quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Breve reflexão sobre a Anunciação do arcanjo Gabriel a Miriam (Lc.1,26-38)

Lucineide (nome fittizio) aveva aveva poco piú di 12 anni quando fu violentata dal compagno di sua madre. Con la scoperta della sua gravidanza sono iniziate illazioni e maldicenze. Se era successo era perché, in fondo, lei lo aveva permesso. Ai 13 anni, Lucineide, ‘vittima e complice’, divenne madre contro la sua volontá. Pensiamo per un istante alle migliaia di giovani ‘Marie’ tra i 12 e i 16 anni del Brasile che si scoprono incinte, dopo aver subito, in molti casi, abusi sessuali. Nel 2019, ad ogni 1.000 donne incinte, 60 erano adolescenti tra i 14 e i 18 anni. Pensiamo alle consequenti pressioni psicologiche e moraliste esercitate dalla famiglia o dai supposti padri su queste giovani incinte per non portare a termine la gravidanza. Sono innumerevoli i casi in cui la madre, impreparata per allevare il figlio, si arrende a coloro che gli offrono ‘protezione’. Non sono, purtroppo, i ‘giusti Giuseppe’ che accolgono l’incinta Miriam e che affrontano impavidi le norme morali della religione, ma le bande e le gang del traffico di droghe. Nella maggior parte dei casi queste ragazze-madri e i suoi figli hanno giá un destino marcato: la clandestinitá e la morte violenta prematura. 

Nel brano evangelico proposto per la nostra riflessione, Luca non ci presenta una storiografia con connotazioni mitiche, e neppure descrive teofanie deliranti. L’evangelista ci propone una specie di memoriale del complesso itinerario esistenziale proprio degli umani. Ci mette in sintonia con i conflitti del nostro quotidiano, ma anche con le sue scelte di vita coraggiose. Ci introduce, senza sofismi, nel dramma di milioni di ragazze-madri e di donne anonime, vittime di pregiudizi e di tradizioni patriarcali maschiliste ed escludenti. Ci fa capire, tuttavia, come sia necessario produrre rotture sociali affinché ‘l’esclusione legale’ sia soppiantata dalla compassione, dalla misericordia e dalla difesa intransigente dell´integritá fisica e morale di ogni vita. Con questo modo di procedere, Luca sembra combattere una concezione di storia scritta e interpretata a partire dalla morale dei palazzi governativi e dai centri religiosi ufficiali, per dare visibilità a personaggi e a luoghi apparentemente insignificanti, se non addirittura ‘maledetti’ dalla storia istituzionale. Ci prepara in un crescendo continuo affinché possiamo identificarci con quel ‘Nascituro inatteso e scomodo’, Gesù di Nazaret, e con la sua ‘sospetta’ madre, Miriam. Due ‘intrusi sociali’ che emergono dall’anonimato e dall’invisibilità in cui dovevano rimanere per sempre. 

Luca, al proporci il dialogo tra ‘Gabriele-Forza di Dio’ con la sconosciuta minorenne Miriam, nella ribelle Galilea, nel villaggio di Nazareth dal quale ‘non poteva venir fuori qualcosa di buono’ (Gv 1,46), fa emergere, paradossalmente, le contraddizioni, le angosce, le lotte e le speranze che esistono tuttora nel nostro ‘villaggio-casa comune’. L’inedito, in fin dei conti, non consiste tanto nella ‘concezione miracolosa’ di una nuova vita biologica, ma nel rompimento radicale con un presente ingessato da leggi maschiliste e da norme di purezza che esigono sottomissione al palazzo e al tempio. Tutti i personaggi del brano lucano sono degli autentici trasgressori delle teologie tradizionali e delle pratiche istituzionalizzate. Il proprio angelo ‘annunciatore-mediatore divino’ non si fa vedere nei luoghi santi, come il tempio o le sinagoghe, per esempio, e neppure alle caste sacerdotali. Egli ‘penetra nel profano domestico’ di milioni di cittadini senza-casa e senza-Dio. L’ombra dell’Altissimo, che solo copriva l’arca dell’alleanza, ora copre e protegge i veri tabernacoli, i grembi di migliaia di Marie incinte, violentate, ma generatrici di speranza e di disobbedienza civile e religiosa. 

Nella teologia di Luca non sono piú i maschi i veri generatori di vite e di dinastie, come voleva la tradizione cristalizzata. Essi sembrano infecondi strumenti a servizio di precetti sterili e di pratiche religiose antiquate. Incapaci di produrre frutti di giustizia e di trasformazione storica. Sono, al contrario, le sospette e marginalizzate donne e le minorenni ragazze-madri che ‘non conoscono uomo’, che osano ‘dare il nome’ e definiscono, autonomamente, il progetto di vita per i suoi propri figli. In questo senso la ‘donna e madre’ Miriam emerge come il simbolo universale di tutti quelli uomini e donne di fede, di differenti culture, che inaugurano inedite logiche e pratiche sociali. Sono miriadi di angeli contemporanei in sua maggioranza neri, indigeni, migranti, senza-casa, senza-terra, senza-mandato e senza unzione istituzionale, che insistono ad annunciare il sorgere di una nuova creazione. Sognano una ‘casa comune’ in cui gli Erodi e i Cesari di turno sono deposti dai loro troni. Dove i ricchi coltivatori di soia e di bestiame, i trafficanti di corpi, di minerali e di legname pregiato e della minacciata biodiversitá sono rimandati a mani vuote. Dove i fucili e le pistole di eserciti di mercenari e di polizie private saranno trasformati in aratri, in pozzi artesiani e in sementi non trangeniche. Dove gli oligopoli venditori di fake news e di illusioni saranno smascherati dalle profezie di tanti ribelli senza voce, annunciatori di speranza e veritá!

*Articolo do blogueiro pubblicato sulla revista Comboniana 'Nigrizia'


segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

DEUS É HUMANO! - Por Enzo Bianchi

 A partir daquele dia em que Jesus nasceu, Deus deve ser buscado na vida dos homens e das mulheres, deve ser buscado no nascimento deles, no cotidiano deles, na morte deles. Nós, a fim de não sermos nós mesmos e a fim de não aceitarmos os outros, inventamos lugares para encontrar e reconhecer a Deus, inventamos ações para encontrar e reconhecer a Deus e não acolhemos o mistério da humanização de Deus, esse mistério que só o cristianismo desvela e proclama. É a humanidade, a humanidade de Jesus que nos permite conhecer quem é Deus, e é na humanidade de cada um de nós, na humanidade dos outros, dos homens e das mulheres que devemos ver a ação de Deus, o amor de Deus de que somos constituídos, como fiéis, imitadores. Quando esse menino nasce, ele narra o amor de Deus por nós e nos pede apenas uma coisa: crer no amor. Na sua primeira carta, o apóstolo João proclama: “Nós cremos no amor”, e essa é a verdadeira definição do ser cristão, uma definição, porém, que nos levanta uma pergunta à qual devemos responder na fé, sobretudo nesta noite: nós cremos no amor?

Cada um de nós deve se perguntar: eu creio no amor? Porque o cristianismo – e é preciso dizer isto com força sobretudo neste tempo –, antes de ser o ato de amar aos outros – e o repito –, antes de ser o ato de amar aos outros, pede como condição prévia e absoluta o ato de se crer no amor; porque, se alguém não crê no amor, pode até fazer muitas coisas generosas, grandes gestos e ações, mas, como revela Paulo, seriam apenas gestos de protagonismo, semelhantes a címbalos estridentes.

E atenção: o anjo convidou os pastores para irem a Belém, mas não os convidou para irem ver o Salvador, o libertador, o Deus conosco, e essa página de Lucas tem algo que muitas vezes nos escapa: o anjo os convidou a irem ver um sinal, um sinal, nada mais do que um sinal. Essa é uma fórmula inesperada no Evangelho de Lucas, porque, aliás, isso não faz parte da sua linguagem: mas esse bebê, esse menino envolto em faixas que está em uma manjedoura, uma cena humana, de todas as famílias que davam à luz naquele tempo, é um sinal, é apenas um sinal, apenas um sinal que remete a uma esperança de outro dia, um sinal que remete a uma libertação que será total mais tarde, quando vier definitivamente Aquele que foi designado como Salvador. Aqui também há uma inversão: não se crê primeiro em Deus e, consequentemente, sendo Deus amor, crê-se no amor. Não, primeiro cremos no amor e, na medida em que se crê realmente no amor, somos capazes de crer em Deus, o Deus que é narrado por aquele Jesus, por aquele seu Filho que se fez menino, que se fez simples, frágil, pobre, assim como o ser humano é no seu nascimento. 

domingo, 12 de dezembro de 2021

O Papa, na festa de N. S. de Guadalupe: “Filho e irmão latino-americano, sem medo, canta e caminha como fez tua Mãe”

'Na escola de Maria, aprendemos a estar em caminho para chegar aonde devemos estar: aos pés e de pé diante das muitas vidas que perderam, ou às quais roubaram a esperança”, disse Francisco. 

"Na escola de Maria, aprendemos a caminhar pelo bairro e pela cidade não com os sapatos de soluções mágicas, respostas instantâneas e efeitos imediatos; não com promessas fantásticas de um pseudo-progresso que, pouco a pouco, a única coisa que consegue é usurpar as identidades culturais e familiares, e esvaziar daquele tecido vital que sustentou nossos povos, e isso com a intenção pretensiosa de estabelecer um pensamento único e uniforme”. 

Na escola de Maria aprendemos a caminhar pela cidade e nutrimos o coração com a riqueza multicultural que habita o continente; quando somos capazes de ouvir esse coração escondido que palpita cuidando, como um pequeno fogo aceso sob as cinzas, o sentido de Deus e da sua transcendência, a sacralidade da vida, o respeito pela criação, os laços de solidariedade, a alegria de viver, a capacidade de ser feliz sem condições". Maria, continuou o Papa, tem cantado em seu caminho, "suscita o canto dando voz a tantos que de uma forma ou de outra sentem que não conseguem cantar", tanto que "ensinou ao Verbo a balbuciar suas primeiras palavras.

" Na escola de Maria, prosseguiu Jorge Mario Bergoglio, "aprendemos que sua vida está marcada não pelo protagonismo, mas pela capacidade de fazer com que os outros sejam protagonistas. Brinda a coragem, ensina a falar e, sobretudo, anima a viver a audácia da fé e da esperança." Com Juan Diego, que viu a Virgem de Guadalupe, e "com tantos outros que, tirando do anonimato, lhes deu voz, fez conhecer seu rosto e história e os fez protagonistas desta, nossa história de salvação.”

"O Senhor - disse o Papa - não busca o aplauso egoísta ou a admiração mundana. Sua glória está em fazer seus filhos protagonistas da criação. Com coração de mãe, ela busca levantar e dignificar todos aqueles que, por diferentes razões e circunstâncias, foram deixados no abandono e no esquecimento”. 

Na escola de Maria, “aprendemos o protagonismo que não precisa humilhar, maltratar, desprestigiar ou zombar dos outros para se sentir valioso ou importante; que não recorre à violência física ou psicológica para se sentir seguro ou protegido”. “É o protagonismo que não tem medo da ternura e da carícia, e que sabe que seu melhor rosto é o serviço.

Em sua escola, aprendemos o autêntico protagonismo, dignificar todo aquele que está caído e fazê-lo com a força onipotente do amor divino, que é a força irresistível de sua promessa de misericórdia”. Em Maria, o Senhor nega a tentação de dar destaque à força da intimidação e poder, ao grito da selva ou para afirmar-se com mentiras e ou manipulação. 

Povos indígenas - Toneladas de ouro são extraídas clandestinamente de terras indígenas por empresas criminosas

Toneladas de ouro retiradas do subsolo da terra indígena Kaiapó, no sul do Pará, movimentaram, por anos, uma complexa organização criminosa que dominava toda a cadeia do negócio ilegal, desde a abertura e exploração dos garimpos, até os esquemas de lavagem do dinheiro e a venda do produto no Brasil e no exterior, revela o Estadão em reportagem publicada neste domingo (12). A rede envolvia dezenas de empresas ligadas ao comércio de metais, cooperativas de ouro, dezenas de funcionários fantasmas e empresas sem qualquer relação com o setor, como uma barbearia da cidade de Limeira, no interior de São Paulo, que lavou mais de R$ 12 milhões do garimpo ilegal em apenas 11 meses.

Uma operação da Polícia Federal deflagrada em 27 de outubro cumpriu 62 mandados de busca e apreensão, além de 12 mandados de prisão preventiva em dez unidades da federação: Pará, Amazonas, Goiás, Roraima, São Paulo, Tocantins, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia e Distrito Federal. A Justiça Federal determinou o bloqueio e indisponibilidade de valores que chegam a R$ 500 milhões em contas dos investigados. Cinco aeronaves foram apreendidas. A atividade econômica de 12 empresas foi suspensa e houve bloqueio de imóveis de 47 pessoas físicas e jurídicas.


sábado, 11 de dezembro de 2021

III advento - Nem templo, nem rezas, nem preceitos, mas mudança urgente e radical das relações sociopolíticas e econômicas para salvar a nação! - Lc 3,10-18

Um cenário impressionante se impõe à nossa imaginação...Um deserto imenso feito de areia, pedregulhos, rochedos e sol intenso a fustigar uma multidão de pessoas provenientes das aldeias e cidadezinhas próximas e de Jerusalém. Uma multidão que se desloca dos centros urbanos para ouvir no deserto a ‘voz profética que grita' por mudança e castigo. Era mera curiosidade ou forte sentimento interior para iniciar uma nova etapa da própria vida? Um reconhecimento que a voz de João era inspirada e inspiradora ou era somente o medo das iras divinas para quem não conseguisse produzir ‘ frutos de justiça’? Seja o que for João não corre atrás do povo da cidade. Espera-o à beira-rio e tem exigências para todas as categorias e classes sociais. Já vemos aqui a grande diferença entre ele e o profeta Jesus: a profecia de João é estática e intransigente. Não parece deixar margem à salvação, pois ele desconfia da mudança de quem vive nas corruptas cidades; e a profecia de Jesus que se dá em permanentes andanças, visitas intensas de Norte a Sul, sempre à procura da ‘ovelha ferida e excluída’. Há, contudo, um ponto em comum e que foi crucial para a mudança de mentalidade do próprio cidadão e crente Jesus de Nazaré: não era num templo e nem na obediência às normas e aos preceitos litúrgicos tradicionais que poderia haver uma mudança radical da nação Israel, e sim, na transformação urgente e radical das relações sociopolíticas  e econômicas. 

Batizam-se somente aqueles que se comprometem a acabar com a desigualdade, com a corrupção e a violência, e a extorsão institucional. Dar comida e abrigo a quem não tem, não cobrar além do permitido, e não praticar abuso de poder tornam-se para João e para Jesus o cartão de visita de ambos! E sobre essas exigências os dois jamais abririam mão. Muda, todavia, a metodologia e a perspectiva. Jesus acredita firmemente que mesmo não havendo, agora, a mudança esperada, Deus concederia sempre uma nova e permanente chance (graça) por ainda acreditar na bondade do ser humano e, sobretudo, na ‘compaixão e na misericórdia do Pai’. Já, João, desconfia desse povo que promete e não cumpre, que louva com os lábios, mas o seu coração está longe de Deus, e não vê outra opção para Deus a não ser a de enviar o fogo abrasador! A autodestruição que a humanidade vem praticando hoje em dia parece dar razão, nesse momento, ao veterotestamentário João. Queremos continuar a seguir teimando na convicção de Jesus de Nazaré de que antes ou depois os filhos do Todomisericordioso saberão produzir frutos inéditos de justiça e de paz sem fim....


sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Amazônia acumula 73 mil focos de incêndio em 2021, segundo dados do INPE

 Apenas uma semana após o presidente Jair Bolsonaro ironizar – novamente – as queimadas na Amazônia, o Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) atualizou os dados em sua plataforma online indicando que, somente em 2021, o bioma acumula 73.494 focos de incêndio. No dia 23 de novembro, em conversa com apoiadores, Bolsonaro minimizou as notificações de focos de queimadas ao dizer que “quando acende uma fogueira de São João na Amazônia”, afirmam que a floresta “está pegando fogo”. Dois dias depois, em entrevista a uma emissora de TV, novamente Bolsonaro disse que “floresta úmida não pega fogo” e que grande parte dos focos “é o ribeirinho, o índio, o caboclo, que tacam fogo lá”. Segundo dados do INPE, atualizados na Plataforma do Programa Queimadas na noite de terça-feira (30/11), somente em novembro foram registrados 5.779 focos na Amazônia. O número, reflexo da chegada da estação chuvosa na maioria do país, representou uma queda de 50% em relação ao mês anterior.  


Uma Igreja com portas e janelas abertas. Um diálogo “sinodal” com Andrea Grillo

 O tema do Sínodo se centra na questão, urgente, de uma reflexão sobre o poder e suas dinâmicas.

Essa é uma das ideias mais claras que se manifestam na atualidade eclesial e no debate cultural para além da Igreja, naquela que podemos chamar de cultura comum. Em primeiro lugar, devemos reagir a uma espécie de instinto de autodefesa típico da Igreja. Acontece que quando a Igreja ouve falar de poder, costuma dizer “não me diz respeito, porque não atuo naquela seara; atuo naquela do serviço ...”. Falso: o exercício da verdadeira autoridade, da autoridade do evangelho, da autoridade do serviço, precisa exercer poder. Talvez para perdê-lo, mas tem que exercê-lo. Ora, no exercício do poder existe toda uma série de mediações que são comuns, não específicas apenas da Igreja. Consequentemente, uma reflexão sobre essas mediações é importante.

A primeira mediação em que o poder é exercido é a linguagem. Falamos uma linguagem velha, que era jovem quando foi formulada. Era moderna, avançada, ousada na época de São Tomás, do Concílio de Trento, dos concílios oitocentistas. Hoje, porém, repetimos fórmulas desgastadas. Em vez disso, acredito que não devemos ter medo. Sobre isso, o Papa Francisco é muito franco e pede para usar a imaginação, a inquietação e a incompletude. Não é por acaso que ele utiliza essas três palavras, palavras surpreendentes. E é paradoxal que as diga um Papa e não as digam os teólogos, os pastores e os leigos. Devemos dizer as coisas de sempre com palavras novas. É a grande intuição de João XXIII, que abre o Concílio Vaticano II afirmando que ele tem um caráter pastoral. Porque - afirmou então o Papa João -, uma coisa é a substância da antiga doutrina do depositum fidei, e outra coisa é a formulação de seu revestimento. Devemos formular o revestimento da substância da antiga tradição de uma forma nova, surpreendente, atraente e apaixonante. Portanto, o poder devemos exercê-lo usando a linguagem de uma nova maneira.

E depois?

Em segundo lugar, acredito que precisamos sair da autorreferencialidade, que normalmente é uma consequência de linguagens velhas. As linguagens ficam velhas quando já não falam mais do outro, apenas de si mesmos. Na Igreja, esta é desde sempre uma das tentações. Uma Igreja que já não consegue mais não apenas “sair”. Bergoglio usou essa imagem antes mesmo de se tornar Papa, em seu discurso ao colégio cardinalício. Não a Igreja em saída, mas Jesus em saída: devemos permitir que Cristo saia dos muros que construímos ao seu redor. .É uma belíssima imagem: um Cristo em saída precisa de uma Igreja com portas e janelas abertas, que permita que ele saia e as vidas humanas entrem.

O terceiro nível é estritamente institucional. Usamos o direito canônico - concebido em 1917 e parcialmente revisado em 1983 - como se fosse a Bíblia. Vamos parar de reduzir tudo a questões canônicas. O direito canônico é uma função essencial, mas não está nem no início nem no fim. Está no meio, no início e no fim existem outras coisas. Uma Igreja que sempre tem o direito canônico no início e no fim é uma Igreja que fala uma linguagem autorreferencial e que não se comunica com a realidade.


 

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Informais e subocupados, no Brasil, respondem por oito entre cada 10 novos empregos, por Lauro Veiga Filho

 Os dados da PNADC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram uma deterioração constante e crescente do mercado de trabalho. O total de subocupados por insuficiência de horas trabalhadas atingiu sua marca mais elevada em toda a série da pesquisa no terceiro trimestre deste ano, num recorde de 7,771 milhões de trabalhadores (ou 8,4% do total de ocupados, frente a 7,5% no mesmo trimestre do ano passado). O número cresceu praticamente 23,9% em quatro trimestres (1,498 milhão de trabalhadores a mais do que no terceiro trimestre do ano passado, quando os subocupados somavam 6,273 milhões). Além disso, o total de informais aproximou-se de 39,965 milhões no trimestre encerrado em setembro último (incluindo trabalhadores sem carteira no setor público, categoria não considerada pelo IBGE ao estimar os números da informalidade no mercado de trabalho). No terceiro trimestre de 2020, a pesquisa contava 33,942 milhões de informais. Comparando os dois períodos, registrou-se um aumento de 17,7%, com 6,023 milhões de informais a mais – o que representou dois terços de todos os empregos criados no período.

Juntos, informais e subocupados passaram de 40,215 milhões no terceiro trimestre do ano passado em todo o País para 47,736 milhões na aferição mais recente, numa elevação de 18,7%, correspondendo a um incremento absoluto de 7,512 milhões. Isso significa dizer que praticamente 78,9% de todos os empregos abertos no período foram ocupados por informais ou subocupados. Mais da metade dos ocupados, portanto, algo como 51,3% passaram a ser informais ou subocupados. O dado explica, na média do País, porque o rendimento real (descontada a inflação) atingiu seu mais baixo valor na série histórica do IBGE, iniciada em 2012, caindo 11,1% entre o terceiro trimestre de 2020 e o mesmo trimestre deste ano, saindo de R$ 2.766 para R$ 2.459.

A taxa de desemprego no País baixou de 14,9% no terceiro trimestre do ano passado para 12,6% no mesmo período deste ano. O número de desocupados caiu de fato 7,8% no País, de 14,958 milhões para 13,453 milhões. Esses números mostram melhoria, sim, mas porque aumentou o número de pessoas que passaram a realizar trabalhos de baixa remuneração, em geral temporários, sem férias, 13º salário e outros direitos. Mesmo diante da queda no desemprego e do crescimento do emprego, a massa de renda dos trabalhadores continuou estagnada, numa clara demonstração da deterioração em cena no mercado de trabalho, com a geração de ocupações de baixa qualificação, salários achatados e literalmente direito algum.

Lauro Veiga Filho – Jornalista, foi secretário de redação do Diário Comércio & Indústria, editor de economia da Visão, repórter da Folha de S.Paulo em Brasília, chefiou o escritório da Gazeta Mercantil em Goiânia e colabora com o jornal Valor Econômico.

MPT flagra trabalhadores da VALE em situação de risco em barragens no Pará. Por Cida de Oliveira, da RBA

São Paulo – Uma inspeção do Ministério Público do Trabalho flagrou trabalhadores com a vida em situação de risco em barragens da mineradora Vale no Pará. Eles trabalhavam em obras, armazéns e almoxarifados localizados na chamada Zona de Autossalvamento (ZAS). O termo diz respeito à área que compreende até 10 quilômetros ou 30 minutos do ponto de rompimento de uma barragem. Portanto, é área de grande perigo: não há tempo para nenhum órgão público fazer intervenção para salvar a vida de quem ali estiver. “É a área à jusante da barragem, que é varrida pela onda de água e rejeitos em caso de rompimento. E nenhum trabalhador estava em atividade estritamente vinculadas à manutenção da barragem, como pede a lei”, disse à RBA o procurador do Trabalho Leomar Daroncho, que participou da inspeção nas barragens de Pera Jusante, em Parauapebas, e de Mirim, do Projeto Salobo, em Marabá, no sul do Pará, entre os dias 23 e 25. Para o MPT, o contingente de trabalhadores que pode ficar à jusante da barragem deve ser o mínimo possível, restrito à lei. E mesmo assim, é preciso tomar medidas de cautela em relação a esses trabalhadores, com treinamento constante, capacitação e orientação sobre rotas de fuga.“É uma situação de alto risco, como já demonstrado em situações infelizmente reais. Não é possível manter trabalhadores em canteiros de obras, usina de concreto, almoxarifado, instalações que não são vinculadas à manutenção, como previstas na lei. Devem ser evitadas todas, não como um problema para a mineradora, mas como precaução da mineradora para que ela nao venha ter problema”, disse o procurador. Além da questão ambiental, humana e social, destacou, é a própria imagem da mineradora, com inserção nos negócios internacionais, que está em jogo. “Por isso que se precavenha quanto a possíveis danos de um decorrente rompimento, e nao fique com uma postura excessivamente segura, como se tudo estivesse bem. Mas não está.”


Com MORO na presidência haverá recrudescimento do Estado de exceção! Por Luís Nassif

 As grandes transformações ocorrem após grandes tragédias. Foi assim no pós-Segunda Guerra, que fez o mundo acordar da financeirização selvagem do período anterior e propor pactos globais que trouxeram um suspiro de civilização ao Ocidente. No Brasil, imaginava-se que a tragédia Bolsonaro tivesse sido uma lição para uma elite institucional provinciana, atrasada que nos últimos dez anos destruiu todos os resquícios de democracia e de direitos sociais. O apagão administrativo, os negócios com vacinas, provocando a morte de centenas de milhares de pessoas, os riscos que a democracia correu, não soçobrando exclusivamente devido aos terraplanistas que cercam Bolsonaro – e que contribuíram para sua desmoralização – nada disso adiantou. O país tem uma elite historicamente autoritária. E, nos preparativos para as próximas eleições, ela terá papel na definição da terceira via. Daqui para frente, há algumas tendências começando a ganhar corpo:1. Um esvaziamento lento de Jair Bolsonaro, com a direita migrando para Sérgio Moro. É um processo inicial, mas que poderá ganhar uma dinâmica maior, com a queda de popularidade de Bolsonaro.2. O esvaziamento das candidaturas de Ciro Gomes e João Dória Jr e dos demais candidato da terceira via. É mais uma eleição em que Ciro se auto-destrói pela absoluto paradoxo de dispor dos melhores diagnósticos para o país, e das piores estratégias políticas. Quis o cetro de anti-Lula, sem sequer avaliar de quem seria o trono, quando Moro entrasse no jogo.3. O arco de apoio a Moro está sendo montado com o Partido Militar, mercado e grupos empresariais. Provavelmente seu porta-estandarte será o ex-procurador Deltan Dallagnol, mais articulado e desinibido que Moro. 

De um lado, haverá a mediocridade explícita de Moro. De outro, a falta de alternativas para a terceira via. Finalmente, a falta absoluta de visão política prospectiva da parte da mídia. Uma eventual vitória de Moro significaria o golpe final na democracia. Ao contrário de Bolsonaro, Moro tem relações umbilicais com o Partido Militar. Bolsonaro era aceito de forma algo envergonhada pelos militares, ao preço de abrir 8 mil cargos no governo. Já Moro é apoiado desde a Lava Jato. Os modos discreto, a perversidade fria de Moro é mais adequada aos protocolos militares do que o histrionismo de Bolsonaro. Moro foi o Ministro que perseguiu adversários recorrendo à Lei de Segurança Nacional; que tentou criar uma versão falsa da Vazajato para prender e expulsar do país o jornalista Glenn Greenwald. É o Ministro que colocou a Polícia Federal para intimidar um simples porteiro de condomínio que depôs sobre Bolsonaro no episódio da reunião prévia dos assassinos de Marielle Franco, no condomínio onde mora o presidente. É o Ministro que organizou a Operação Garantia de Lei e Ordem no Ceará e estimulou o motim da Polícia Militar, episódio só contido pela coragem imprudente do senador Cid Gomes. om Moro no poder, haveria a volta do aparelhamento da Polícia Federal pelos delegados da Lava Jato; um retorno dos abusos do Ministério Público Federal; a intimidação dos críticos com uso ampliado do poder de Estado, com funcionários cooptamos do COAF, da Receita e a militância política extremada do Judiciário.