O jogo parece já feito, mas há ainda espaço para bagunçar o coreto e chutar o barraco. Os povos indígenas parecem estar dispostos a vender cara a própria pele! A depender dos interesses em jogo, há uma evidente ‘feliz-infeliz’ coincidência de circunstâncias no que tange à questão indígena como um todo na atual conjuntura do Brasil. Se de um lado não parece ser tão imediata a compreensão do momento presente, - pois muito pouco se sabe ainda sobre interesses e objetivos não ditos e ocultados à sociedade em geral, - do outro lado parece haver um volume de manifestações, pressões, propostas de mudanças, e decisões envolvendo vários atores sociais (governo, congresso, povos indígenas, agro-negócio, mineração, etc.) de tal envergadura que sinalizam que estamos não somente no olho do furação, mas num momento crucial para delinear o ‘Brasil econômico e multi-étnico’ dos próximos anos. Concretamente, parece haver nesse momento o seguinte quadro: temos um governo federal, - notadamente aquele controlado pela moderna e mutante esquerda petista, - com a presidente e seus colaboradores mais próximos, - ainda fortemente influenciado pelas reminiscências de um marxismo arcaico que sob a genérica categoria social ‘pobres’ (só faltava chamá-los de proletários) concentra e trata uniformemente uma vasta gama de grupos sociais, ‘classes’, povos e etnias. Sob o falso pretexto de oferecer ‘igual tratamento’ coloca-os na vala comum das genéricas políticas assistenciais, mais ou menos focadas, mas subordinadas ‘aos interesses nacionais’ de cunho elitista. Por detrás daquilo que eufemisticamente são chamados de ‘interesses nacionais’ estão essencialmente dois objetivos políticos bem claros.
De um lado a manutenção, a qualquer custo, da hegemonia petista no governo federal para no mínimo mais um mandato. E, do outro, intimamente ligado e complementar a esse, alavancar de forma irreversível o que vem sendo definido, genericamente, de ‘aceleração do crescimento’, aproveitando o suposto momento favorável da conjuntura mundial. Pergunta-se se diante desses interesses haveria espaço para uma política diferenciada e respeitosa para ‘minorias’ que segundo o imaginário coletivo consolidado estariam ocupando territórios ‘produtivos’ capazes de despertar definitivamente o gigante adormecido’. Esse mesmo governo federal entende que não chegou somente a hora de ‘botar para quebrar’, mas, principalmente, percebe que os sinos tocam para que se redefinam legalmente, num outro patamar, as relações sociais e as ‘propriedades’ ou, no mínimo, a sua ocupação e exploração física. Dito de forma mais direta, - embora ainda não declarada por insano pudor governamental, - os povos indígenas e os quilombolas estariam usufruindo de territórios vastíssimos ociosos que poderiam servir ao País para exportar o que até agora não se conseguiu. E permitir ao País se firmar não somente como potência econômica, mas como nação com as bases (infra-estruturas) dignas de um País dito ‘moderno’.
Isto, porém, tem que ser feito de forma legal, nem que isso implique rever princípios constitucionais que pareciam consagrados e consolidados desde a eternidade. O atual governo federal finge que vem sendo pressionado agressivamente pelos representantes do ‘agro-mínero-negócio’, mas na realidade ele vem concordando em número, gênero e grau com suas reivindicações que, diga-se de passagem, não são pontuais, mas de caráter sistêmico. De fato, o que parece não ser evidenciado por trás das escaramuças das ‘Kátias Abreus’ da vida e company, e dos senhores do minério e agro-negócio, é uma firme vontade de dar uma nova configuração ao Brasil, mais em consonância com as exigências próprias da elite financeira e exportadora e, supostamente, ‘da realidade planetária’. Para eles não podem ser esses ‘selvagens arcaicos’ a deter esse projeto que, afinal, viria a modernizar e a beneficiar o País como um todo. É nesse jogo de empurra-empurra que se escondem as táticas, sendo que a estratégia parece já estar definida. Ou seja, as táticas cuidariam somente de ver qual a melhor forma e qual o momento mais oportuno para produzir e anunciar mudanças substanciais já decididas na Constituição, no Código de Mineração via Medidas Provisórias, etc. Evidentemente, tentando não parecer demasiado impopulares aos olhos de alguns setores da elite intelectual da sociedade civil que esperneia e faz barulho, uma vez que a sociedade em geral parece estar bem alheia ao que vem acontecendo. Parece sintomática a campanha propagandística dos já 10 anos de governo federal do PT.
Diferentemente do que apregoavam os tucanos com FHC que pela voz do Sérgio Motta diziam em alto e bom som que eles vieram para ficar pelo menos 20 anos, agora, é o seu inimigo histórico, o atual mutante PT que sem alardear a sua sede de ‘governança’ parece querer reproduzir o mesmo desejo e, dessa forma, dar a feição final da ‘modernização’ definitiva do País. Paradoxalmente, completando o que os tucanos haviam iniciado (ou melhor, o próprio Collor de Melo), confirmando, assim, que possuem e aderem à mesma matriz política em que o governo federal de turno, - não importa qual cor partidária, - permanece fielmente amasiado aos setores elitistas do agro-negócio, banqueiros, exportadores. Sem descuidar, contudo, para que outros setores periféricos (indígenas, quilombolas, trabalhadores escravos, etc.), mas de grande badalação internacional, não estraguem a ‘festa ecumênica’. Negociar, dialogar, construir consensos não são palavras e práticas utilizadas nesse momento em que urge impor o sonho que foi acalentado ao longo décadas por elites mesquinhas e substancialmente arcaicas!