, e não tanto ‘os pecadores’, genericamente. Os mesmos que o haviam abandonado e que se haviam dispersado agora ‘sentem’ que Jesus está no meio deles. Oferecendo paz. Oferecendo um novo início. Um processo lento, carregado de dúvidas e inseguranças. Mas é na experiência da dúvida e do tateamento contínuo do que significa fazer reviver Jesus e a sua prática que começam a sentir uma grande paz interior. A paz de quem se sente novamente perdoado e não julgado. De quem se sente chamado a ‘perdoar/pacificar’ homens e mulheres que haviam feito a experiência da traição e infidelidade. Não uma emoção repentina e volátil. Não um desejo morboso de ver, tocar, provar, mas um sentir consciente e duradouro de que eles e elas, - mesmo sem provas palpáveis – podem oferecer a mesma paz que o Mestre oferecia.
O Tomé que estava em cada discípulo e discípula e está em cada um de nós, longe de ser uma ameaça ao encontro real com Jesus ressuscitado, é a condição sem a qual dificilmente chegamos a sentir a paz plena. Sem necessariamente....vê-la!