A celebração da festa dos apóstolos Pedro e Paulo nos re-propõe uma reflexão inadiável sobre os modelos e identidades de igreja a serem construídos, e suas metodologias de evangelização a serem adotadas nesses tempos de efervescência e recrudescimento de ‘novas violências’. Olhar para as práticas evangelizadoras dos dois pilares da igreja originária não significa mergulhar na arqueologia, mas recuperar caminhos, intuições, motivações que, à época, produziram mudanças sócio-culturais surpreendentes. Discernir a "iluminação metodológica inicial" de Pedro e Paulo significa incorporar de forma atualizada e criativa a capacidade de dialogar de forma significativa aos homens e mulheres do nosso tempo, às suas culturas e modelos sociais. O que fariam e o que diriam hoje os dois apóstolos históricos à nossa sociedade planetária que experimenta a falta de sentido do "ser"? Que não pode mais se apoiar nos velhos dogmas da família nuclear, da autoridade, da política institucional, nas estruturas dos estados nacionais, da religião e de suas instituições, da moral religiosa e natural que aparentemente davam sentido, solidez e segurança? Uma sociedade que experimenta a inconsistência de muitas práticas apresentadas como ‘reveladas’, que vive numa situação de "liquidez" de valores e relações interpessoais onde tudo pode ser mudado a qualquer hora, com novas regras, novos jogos, tendo a sensação de ter que começar sempre de novo? Pedro e Paulo nos oferecem algumas dicas, pelo menos a partir daquilo que nos é possível intuir a partir dos escritos neo-testamentários.
1. Não se pode jamais renunciar ao imperativo de dialogar com "o outro", "o diferente", "o pagão". É essencial respeitar suas raízes sociais, culturais e religiosas, se é que podemos separar essas dimensões...O "outro’, ‘o estrangeiro’ em sentido amplo pode ser membro de uma mesma e nova "comunidade eclesial e social" sem renunciar a ser ele mesmo. A única coisa a ser pedida é a adesão a um projeto plural alicerçado no respeito ‘ao outro’.
2. Não se pode renunciar ao direito de debater, questionar, admoestar, alertar quem quer que seja. Paulo e Pedro que o digam: os conflitos e as discussões entre os dois nunca ameaçaram a estima e o respeito que um tinha para com o outro. Numa sociedade e numa igreja em que a submissão obsequiosa às autoridades, a bajulação servil às hierarquias e o silêncio cúmplice tornam-se práticas norteadoras sistemáticas, os apóstolos nos ensinam a nos expor, a argumentar e a praticar a dissensão, o contraditório, a contraposição. Sempre na caridade profética!
3. Numa sociedade e numa igreja em que prevalecem os princípios da eficácia administrativo-financeira em detrimento da força moral e carismática, da ostentação e do luxo litúrgico, do autoritarismo e do centralismo hierático, Pedro e Paulo apontam para o serviço desinteressado e gratuito, para a participação plena e diferenciada, para a simplicidade e a sobriedade de vida. Uma igreja total e plenamente ministerial onde não há ‘homem e mulher, escravo e livre, nacional e estrangeiro....’
Será que a igreja católica terá a coragem de não somente venerar liturgicamente os dois históricos, mas também de incorporar suas atitudes e intuições? Afinal, o que está em jogo é a construção de uma nova(s) identidade(s) de igreja que esteja disposta a se deixar questionar, a coragem de mudar, sempre, o tempo todo, para permanecer sempre a mesma.(Postagem de 2010 do mesmo blogueiro)