A ‘Oração’ do Pai Nosso é transformadora somente se for acompanhada por atitudes e escolhas de vida concretas. Por posturas profundamente evangélicas que devem ser iniciadas agora! O ‘Pai Nosso’ não é uma ‘varinha mágica’ para obter sorte, como nos lembra Francisco. Ou uma ‘reza forte’ que repetida incansavelmente nos livra de ameaças e perigos. É, ao contrário, um compromisso real em realizar, - nós mesmos, aqui e agora, - o que, frequentemente, pedimos ao Pai. Nesse sentido, a ‘oração-projeto de vida’ do Pai Nosso nos ajuda a compreender e a vivenciar a verdadeira dimensão da ‘oração’ praticada por Jesus de Nazaré.
Muitas pessoas fazem a experiência angustiante de suplicar Deus‘com fortes gritos e lágrimas’ para que Ele cure um filho, ou uma mãe, ou uma irmã gravemente doente. E, apesar disso, a pessoa amada e ‘recomendada’ morre sob seus olhos impotentes. Alguns se revoltam e responsabilizam o próprio Deus por aquela morte. Aos seus olhos parece ser um sinal da indiferença e da omissão divina. Já, outros acreditam que o Pai deixou de ouvir as suas súplicas porque acham que não oraram com fé. Ou porque não se consideraram dignos de tal graça. Convenhamos, Deus que é Pai, não precisa ser alertado quando um seu filho passa por uma grave dificuldade, e nem precisa ser pressionado a intervir. Até nas nossas orações eucarísticas repetimos sistemática e incansavelmente ‘Lembrai-vos ó Pai....’ como se Deus sofresse de amnésia. Nos nossos momentos de desespero e de angústia chegamos a suplicar com a mesma insistência praticada pela ‘viúva com o juiz insensível para convencê-lo a lhe fazer justiça’ (Lc. 18,1-8), acreditando que só assim o Pai vai nos atender. Esquecemo-nos que Ele não é um Pai mal-humorado que atende só quando lhe dá a veneta. Ou, pior, só para se livrar de filhos insistentes e chatos! Tampouco Deus é um Pai surdo ao qual devemos berrar, ensurdecedoramente, nossas dores e angústias, como frequentemente fazem muitos movimentos cristãos e igrejas pentecostais. Cabe compreender, afinal, que a ‘vontade do Pai, - seja qual for a circunstância, - será sempre a de preservar a vida integral de seus filhos amados, mesmo quando eles desacreditam.
Então, por que orar se Deus Pai não se deixa condicionar pelo tamanho da nossa fé? E nem pelas nossas rezas repetitivas e persistentes? Para que teimar em ‘ensinar o pai nosso ao vigário’ sendo que esse Pai já sabe do que necessitamos? É preciso compreender que as nossas súplicas e orações, na realidade, são dirigidas a nós mesmos! Somos nós que temos que descobrir o que realmente é importante, e o que dá sentido à nossa vida. Nós precisamos sentir, mediante a oração, a força interior e a sabedoria divina para que nós mesmos realizemos o que amiúde pedimos a Deus.
Às vezes clamamos por algo que nós consideramos essencial, mas nada disso se realiza. Com o tempo, compreendemos que nada disso era essencial para nós. Algo bem diferente apareceu, surpreendentemente, na nossa vida, e nos preencheu plenamente. É nessas horas que entendemos o sentido da expressão popular ‘Deus sabe o que faz’! Clamamos pela cura da pessoa amada, por um emprego para um filho, ou por uma promoção para um afilhado, e ficamos decepcionados quando isto não ocorre. Com o passar do tempo, contudo, descobrimos que aquela experiência dolorosa e aparentemente frustrante serviu para nos tornar mais humanos. Abriu nossos olhos, e passamos a valorizar cada pessoa, cada momento e cada gesto de amor e de bondade da nossa vida. Percebemos, afinal, que ‘as pessoas que precisavam ser curadas e agraciadas’ éramos nós mesmos! Talvez fosse isso mesmo que Deus quisesse para nós. Tornar-nos mais solidários, mais atenciosos, mais acolhedores a partir da dor. Por isso que Jesus não propunha e nem praticava orações formais, correntes de oração, ou fórmulas repetidas mecanicamente, como os fariseus e os escribas faziam. Pedia, isso sim, que Ele mesmo e seus discípulos pudessem pôr em prática o modo amoroso de governar do Pai, pois sabia que esta era a Sua vontade! Oração é um abandono confiante no colo de Deus Pai que sabe o que é bom para nós. E, ao mesmo tempo, é energia interior e coragem para que cada discípulo realize, aqui e agora, com todo o seu ser, o que o Pai realizaria se estivesse visível aos nossos olhos. Afinal, ‘Deus não tem olhos; ele tem nossos olhos para enxergar os sofrimentos de seus filhos. Deus não tem ouvidos; Ele usa os nossos ouvidos para ouvir e atender aos clamores de tantos inocentes. Deus não tem boca; Ele se serve da nossa palavra para denunciar os arrogantes e violentos, e anunciar a paz e a justiça. Deus não tem pernas; Ele se serve dos nossos pés para percorrer montes e vales e levar a liberdade a todos os escravos’ (Oração de um anônimo da idade média).
(Este blogueiro escreve mensalmente no O Jornal do Maranhão da Arquidiocese de São Luís)